Os tribunais americanos não se prendem a intenção original da própria Constituição. Examinam as tendências ao longo do tempo.
As origens remotas do Constitucionalismo norte americano, segundo alguns estudiosos, se encontram em documento sui generis:
o Pacto de Mayflower.
Mayflower era a denominação do barco que transportou da Inglaterra para costa leste dos Estados Unidos as famílias dos quarenta e um signatários do Pacto.
Trata-se de documento seminal.
Os seus signatários – os Pais Peregrinos – pertenciam a um segmento religioso separatista, refugiado em Leiden, na Inglaterra.
Segundo estudiosos, não desejaram solicitar à Companhia da Virginia do Norte autorização para se instalar em qualquer espaço.
Queriam ser livres e titulares do auto governo.
Ainda a bordo, elaboraram e assinaram o documento, hoje conhecido por Pacto de Mayflower.
Neste documento, decidiram, inclusive, eleger um governador.
A escolha recaiu em John Carver, pessoa considerada
“… homem devoto e bom… para ser o governador durante um ano”.
Os pactos eclesiástico ou convênios eram comuns entre os puritanos ingleses e presbiterianos escoceses.
Toda vez que um grupo deixava uma paróquia e criava uma nova, um pacto era lavrado.
Estes acontecimentos se verificaram em 1620.
Aqui, uma curiosidade.
Estudiosos em anos posteriores, 1793, encontraram vínculos entre o Pacto de Mayflower e o Contrato Social de Rousseau.
Na verdade, o Pacto indica de maneira significativa o pensamento inglês do Século XVII a respeito da capacidade das pessoas em exercer o auto governo e da convicção da necessidade de se viver sobre o império da lei.
Em seu preâmbulo, a exemplo de inúmeras Constituições contemporâneas – uma exceção, o próprio Estados Unidos – há expressa referência ao nome de Deus.
Declaração de Direitos da Virginia
Na região ora denominada Nova Inglaterra, estabeleceram-se colônias, hoje consistentes nos estados de Maine, New Hampshire, Vermont, Massachusetts, Connecticut e Rhode Island.
Entre estas colônias, encontrava-se Virginia, integrante das pioneiras treze colônias.
A importância de Virginia, na História americana, se dá por inúmeros motivos.
Lá se verificaram as batalhas finais da Guerra da Independência.
Em Virginia se instalou a primeira universidade sob os auspícios de Thomas Jefferson.
Ainda nesta primitiva colônia, que se deu, em 1776, a
“Declaração de direitos feita pelos representantes do bom povo de Virginia, reunidos em plena e livre convenção; direitos que pertencem a eles e a sua posteridade, como base e fundamento do governo.”
A concretização deste documento verificou-se três anos antes da conhecida Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pelos revolucionários franceses.
O documento de Virginia encontra raízes no pensamento inglês.
Oferece exposição altamente elevada dos valores do Constitucionalismo dos tempos moderno e contemporâneo.
Leia-se a sua Seção 1:
Todo os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes e tem direitos inerentes, dos quais, ao entrar num estado de sociedade, não podem, por nenhum contrato, privar ou despojar sua posteridade; a saber, o gozo da vida e da liberdade, os meios de adquirir e possuir propriedade, e a busca da felicidade e da segurança.
A Seção 2 aponta para a origem do Poder e a conceituação dos servidores:
[Seção 2.] Todo poder é formalmente conferido ao povo e, por conseguinte, dele deriva; os magistrados são seus depositários e servos e, a qualquer momento, responsável por ele.
São 16 a totalidade das Seções integrantes da Declaração de Virginia.
Para indicar o sentimento dos que a instituíram, transcrevemos esta última Seção, ou seja, a 16:
“A religião, ou a obrigação que temos com o nosso Criador, e a maneira de cumpri-la, só pode ser dirigida pela razão e pela convicção, e não pela força nem pela violência; por conseguinte, todos os homens fazem igualmente jus ao livre exercício da religião, de acordo com os ditame de sua consciência; é dever mútuo de todos praticar a indulgência, o amor e a caridade cristã em relação aos seus semelhantes.”
4 de Julho – Declaração da Independência
Em 4 de julho de 1776, em Congresso, decidiram os norte americanos pela
Declaração unânime pela Independência dos Treze Estados Unidos da América.
Nascia a nova república.
Proclamavam as treze colônias a sua independência da Inglaterra.
A parte final do documento de 1776 é eloquente:
“Nós, portanto, representantes dos Estados Unidos da América, em congresso geral, reunido, pedindo ao Juiz Supremo do mundo que dê testemunho da retidão de nossas intenções, solenemente publicamos e declaramos, em nome do bom povo destas colônias e pela autoridade que ele nos conferiu, que estas Colonias Unidas são, e por direito devem sê-lo, Estados Livres e Independentes ….”
O principal autor do documento fundador foi Thomas Jefferson, pensador refinado.
Foi escolhido como terceiro presidente, no período 1801 a 1809.
A Constituição dos Estados Unidos
O Congresso que decidiu pela independência dos Estados Unidos permaneceu em atividade.
Em setembro de 1786, Virginia convocou a chamada Convenção de Anápolis, pouco concorrida.
A mesma Virginia solicitou reunião dos representantes de todos os Estados a se realizar em maio de 1787 em Filadélfia.
No dia 25 de maio do citado ano, com a presença de 52 delegados, deu-se a primeira sessão de elaboração da futura Constituição.
