A VOLTA AO MESMO LUGAR


Há euforia nos meios econômicos. A situação brasileira estabiliza-se. O Brasil deve atingir patamares superiores nos índices das agências internacionais. O cenário financeiro é oportuno, apesar da situação fiscal.

Se tanto não bastasse, a visita do presidente norte-americano, cercada de álcool por todos os lados, permitiu ainda maior elevação do grau de otimismo. As usinas moerão cana de açúcar por toda a parte. As existentes e as dezenas de usinas que se instalarão por todo o país.

A monocultura se estenderá pelo imenso território nacional. Não ficará presa ao litoral e às zonas próximas dos portos de mar. Vai se ampliar por todo o interior. Já tomou São Paulo e fará o mesmo com o centro oeste e demais regiões. Um canavial só.

Tudo bem. A euforia é compreensível. O clima e as terras favorecem a cultura da cana por toda a extensão dos mais de oito milhões de quilômetros quadrados. O sucesso é inevitável. Ainda porque o mundo está temeroso das conseqüências do efeito estufa.

É legitimo, pois, o estado positivo de ânimo. Em termos, porém. Vamos nos entregar a monocultura da cana de açúcar. Exatamente, como aconteceu a partir da primeira metade dos anos quinhentos.

Os engenhos – hoje usinas – irão expandir os canaviais pela paisagem. As imensas plantações de um só produto serão esmagadas e se transformarão em álcool anídrico.

Percorreu-se quinhentos anos para se voltar ao mesmo lugar. Antes somente em Pernambuco, Bahia e São Paulo, se estabeleceram os engenhos e, entre eles, o primeiro investimento estrangeiro em terras brasis: o Engenho do Erasmo hoje objeto de trabalhos arqueológicos na cidade de Santos.

Tanto esforço e luta para se voltar a monocultura. É impressionante. Substituíram-se as importações, em esforço sem igual da sociedade brasileira, a partir dos anos trinta.

Agora, volta-se ao começo. Tudo igual. As terras agriculturáveis utilizadas para o plantio da cana de açúcar. As praias da imensa costa vendidas a pequena burguesia européia e, como no passado, trocadas pelo valor de espelhinhos, encanto dos habitantes nativos.

E se tanto não bastasse, soldados, acantonadas nos desertos da antiga Pérsia, em suas férias, chegam às praias em busca de luxúria, tal como aconteceu quando do desembarque dos primitivos colonizadores.

Estranho destino. Lutou-se durante séculos e retornamos ao mesmo lugar. Não há nesta constatação melancolia ou ceticismo. Apenas a consciência de que nestas terras tropicais caminha-se, caminha-se, e se retorna sempre ao ponto de início de caminhada.

Claro que se poderá afirmar que agora iremos exportar nossa experiência na fabricação de veículos de múltiplos combustíveis, inicialmente marginalizados pelos europeus. Vencemos etapas evoluídas de sofisticação tecnológica.

Mas a imagem que fica é a do eterno retorno. Voltou-se ao ciclo açucareiro. E porque jamais examinamos a História, é esquecida a fuga dos plantadores para as Antilhas e a chegada dos batavos.

O mundo é outro. As circunstâncias são diferentes. A comparação, contudo, não pode deixar ser feita. Na primeira vez, tudo foi heróico e o açúcar plasmou a nacionalidade. O risco é que, na História, alguém já ensino, a repetição de acontecimentos é farsa.

Mas, aqui, nestas terras de sol constante, há sempre um esqueleto de ar que cobre o passado pesado e sufocante, lembrou Faoro. É exatamente o que acontece com o apogeu do álcool anídrico. O passado sufoca e traz recordações amargas para a sociedade.

Poucos tornaram-se participantes da aristocracia açucareira. Milhares sofreram junto as fornalhas e foram expulsos de suas comunidades pelo leviatã da monocultura, que cria riqueza concentrada. Jamais atinge a justiça distributiva, tão ausente de nossa realidade social.

Começa um novo ciclo econômico. Ou melhor, retornarmos ao mesmo lugar, após quinhentos anos. Isto que é coerência. Ou obstinação perversa. As ondas imigratórias se ampliarão. As carências sociais se deslocarão. E o pior. O pouco que resta de comunitário se desagregará.

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