VOCÊ SABIA? A EMPRESA TAMBÉM É CONSUMIDORA.


Carlos Eduardo Herman Salem Caggiano vem contribuir novamente com o site CEPES, ressaltando particularidades do Código de Defesa do Consumidor. Hoje, a matéria aponta para a Empresa na qualidade de CONSUMIDORA.

 CONSUMO: SUA EMPRESA TAMBÉM É CONSUMIDORA! SAIBA QUANDO.
 
 
                        Quando pensamos na figura do consumidor, logo nos vem à mente aquela personagem eufórica no Shopping, carregando meia dúzia de sacolas em cada braço ou aquele ser desapontado, com cara de poucos amigos, esgarçado numa cadeira, esperando para ser atendido em um órgão de defesa do consumidor. Nem sequer passa pela nossa cabeça que aquele imponente Banco, uma Daslu da vida, por exemplo, ou um grupo como o Pão de Açúcar possam, também, ser consumidores. A impressão que temos, inclusive, é que eles não guardam conexão alguma com a expressão “Código de Defesa e Proteção do Consumidor”. Afinal, protegê-los de quem? E por que?
                       
                        Todavia, a pessoa jurídica, também pode ser consumidora. A uma, porque assim a lei determinou e, a duas, porque há motivo. O artigo 2.º, “caput”, do Código do Consumidor (Lei n. 8.078/90), é taxativo ao determinar que toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto como destinatário final é consumidor. Portanto, nos termos da lei, sua empresa também é consumidora. Porém, alguns aspectos devem ser observados para que essa condição se realize de fato. É o que veremos a seguir.
 
                        A rigor, todo produto ou serviço que a empresa adquire ou contrata  participa, direta ou indiretamente, do seu ciclo de produção, e, em algum momento, contribui para a concepção final do bem de consumo que a empresa inserirá no mercado. Dentre tais produtos e serviços alguns tem sua destinação finalna própria empresa e outro seguem com o bem para o mercado. Portanto, partindo de uma idéia bastante simplista, uma vez que todos os bens contratados pela empresa participaram de alguma forma para concepção do seu produto final que é jogado no mercado com fins lucrativos, conclui-se que todos estes são bens de insumo e não de consumo e, diante dessa monoidéia, o Código foi vítima de um tremendo lapso.  Certo? Errado. Analisemos, então, a questão nas entrelinhas.
  
                        Três fatores, interligados entre si, a nosso ver, parecem excetuar determinados produtos e serviços, adquiridos ou contratados pela empresa, dessa cadeia de bens de insumo, alocando-os como verdadeiros bens de consumo:
 
 1 – A ausência de imprescindibilidade do produto ou serviço para concepção final do bem a ser oferecido pela empresa no mercado de consumo;
 
 2 – A banalização de certos produtos e serviços, regularmente oferecidos no mercado;
 
 3- Produtos ou serviços, contratados pela empresa, com a finalidade de propiciar melhorias no ambiente de trabalho e benefícios aos seus funcionários que refletirão, indiretamente, na qualidade do bem de consumo final.
 
 Além desses três fatores, as pessoas jurídicas, certamente, hão de se deparar com situações em que suahipossuficiência técnica e econômica ficará evidente, razão pela qual, também, se fazem merecedoras da tutela do Código, ou seja, sua fragilidade frente ao fornecedor é tal  que a dificuldade em comprovar algum problema técnico no produto contratado é quase nula, inobstante, o fato de poder ser mais “rica” ou “pobre” que o fornecedor de quem contratou.
 