Em 17 de setembro de 1787, 39 delegados subscreveram a redação final do documento.
Este, em seguida, foi submetido às convenções estaduais para ser ratificado ou rejeitado.
Eram necessário nove Estados aprovarem o projeto submetido à deliberação.
O nono Estado a decidir pela aprovação foi New Hampshire (1788) e o último a ratificar o projeto foi Rhode Island (1790).
Em 29 de maio de 1790, entrava em vigor a mais analisada e longeva Constituição, a dos Estados Unidos da América.
A demora na ratificação do Documento constitucional deu-se em razão do conflito de ideias entre os federalistas e os ante- federalistas.
Os primeiros desejavam uma União forte e o ante-federalistas imaginavam em uma maior autonomia para as unidades federadas.
O Federalista
Esta disputa política e intelectual gerou uma volumosa literatura jornalística.
As peças consagradas desta batalha intelectual se encontram nos
Papéis Federalistas – Federalist papers,
a conhecida obra de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay.
Estes documentos publicados, à época, em jornais, posteriormente tornaram-se livro festejado por todos os constitucionalistas.
No Brasil conheceu-se OFederalista, em português, em 1840, como informa a Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais em edição procedida em 1896.
Os autores de O Federalista, Hamilton, Madison e Jay, eram personalidades diversas entre si.
Hamilton, ambicioso, generoso, devoto, orgulhoso, rápido para se ofender e perdoar, mente muito ágil e ativa e de energia inesgotável.
Ele marcou os primeiros anos da nova República.
Madison jovem intelectual, altamente qualificado. Elegeu-se presidente para o período compreendido entre 1809 a 1817.
Jay, por seu turno, jurista, diplomata que negociou a paz com a Inglaterra.
Foi o primeiro presidente da Suprema Corte (1789-1895).
Ainda a Constituição dos Estados Unidos
Voltemos a Constituição:
O documento comemora 231 anos de vigência.
Neste longo período, conheceu apenas a inserção de 27 emendas.
Dentro do nosso campo de estudos cabe analisar particularmente a temática correspondente à interpretação do texto constitucional americano.
Sem esquecer que há autores que consideram a Constituição americana documento elitista, elaborado por delegados que “eram especuladores de terras” e outros que acreditavam ser a democracia “o pior de todos os males políticos”.
Cabe, neste passo, abandonando a vereda acima, a análise de tema rico na literatura jurídica dos Estados Unidos.
Referimo-nos à
Teoria dos Poderes Implícitos.
O argumento foi arguido por Hamilton, quando assessorava a presidência da República, comandada por George Washington.
A União desejava criar um banco.
Não havia autorização expressa na Constituição.
Hamilton, em parecer, defendeu que o banco era necessário para a arrecadação de impostos e, por consequência, era óbvio – implícito – que deveria ser criado por ser instrumento de cobrança de tributos.
O argumento foi aceito por Washington.
No mundo do Direito, nascia a teoria dos “poderes implícitos”.Estes são, pois, os poderes resultantes de um poder maior, contido no espirito da Constituição.
Judiciário e a Constituição
Isto posto, convém uma análise específica do texto da Constituição nos termos da temática do nosso curso, que analisa especificamente a atuação do Judiciário.
O artigo III, Seção I, estabeleceu:
“O Poder Judiciário dos Estados Unidos será exercido por uma Corte Suprema e pelos tribunais inferiores que o Congresso periodicamente criar e estabelecer…”
Não há maiores requisitos.
Apenas a autorização ao Congresso para instituir uma Alta Corte.
Assim foi feito.
O Congresso concebeu a Suprema Corte.
Esta, graças, a magistrados de excepcional inteligência e vigor gerou uma nova visão da leitura do texto constitucional.
Afirma-se que a Suprema Corte age mais
com visão sociológica do que propriamente jurídica.
Isto porque a Corte adapta a leitura da Constituição à realidade do tempo presente.
Há riscos nesta forma de interpretação?
É aparente que sim.
Permite, porém, a aplicação dos preceitos constitucionais de acordo com a mudança de costumes verificados na sociedade.
Forte exemplo deste posicionamento a questão do negro e da jurisprudência da Suprema Corte.
Em 1857, no caso Dred Scott v. Sandford, o Chefe de Justiça Roger Taney decidiu:
Negro é propriedade de seus titulares.
Não é cidadão.
Há quem afirme ser este julgado – considerado infame – uma das causas da Guerra de Secessão.
Avançou, nesta seara, a Suprema Corte, ainda em mau caminho.
Em 1896, no caso Plessy v. Ferguson, o Chefe de Justiça amenizou o anterior posicionamento da Corte, mas manteve preconceito.
Decidiu-se, na ocasião, negros e brancos são iguais, mas separados.
A temática retornou a plenário apenas em 1954.
Em novos tempos, conheceu-se o rumoroso caso Brown v. Topeka.
Aqui, na busca de amalgama entre a realidade e a Constituição, a Suprema Corte proferiu a mais importante decisão na história das relações raciais.
Declarou, na oportunidade, por unanimidade, que devia ser posto fim na segregação nas escolas públicas.
Rechaçou, assim, a doutrina
“separados, porém iguais”.
A implementação do julgado encontrou dificuldades.
Particularmente em alguns estados do Sul.
