LEVAR VANTAGEM, A IDÉIA FORÇA


O Congresso afastou de suas preocupações alguns temas. Só pensa, no momento, em Plano de Aceleração do Crescimento e nas leis penais. Enquanto os parlamentares ocupam-se destes assuntos, é bom aproveitar para refletir sobre outros. Evita-se assim a emoção e atitudes voluntariosas, ambas tão próprias da índole brasileira

Bom instante, pois, para uma incursão na propalada reforma política. Querem mudar todos os parâmetros de comportamento existente no país desde 1930, quando os tenentes procuraram modernizar os nossos costumes políticos.

Nos anos trinta, as mulheres conquistaram o direito de votar e a Justiça Eleitoral foi instituída. E, porque funciona bem, essa não merece aplauso dos formadores da opinião pública. A sociedade, porém, a respeita e confia em seus atos.

Mas, vamos lá. Quando se quer realizar uma reforma política em profundidade, deve-se antes recolher os elementos que conformam uma verdadeira democracia.

São muitos e nem sempre claramente identificados. Podemos dizer que, modernamente, é democrata a sociedade que tem como parâmetro de comportamento o respeito aos direitos da pessoa, em suas quatro dimensões, a saber: direitos individuais, direitos sociais, direitos coletivos e difusos e, finalmente, o direito à solidariedade.

Presentes estas gerações dos direitos humanos, já estamos em bom caminho. Há, ainda, a clássica afirmação que exige a separação de poderes – executivo, legislativo e judiciário – para a existência de um verdadeiro estado de direito, suporte principal de uma efetiva democracia.

Podia-se avançar ainda mais, na busca de características de uma democracia regular e, certamente, estariam presente a obrigação de legalidade nos atos públicos e privados, transparência nas ações governamentais e moralidade para todos. Não só, pois, para os agentes públicos.

Ora, em uma visão do cenário nacional todos estes elementos se encontram definidos na nossa cultura política. Ao menos formalmente. Somos, pois, o melhor dos mundos, como afirmaria o perene otimista.

Nada disto. Falta à democracia brasileira o essencial. Padece de ausência de caráter. Ou mais precisamente: vergonha na cara, como diziam nossos antepassados. Sem a certeza na  palavra empenhada, tudo se torna frágil e inconfiável.

Aqui o primeiro tema para uma reforma política. Mas, como caráter exige uma reforma das consciências e isto nem pregadores religiosos têm conseguido, vamos ser pragmáticos.

A primeira ação para a educação, em busca de caráter, é tornar o mandato parlamentar em atributo partidário. O mandato não pode ser conferido a uma pessoa física, o candidato vitorioso, mas sim a um partido, que dele deve ser titular.

O mandato com natureza partidária evitaria os trânsfugas. Estes nômades que se transferem de partido, como aves de arribação, na busca de melhor alimento. Os eleitos estariam vinculados, no decorrer do mandato obtido, ao partido que escolheram no período pré-eleitoral.

A mudança dos eleitos para outro partido, verificadas após cada pleito, desmoraliza, a um só tempo, políticos e partidos e transforma as escolhas em engodo. O eleitor escolhe  um socialista e recebe um conservador. Busca uma personalidade de centro e alcança um direitista extremado.

Os detentores de mandatos eletivos não gostam de ouvir falar neste tema. É a cruz para o diabo. Fogem. No entanto, a chave do problema está na natureza do mandato recebido pelos parlamentares. Enquanto este for vinculado ao eleito e não a seu partido, vão acontecer sempre fugas. Particularmente, em uma sociedade onde ficar longe do governo é inadmissível.

O resto é ciência de quem ouviu a lição, mas não soube digeri-la. Olha só esta cola vinda da Espanha, o voto de lista fechada. Querem que o eleitor escolha uma lista partidária e confira o voto na legenda. Não explicam os autores da proposta que os primeiros da lista serão os eleitos. Ponto para oligarquias partidárias. Só a elas interessa este expediente eleitoral.

Fiquemos com a experiência de setenta anos. Ela teve início nos estudos de Assis Brasil. Os defensores do voto de lista violam os valores nativos e buscam experiências hoje contestadas nas democracias de origem. Nelas, o voto de lista não permite a renovação dos quadros partidários.

Nada pior para uma democracia que a presença de sábios de plantão. Falam sem refletir ou, ao refletir, só pensam em seu quintal, sem perceber nas mazelas que estão gerando para a cidadania. É ver a origem das propostas em curso e se encontrará a mão do gigante. Este é sempre insaciável. Quer levar vantagem, em detrimento dos interesses coletivos.

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