                        Vejamos, por exemplo, uma fábrica de pneus. Seus principais bens de insumo são a borracha e as máquinas de formatação. Entretanto, no seu setor administrativo você encontrará computadores, filtros de água, material de escritório, dentre outros bens. Os computadores. São  eles imprescindíveis para a concepção final do pneu? Não são. A contabilidade da empresa poderia ser feita à mão; e, muito bem.Todavia, hoje em dia, há uma loja que os vende em cada esquina. Todo mundo tem. Da micro empresa até as grandes S/As. Facilita o trabalho? Facilita, mas facilita a todo mundo. Então qual a razão de taxá-los como bens de insumo e afastá-los da tutela do Código? Nenhuma. Além disso, o que uma empresa de pneus entende de computadores? Nada. Portanto tem o carimbo da hipossufciência técnica, podendo ser até mais rica que a loja de computadores, que ainda assim, será considerada consumidora. 
 
                        Voltamos ao exemplo da loja de grife. O estabelecimento proporciona cursos aos seus funcionários, de como bem atender o consumidor à culinária, municia-os com rádios transmissores de última geração, para uma comunicação impecável entre todos, a loja é equipada com quiosque de café e “crossaints”, garçons servindo vinho e champagne por todos os cantos, e o que tudo isso tem a ver com a sua atividade principal? Nada. Os cursos aos funcionários, além de não serem imprescindíveis, só virão a contribuir para um melhor atendimento ao consumidor da loja. O Quiosque, o café, o champanhe, também.Em maior ou menor escala, qualquer estabelecimento comercial pode adotar esses estímulos. E o que a riquíssima loja entende de comida e rádios transmissores? Nada. É completamente ignorante quanto a esses produtos, portanto, hipossuficiente técnica, apesar de economicamente mais rica. Eis outra empresa consumidora.
 
                        Em ambos os exemplos, outro seria o tratamento, caso o fabricante de pneus viesse a reclamar da borracha que adquiriu ou da máquina específica para a formatação dos mesmos, ou  se a loja viesse a se insurgir contra seus estilistas e fornecedores dos relógios e jóias que revende. Nesses casos, os reclamos versam, diretamente, acerca de produtos imprescindíveis à atividade precípua das empresas, de onde, efetivamente virão seus lucros. Além disso não são produtos regularmente encontrados por aí.Todavia, deve-se, sempre, analisar caso a caso. Um computador, apesar de poder ser vendido em qualquer lugar, é um bem de insumo descarado para um escritor, bem como uma calculadora para um matemático.Para um escritório de artes gráficas, por exemplo, o computador é imprescindível, além de não ser aquela máquina tradicional que adquirimos em qualquer esquina. Logo, em todos esses casos, os estabelecimentos não poderão se valer do Código do Consumidor, devendo amparar suas pretensões no Código Civil.
 
                        Por fim, cumpre-nos informar que, apesar de as pessoas jurídicas, a exemplo das microempresas, já contarem com benefícios, como a justiça gratuita, sendo habilitadas, até, a  atuar no pólo ativo de uma lide, nos Juizados Especiais, os órgãos de defesa do consumidor – o Procon, por exemplo –dão preferência ao atendimento de milhares de consumidores, pessoas físicas, devendo as empresas contratarem advogados para o patrocínio das ações judiciais correspondentes às suas pretensões.
 
                        Portanto, meu caro empresário, se você adquiriu produto ou contratou serviço não imprescindível para a concepção final do bem que você fabrica ou do serviço que oferece, ou se esses produtos e serviços, além de não serem imprescindíveis, estão tão banalizados, a ponto de serem vendidos em portinholas no Centro, ou, ainda, se você cria um conjunto de estímulos, contratando produtos ou serviços, também desprendidos da exaustivamente comentada, imprescindibilidade, que só virão a beneficiar o seu consumidor final, sendo que qualquer empresa poderá adotar semelhante prática em maior ou menor escala, sua empresa é, sem dúvida, consumidora de mão cheia.
                       
CARLOS EDUARDO CAGGIANO é advogado, Assessor Técnico da Diretoria Executiva da Fundação Procon-SP, Especialista em Direito Empresarial pelo Mackenzie e em Direito das Relações de Consumo pela PUC.

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