A final, impôs-se o posicionamento federal e da Corte.
Judicial Review – Supremacia da Constituição
No cenário jurídico, propriamente dito, a Suprema Corte é autora, por meio do Chefe de Justiça John Marshall, da mais celebrada decisão de uma Corte constitucional.
Referimo-nos ao caso
Marbury v. Madison (1803).
A questão apresenta tema fático corriqueiro no mundo político.
John Adams, presidente da República, nomeou William Marbury juiz de paz do distrito de Colúmbia.
Thomas Jefferson, assumiu à presidência e determinou a Madison , secretário de Estado, que suspendesse a nomeação de Marbury.
A Corte julgou que o presidente não tinha direito de suspender à nomeação, mas, por sua vez, o tribunal não tinha competência para obriga-lo a concede-la.
Concomitantemente, o Tribunal anulou a seção 13 da Lei Judiciária de 1789, julgando-a inconstitucional.
“ A law repugnant to the Constitution is void”
Ou, em vernáculo,
“ A lei contrária à Constituição é nula”
afirmou Marshall
Nascia assim a rica teoria consistente no
princípio da judicial review,
ou seja,
a possibilidade do Judiciário declarar a lei nula, quando contrária à Constituição.
O julgamento por inconstitucionalidade, hoje presente na pauta de todos os Tribunais e, nos cenários de competência difusa, nas salas de audiências de todos os juízes, tem sua origem neste julgado emblemático.
As Supremas Cortes de Justiça tornaram-se o arbitro final da Constituição.
Common law e due process law
Analisadas perfunctoriamente decisões do mais alto Tribunal dos Estados Unidos, cabe para finalizar este estreito estudo, recordar ainda alguns poucos artigos da Constituição de 1791, que tratam de temas vinculados à nossa atenção presente.
A adoção da common law pelos americanos é expressa.
Encontra-se prevista na Seção II do artigo III, quando se fala em equidade, e na Emenda VII ao se referir nos processos segundo a common law.
Pelo sistema da common law, a instituição prevalecente é a
Stare decisis,
isto é, o julgamento conforme os precedentes ou as decisões anteriores consideradas res judicata.
Recente decisão da Suprema Corte, sobre a temática merece breve registro.
Decidiu aquele alto Tribunal, no dia 20 de abril corrente, por maioria, que
“Todo juiz deve aprender a viver com o fato de que ele ou ela pode cometer erros. Mas é uma coisa completamente diferente perpetuar um erro, apenas porque tememos as consequências de fazer as coisas certas”.
Assim, após muitos anos, julgando a partir de precedentes – que permitiam a condenação deréus por mera maioria de votos dos jurados – passou a Corte a exigir a unanimidade dos votos do Júri para o réu ser condenado.
O assunto é encontrado no site Conjur, dia 22 de abril corrente, sob o título “Suprema Corte dos EUA reverte precedente em decisão com implicações políticas”.
Isto posto, outro tema a ser abordado é o que refere ao
devido processo legal,
– due process law –
também inerente ao direito inglês (lembre-se da Magna Carta), por sua vez, este expressamente esculpido na famosa Emenda XIV, de 1868.
Ficam aqui estas breves considerações sobre a rica escola do Direito norte americano.
Aprofundar-se na temática é dever de todo operador contemporâneo da Ciência Jurídica.
Por cultura e praticidade.
Referências.
Boorstin, Daniel – Compendio histórico de los Estados Unidos – Fondo de Cultura Económico – México – 1997.
Nevins, Allan e os. – Breve história de los Estados Unidos – Fondo de Cultura Econômico – México – 1996.
Syrett, Harold – Documentos Históricos dos Estados Unidos – Cultrix – São Paulo – 1960.
Stone e os. – Constitutional Law – Little, Brown and company – Boston – 1991.
Ides, Allan e os – Constitutional Law – Wolters Kluwer – New York – 2016.
Corwin, Edward – A Constituição norte Americana – Zahar – Rio de Janeiro – 1986.
Emanuel, Steven – Constitutional Law – Emanuel law autolines inc. – New Y ork – 1995.
Griffith, Ernest – O Sistema Americano de Governo – Nórdica – São Paulo – 1992.
Goldwin, Robert A. e os. – A Constituição Norte-Americana – Forense Universitária – Rio de Janeiro – 1986.
The systen os jurisprudence which originated in England*
Os operadores do Direito, nos últimos anos, passaram a analisar, estudar e aplicar conceitos advindos do sistema jurídico elaborado na Inglaterra, a partir do Século XII.
Oportuna, pois, uma análise, ainda que perfunctória, deste grande e importante ramo do Direito.
Generalidades
A expressão common law designa o direito comum a toda Inglaterra, para diferenciar-se dos costumes locais, próprios de cada região.
Durante séculos, por influência francesa, a common law era conhecida como Law French (até o Século XVIII).
O sentido de common law é muito diferente do sentido da expressão direito comum, ius commune.
No continente, direito comum designava o Direito erudito (a partir do Século XVI).
O common law, no vocabulário jurídico inglês, é um judge-made-law.
Há quem chame o common law de folk right (direito popular ou direito do povo).
Pois, o common law caracteriza o conjunto de princípios baseados nos usos e costumes imemoriais, consubstanciado em decisões judiciais.
A par do common law os ingleses conheceram o
statute law,
o direito dos estatutos, isto é, por leis promulgadas pelo legislador
Em determinado momento histórico (Séculos XV e XVI), o common law foi considerado arcaico.
Conceberam, então, outro conjunto de regras jurídicas, a saber:
Equity,
Aplicadas pelas jurisdições do Chanceler.
Os dois sistemas prevaleceram até 1875, quando, por uma reorganização do judiciário, foram mais ou menos fundidos.
A equity é o ramo do sistema do common law que privilegia a obediência aos princípios de ordem ética e moral, em vez do formalismo jurídico.
Baseia-se a equity nos brocardos jurídicos latinos.
Os julgados da equity são proferidos por juízes togados, sem participação do júri popular.
Visam apenas questões de Direito.
Afirma-se que o common law conseguiu resistir à influência da equity, passando a dominá-lo a partir do Século XVII.
A common law sofreu pouco influencia do Direito Romano.
Os ingleses chamam ao direito do continente, com raízes romanísticas, de civil law.
Os países de raízes romanísticas, como se sabe, possuem legislações codificadas.
A codificação é quase desconhecida na Inglaterra.
Sir William Blackstone (Século XVIII) definiu a common law como :
“jus non scriptum, ou direito não escrito, manifestado nos usos, costumes e consentimento tácito do povo”.
A formação do common law.
Até os Séculos XII e XIII a história do direito inglês assemelha-se à dos países continentais.
Recorda-se que a Inglaterra fez parte do Império Romano do Século I ao V.
Na sequência, ocorreram invasões por parte dos anglos, saxões, dinamarqueses.
Estes povos desenvolveram reinos germânicos.
Estes redigiram “leis bárbaras”.
Estas, no continente eram produzidas em latim.
Na Inglaterra, no entanto, a redação era em língua germânica.
A primeira consolidação dos usos e costumes deu-se por Alfredo, o Grande em seu histórico Dome-book ou Liber judiciais (1081 a 1086).
O profundo sentimento religioso de Alfredo emerge no preâmbulo de seu Dome-book:
Alfredo transcreve os Dez Mandamentos bíblicos.
No Século XII, o costume permanece como a única fonte do direito na Inglaterra:
costumes locais anglo-saxões, costumes das cidades (borough custos), costumes dos mercadores (sobretudo em Londres, os pie poder, pés poeirentos) chamados a lex mercatória (mais tarde: ley marchant, marchant law).
Evolução.
Os reis ingleses impuseram sua autoridade, no campo jurisdicional, muito cedo (XII).
A jurisdição real poderia ser requerida a Westminster por qualquer pessoa.
O Chanceler examinaria o pedido e, se o achasse viável, expedia um writ (em latim: breve e em francês: bref) a um xerife local ou a um senhor.
Esta ordem – writ – determinava ao réu que desse satisfação ao queixoso.
O réu, se considerasse o writ injusto poderia expor a um dos tribunais reais suas razões.
Os nobres opuseram-se ao sistema dos writs.
A própria Magna Carta coloca limitações à jurisdição real.
Mas, o Statute of Westeminster (1285), documento capital na história do common law, confirmou ser possível o Chanceler passar writs em casos similares.
Não podia, no entanto, o Chanceler criar novos writs.
Fontes do common law.
Apesar do distanciamento do common law do Direito Romano, este sofreu alguma influência deste Direito por intermédio da aplicação da Summa do jurista romanista italiano Azo (Século XIII).
O common law foi realmente consolidado pelos juízes de Westminster.
Esses juízes não eram exclusivamente consagrados ao estudo do Direito, nem sequer formados em escolas ou universidades.
Os common lawyers são, antes de mais nada, práticos formados como litigantes (barrister, advogados).
Não era, pois, necessário ser formado em Direito para vir a ser solicitor (solicitador), barrister ou judge.
Para os práticos, os precedentes judiciários (cases= casos julgados) sempre tiveram maior utilidade .
Desde 1290, as principais decisões judiciárias dos Tribunais de Westminster são registradas no Year Books.
Hoje, as decisões dos tribunais são copiladas no Law Reports.
Uma boa biblioteca de common lawyer compreende mais de 2000 Law Reports.
Sendo sobretudo um direito jurisprudencial, o common law suporta-se nos precedentes estabelecidos, os quais se denominam
stare decisis.
A primeira decisão proferida sobre um tema deve suportar-se em regras de fundo.
Estas são chamadas de
Substantive law.
O juiz não cria o Direito.
Ele declara o direito existente:
Declaratory theory of the common law.
Portanto,
“o juiz não cria o direito, constata o que existe ; é o seu oráculo vivo, julgando em consciência, segundo a razão”
(Woodbine).
Todo costume existente antes de 1189 inscreve-se no
General immemorial custom of the Realm.
A primeira compilação é a
De legibus de Bracton (cerca de 1256).
Foi compilada pelo juiz Bracton, juiz do reinado de Henrique III.
Posteriormente, o mesmo Bracton escreveu
De legibus et cosuetudinibus regni Angliae,
considerada uma das mais notáveis obras jurídicas da Idade Média.
Bracton, para elaboração de sua obra, utilizou os ensinamento do italiano Azo, já acima referido.
Após inúmeras obras de referência, no Século XVIII, surge a monumental obra de
Sir William Blackstone:
Commentaries of the Laws of England.
Blackstone escreveu sua obra em inglês.
Os autores anteriores o fizeram em latim ou em law french, jargão muito complicado.
Equity
No decorrer dos Séculos XIV e XV, os juízes já não podiam dar solução aos casos nos limites dos processos dos writs.
Voltou-se então ao acesso ao Chanceler, ou diretamente ao Rei, e este decidia por equity.
Ou seja, voltou-se muitas vezes a princípios extraídos do Direito Romano.
Nestes casos – os de equity – o Chanceler não levava em conta as regras do processo e mesmo de fundo do common law.
A nova sistemática favorecia as práticas absolutistas.
Quando dos conflitos entre o rei e o parlamento (Revolução Inglesa – 1642/1649), realizou-se um compromisso que permitiu a subsistência de um sistema dualista de direito: common law e equity.
A fusão dos dois sistemas deu-se em 1873 e 1875 com uma reforma profunda da jurisdição por meio do Judicature Acts.
Desde então, ficaram integradas common law e equity, salvo nos tribunais de Londres, onde há câmaras para common law e para equity (Chancery Division).
Júri
Uma peculiaridade do direito processual inglês é a importância assumida pelo júri.
Em substituição as ordálias, concebeu-se um grupo de jurados.
A prática estendeu-se além da instrução processual para o próprio julgamento concretizado, em geral por um júri composto por doze jurados.
Apenas como curiosidade, registra-se que em determinada época o acusado podia renunciar ao júri – trial by jury.
Neste caso, era detido para sofrer peine forte et dure.
Esta consistia em o acusado dormir nu, sob um grande peso, alimentado apenas de pão bolorento e água suja, como previa o Estatuto de Westminster(1275).
O Grand Jury manteve-se até 1933, sendo definitivamente extinto em 1948.
Preserva-se o júri – Petty Juri – em matéria criminal.
Em matéria civil teoricamente se mantém em inúmeros temas, sem acesso, porém, pelas partes.
Status law
Aumentou com o decorrer do tempo a promulgação de leis pelo Parlamento.
Cabe recordar o Bill of Rights que obriga a toda lei deve contar com o Parlamento para entrar em vigor ou ser revogada.
Os direitos sociais foram objeto de leis, por exemplo.
Não há, porém, na Inglaterra códigos contendo conjunto de regras relativas a um ramo do Direito.
Registra-se a existência das Consolidations, contendo as leis existentes entre 1852-1863, e a codificação de matérias como a Sale of Goods Act (1893) – Código de Vendas – e Bankruptcy Act (1914).
Difusão do common law
No mundo adotam a common law:
Ilhas Britânicas,
Pais de Gales,
Irlanda,
República da Irlanda (Eire),
Estados Unidos (exceto a Lousiana),
Canada, salvo Quebec,
Austrália,
Nova Zelandia,
Jamaica,
África do Sul,
África. Central (Nigéria, Quênia, Uganda, Tanzânia, Zambia)
Índia,
Birmânia,
Malásia e
Israel, como Direito supletivo.
Os Estados Unidos, em 1791, por meio da Emenda 7ª à Constituição expressamente recepcionou o instituto do common law:
“Nos processos de common law em que o valor em litígio exceda a vinte dólares, o direito a um julgamento por júri será mantido e nenhum fato julgado por um júri poderá ser submetido ao novo exame de um outro tribunal dos Estados Unidos, a não ser de acordo com as regras do common law”.
Apenas por respeito à exatidão, regista-se que os Estados Unidos tem elaborado codificações, inclusive realizadas por instituições não estatal (por exemplo: Restatement of American Law produzida pelo American Law Institute).
No campo oficial, aponta-se Uniform Commercial Code (UCC); Uniform Anatomical Gifts Act; Uniform Partnership Act; Uniform Code of Military; Uniform Arbitration Act e outros.
Referências
Gilissen, John – Introdução Histórica ao Direito – Fundação Calouste Gulbenkian – Lsiboa – 1979.
Gifis, Steven H. – Law Dictionary – Barron’s New York – 1991.
Mello, Maria Chaves de – Dicionário Jurídico – Law Dictionary – Método – São Paulo – 2006.
Campbell Black, Henry – Black’s law dicionary – West Publishing – St. Paul, Minn -1990.
Examinou-se, em exposição anterior dois festejados autores da História das Ideias Políticas.
Ocupamo-nos de Montesquieu e Rousseau.
Agora, vamos analisar um pensador nem sempre citado com a relevância que possui.
No entanto, sem ele, o Constitucionalismo moderno e contemporâneo não teria se desenvolvido até os patamares hoje alcançados.
Trata-se de figura controvertida. Para alguns mais político e menos intelectual.
Acontece que o autor que iremos abordar mostrou-se hábil político – foi dos píncaros do Poder ao ostracismo – sempre operando com inteligência e sagacidade.
Ele – dá-se como exemplo – foi o presidente da Assembleia Nacional Francesa de 1790, aquela que elaborou a Constituição de 1791.
Fala-se de Emmanuel Joseph Sieyès
(•Fréjus/1748 – †Paris/1836)
O Abade Sieyès – assim era conhecido – ordenou-se sacerdote, no entanto nunca demonstrou vocação para as atividades religiosas.
Ao contrário, mostrava-se avesso à autoridade hierarquizada e gostava de ser notado como um autodidata.
Participou, como membro da Comissão Constitucional (1789,1792 e 1795).
Não conta Sieyès com uma obra extensa.
São inúmeros seus discursos e papéis esparsos.
Além de sua presença parlamentar, Sieyès notabilizou-se por um pequeno e precioso escrito:
Quést-ce que le Tiers Etat?
ou, em vernáculo:
Que é o Terceiro Estado?
É obra seminal.
Procura harmonizar o pensamento de Rousseau – a vontade geral – com a tripartição de Montesquieu.
O fundamental, porém, é a sabia concepção por parte do autor do
Poder constituinte e o
Poder constituído.
Estas duas figuras jurídicas concebidas por Sieyès são as duas bases do constitucionalismo como conhecemos.
O Poder constituinte é a nação para Sieyès e esta é titular da vontade geral.
A vontade geral é representada no parlamento, formado por uma única câmara.
Sieyès é avesso ao bicameralismo.
Este tem, segundo o autor examinado, essência aristocrática.
Ao mesmo tempo que defende estas posições, Sieyès consagra o dogma da divisão dos poderes.
“Em uma síntese das doutrinas de Rousseau e Montesquieu, concilia seus termos antitécnicos ao conceber o poder constituinte como atributo indivisível, inalienável e imprescritível da nação soberana e o distingue dos poderes constituídos que se dividem para seu exercício”
Cabe registrar que uma outra criação do genial político se encontra na concepção do instituto da representação política.
Esta se suporta na soberania popular emanada da soberania nacional.
Sieyès mostra-se contrária às práticas democráticas diretas.
Para ele, a soberania se exerce unicamente por meio da representação:
“Para o autor é central o fato de que, por meio do princípio da representação, a soberania nacional pode distribuir o poder governamental entre os órgãos representativos funcionalmente diferenciados e faz juridicamente vinculante esta distribuição mediante a constituição”
Complementa-se:
O poder – para Sieyès – submete-se sempre a representação popular.
Sieyès é obstinado contestador da democracia direta.
Neste passo, oportuno registrar que Sieyès mostra-se antagônico a duas classes sociais:
o clero, a qual ela pertencia, e
a nobreza.
É explicável. Ele considerava esta duas classes sociais como improdutivas.
Dai a denominação de sua obra fundamental – Qu’est-ce que le Tiers Etat? – nela, entre outros importantes temas, há defesa intransigente da burguesia, o terceiro estrato social.
A burguesia, segundo Sièyes, é operante, criativa e caracteriza-se como o próprio cerne da nação.
Como observação de natureza história, registra-se que Sieyès, ao contrário de Montesquieu é crítico dos documentos constitucionais ingleses.
Afirma:
“A Constituição britânica é boa em si mesmo? Incluso se fosse boa seria conveniente para a França?
Eu tenho algum temor de que esta obra prima, tão divulgada, não resiste a um exame imparcial feito segundo os princípios da verdadeira ordem política. Nos reconhecemos, quem sabe, que referida Constituição é o produto do acaso e de circunstancias mais do que de luzes”
“… é de se olhar (para a Constituição inglesa) mais como um monumento de superstição gótica. Veja que a representação nacional, segundo confissão dos ingleses mesmos, é má”.
Jean Touchard, nosso já conhecido autor, estendeu-se, como se viu na Divagação anterior, sobre Montesquieu e Rousseau, cabe, agora, tomar suas ponderações a respeito de Sieyès.
Afirma Touchard,
“Sieyès tem da nação uma concepção racionalista, utilitária, individualista e fundamentalmente jurídica.
Racionalismo – O pensamento de Sieyès não deixa lugar a história.
Utilitarismo – O começo do folheto esta dedicado a demonstrar a utilidade do Terceiro Estado e a inutilidade das classes privilegiadas
Individualismo – A vontade nacional é o “resultado das vontades individuais”, como é igual ser a nação o conjunto dos indivíduos
Juridicismo – Que é a nação? Um corpo de associados que vivem debaixo de uma lei comum e estão representados pela mesma legislatura.
Sieyès, por haver votado pela execução do rei Luiz XVI*, teve, a partir de 1816, de conhecer o exílio em Bruxelas.
Somente catorze anos depois voltou à França, onde morreu em Paris no ano de 1836.
Espera-se que a síntese exposta do pensamento de Sieyès, autor fundamental para o estudo do constitucionalismo, permita uma visão, juntamente com as reflexões anteriores, dos avanços da doutrina constitucional.
Referências:
Touchard, Jean – Historia de las ideas políticas – tecnos – Madrid – 1998
Sieyès, Emmanuel – Qu’est-ce que le Tiers Etat? -Presses Universitaires de France – 1982.
Morán, David Pantoja – Escritos de Sieyès – Fondo de Cultura Económico – México – 1993
Schama, Simon – Ciudadanos – Debate – Barcelona – 2019.
Volpi, Franco – Enciclopedia de Obras de Filosofía – Herder – Barcelona -2005.
Notas:
As traduções são livres.
Touchard mereceu síntese na transcrição.
Luiz XVI foi defendido por um velho advogado, Malesherbes.
Mostrou-se combativo e destemido.
O clima, no entanto, era hostil. Ele e sua família foram guilhotinados.
Ele disse a um amigo:
“em tempo de paixões violentas, devemos abster-nos de invocar a razão.”
Aqui se busca despertar uma curiosidade pelas fontes e pela interpretação própria de textos…•
Todo estudante de Direito – ad nauseam – ouviu aulas a respeito da tripartição dos Poderes.
A trilogia difundida por Montesquieu tornou-se dogma constitucional.
Conhecido é o artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:
“ Toda sociedade em que … a separação de poderes não se encontra determinada não tem constituição”.
Corria o ano de 1789.
O preceito avançou pelo constitucionalismo.
Por que esta assertiva tão expressiva eclodiu no desenvolvimento da Revolução Francesa?
As causas podem ser analisadas em suas origens remotas e próximas.
Remotamente, as causas se encontram na visão política vigente na Idade Média.
Este período histórico, nem sempre analisado pelos juristas contemporâneos, mostra-se como raiz de instituições e acontecimentos posteriores.
A Idade Média analisava os assuntos de Estado com uma visão teológica.
Partiam os estudiosos da época, em seus estudos, do princípio da unidade.
Argumentavam:
Deus, o ser essencialmente unitário, só poderia ter concebido, apesar da pluralidade do mundo, um todo unitário.
Ora, o todo unitário – a sociedade – por sua vez, deveria ser dirigida por um governo compacto, ou melhor, uno.
Nada de divisões.
O governo deveria, em suas múltiplas funções, agir como um só todo.
A partir deste conceito, defendiam os antigos a forma monárquica de governo.
Entre os maiores interpretes desta forma de governo encontra-se Dante Alighieri.
Em sua obra a Monarquia, afirma o autor toscano, peremptoriamente, ser o princípio da unidade fonte de todo o bem, porque o maxime unum é o máxime bonum.
Apenas para efeitos didáticos, recorda-se que a Monarquia é obra composta por três volumes e foi escrito ao redor de 1310.
A obra surgiu quando da ascensão do Imperador Henrique VII.
Dante esperava deste Imperador um governo forte e justo, fundamentado na unidade do poder divino.
A partir destes fundamentos do pensamento político medievo, conceberam-se os governos europeus dos tempos seguintes.
Todos eles suportados na ideia da unidade e esta fazia com que todas as funções governamentais fossem exercidas por uma única autoridade: o soberano.
O soberano, por si ou por seus subordinados, administrava.
Produzia leis.
Aplicava justiça.
Com o transcorrer do tempo, surgiram adversários desta forma de governo.
Estes deram a ela adjetivação expressiva:
absolutismo.
A monolítica estrutura governamental agredia o pensamento de muitos.
Tornou-se usual, no vulgo, afirmar ser impossível reinar e conservar a inocência.
O imaginário coletivo via nos textos políticos da França e na constituição física do monarca uma mesma coisa.
Inquietação atingiu os meios intelectuais.
Na França, estes se mostraram expressivamente atuantes.
Tome-se os enciclopedistas e se captara um vulcão de novos pensamentos e novas maneiras de governar.
Muitos mostravam-se contrários à monarquia, apesar de alguns deles conviverem e usufruírem dos favores de soberanos.
Como exemplo, ao voo da pena, aponta- se Voltaire.
Ácido em suas críticas, mas comensal de Frederico da Prússia até determinado momento.
Este movimento contrário à monarquia explode com vigor no longo período da Revolução Francesa.
Esta Revolução que teve longa duração – cerca de dez anos – é acontecimento que marcou a História do Pensamento Político.
Surgiram novas visões do mundo.
A República tornou-se ideia dominante.
A soberania popular figura similar a
à inocência política (sic).
No clima pre revolucionário autores de origens sociais diversas geraram obras marcantes.
Dois deles surgem com intensidade, a saber:
Jean Jacques Rousseau
e
Charles-Louis de Secondat, baron de la Brède et de Montesquieu.
Vidas completamente diversas.
Rousseau abandonado a seu destino durante grande parte de sua juventude.
Nasceu em família reformada.
Converteu-se ao catolicismo.
Retornou ao calvinismo.
Foi crítico radical da civilização.
Colaborou com artigos sobre música para a Enciclopédia.
Esta atividade lhe permitiu convívio com Diderot e Condillac, figuras chaves da Ilustração francesa.
Montesquieu, membro de família nobre, recebeu educação adequada em colégio de religiosos oratorianos.
Estudou, posteriormente, Direito em Paris.
Juiz, não exerceu suas funções.
Viajou por diversos países – Holanda, Alemanha e Itália – e permaneceu durante dois anos na Inglaterra.
Foi crítico das formas de governo centralizadas e absolutistas.
Permaneceu sempre monarquista.
Ambos escreveram obras que se tornaram célebres.
Rousseau:
Do Contrato Social,
Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens,
Emília ou a educação
e muitas outras.
Montesquieu:
Letras Persa,
Considerações sobre as causas da grandeza romana e sua decadência,
Do espírito das leis.
Jean Touchard, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Paris, analisa os dois autores acima referidos.
Mostra-se, por vezes, critico de Montesquieu.
Afirma:
Montesquieu residiu algum tempo na Inglaterra e se converteu em propagandista de instituições que conheceu mal.
Ainda Touchard considera o autor Do Espírito das Leis homem que se diverte, gosta de se mostrar, em seus escritos, como um homem feliz.
O elogio das instituições inglesas feito por Montesquieu descansa sobre um equívoco, ainda segundo Touchard.
Montesquieu pertenceu à nobreza e sustenta a causa dos parlamentos – foi parlamentar em Bordeaux.
O seu liberalismo é sincero e profundo, mas é um liberalismo voltado ao passado: é um liberalismo aristocrático e francês, muito diverso do liberalismo inglês, e distante, por sua vez, das realidades britânicas.
Montesquieu teme a unidade e é cético quanto aos homens:
“A maioria dos legisladores são homens limitados a quem a sorte os colocou à frente dos demais e apenas têm consultado mais que seus preconceitos a suas fantasias. Parece que desconsideram a grandeza e a da dignidade mesma de sua obra.”
A teoria dos governos, que abre Do Espírito das Leis, é – junto com a separação de poderes – a teoria mais conhecida de Montesquieu.
No entanto, resulta duvidoso que Montesquieu a pôs como essencial em seu pensamento político.
A respeito de Rousseau o autor citado mostra-se mais magnânimo.
Rousseau – afirma Touchard – é sem dúvida o primeiro escritor político que está inteiramente presente em sua própria obra.
Adita:
Rousseau é homem fiel a sua infância. É um racionalista utópico.
Afirma Rousseau, como se proferisse uma parábola:
“O homem é naturalmente bom, a sociedade é quem o perverte”.
Admira os bons selvagens da América, conhecidos por ele por meio das obras dos viajantes.
O Poder para Rousseau não tem origem teológica.
Muito menos uma construção jurídica, nem é uma conquista militar.
O Poder, para Rousseau, é uma soma de interesses.
O soberano é a vontade geral que é a vontade da comunidade e não a individual dos membros que a constituem.
“É pela força das leis que se obedece aos homens.Um povo livre obedece, mas não serve; tem chefe, mas não amos; obedece às leis, porémnão obedece mais que as leis”
afirma Rousseau peremptoriamente.
Consta-se pela leitura desta exposição a complexidade do pensamento dos dois autores fundamentais para o pensamento político Ocidental.
Ambos os dois trouxeram contribuições significativas ao desenvolvimento das instituições de todos os povos, particularmente Montesquieu.
Ao difundir a tripartição do Poder, sem conceituar em profundidade o conceito, Montesquieu deu origem aos três poderes do Estado presente em todas as Constituições contemporâneas:
Executivo,
Legislativo e
Judiciário.
Acima notou-se que a subordinação à lei é fundamental para a vida em comunidade.
Todos – membros dos Poderes e integrantes da sociedade – vivem sob o império da lei.
Aqui surge a ideia vigente de Estado de Direito hoje vitoriosa entre todos os povos regidos por constituições.
Referências:
Touchard, Jean – Historia de las iedas políticas – Tecnos – Madrid – 1998
Von Gierke, Otto – Teorías de la Edad Media – Centro de Estudios Políticos y constitucionales- madrid – 2010
Volpi, Franco – Enciclopedia de obras de filosofia – Herder – Barceloma – 2005
Schama, Simon – Ciudadanos – Una crónica de la Revolución Francesa – Debate – Barcelona -2019
Agesta, Luis Sanchez – Documentos Cosntitucionales y textos políticos – Editora Nacional – Madrid – 1982
Truyol y Serra – Historia da Filosofia do Direito e do Estado – instituto de Novas Profissões – Lisboa – 1990
a partir de texto de Luis Sanchez Agesta.
As traduções dos textos acima transcritos são livres.
Antonio Vicente Mendes Maciel, Antonio Conselheiro, vítima do arbítrio judicial?
Os tempos não são favoráveis ao Judiciário.
Todos os dias surgem fatos desabonadores sobre a conduta de magistrados.
Antes figuras consideradas intocáveis, tornaram-se objeto de críticas do vulgo.
Qualquer do povo observa e censura os hábitos e atitudes de muitos juízes.
Já disse alguém que a magistratura é o último reduto dos costumes aristocráticos.
As aristocracias feneceram por toda a parte e onde ainda permanecem merecem censuras como todos os demais segmentos sociais.
Neste clima de suspeita e aleivosias, aqui e ali, surgem novas revelações sobre atos impróprios praticados por juízes.
Liminares estranhas são concedidas e, passados dias, revogadas, gerando intranquilidade e custos para particulares e máquina administrativa.
Neste cenário, insere-se artigo publicado em jornal de Salvador.
Aponta a matéria algo extremamente grave.
Dá como origem do massacre de Canudos decisões judiciais tomadas por vingança.
Afirma mencionado artigo que, em 1896, o juiz baiano Arlindo Leoni, inimigo de Antonio Conselheiro, agiu arbitrariamente contra os habitantes de Canudos.
Estes estavam terminando a construção da Igreja de Belo Monte.
Adquiriram, em Juazeiro, madeiras para elaborarem o telhado do templo.
Leoni, o juiz, desafeto de Antonio Conselheiro, pressionou o madeireiro, que já havia recebido o valor da venda, a não entregar a mercadoria.
Foi além.
Afirmou que os moradores de Canudos desejavam invadir à cidade para receberem a madeira adquirida.
Oficiou o governador da Bahia solicitando força policial. Este negou o envio de tropa.
Leoni insistiu.
Nesta segunda investida atingiu seus objetivos.
Militares foram enviados.
Começaram as lutas contra os moradores de Canudos.
O final todos conhecem.
Um genocídio foi praticado pela República recém proclamada.
Aponta-se, pois, motivo ardiloso para se iniciar a Guerra de Canudos.
A origem da tragédia, portanto, teria causa no Poder Judiciário.