OUTUBRO DE 1917


Passaram-se noventa anos. Foi ontem. Durou demais. Os primeiros momentos pareceram heróicos, a farsa veio em seguida. Todas as propostas eram grandiloqüentes. Restaram milhões de mortos.

Pior. Possibilitou o fortalecimento de diferentes regimes totalitários. Os nazistas e, antes, os fascistas se propuseram a exterminar os comunistas. Fascistas e nazistas mataram milhões. Comunistas outros tantos.

Os primeiros anos da Revolução de Outubro mostraram-se repletos de esperança e de grandes tragédias. A morte de inocentes tornou-se prática comum. Pequenos proprietários rurais trucidados, a família real exterminada. Adversários justiçados, eufemismo para indicar execuções sumárias.

Tantos anos e tantos sacrifícios. Como epidemia, a Revolução Soviética espalhou-se pelos diversos continentes. Os africanos tornaram-se vítimas de guerrilhas indiscriminadas, reféns de minas terrestres disseminadas. Na América, em lugares diferentes, focos armados se instalaram.

No ocidente da Europa, os conflitos partidários tornaram-se constantes e, por vezes, agressivos. Mais ao leste, povos viveram divididos. Alguns agredidos em seus valores culturais. Outros humilhados pela presença da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

De repente, com a fragilidade dos castelos de areia, tudo ruiu. Caiu o Muro de Berlim. Sua queda arrastou os governos dominados pela ideologia marxista-leninista.

Em razão dos totalitarismos, o século XX tornou-se o mais violento de todos os seus precedentes. Modernas armas de extermínio demonstraram a capacidade dos humanos para a prática do mal. Lamentável.

Não ficou o Brasil imune à endemia que assolou os últimos cem anos. Muitos se aproveitaram do clima de histeria para agir fora dos limites compatíveis com a democracia.

Alguns imaginaram implantar um governo de esquerda pelo uso das armas. Perderam-se no intento. O pêndulo pendeu para o outro lado. Governos conservadores, com fortes traços de direita, erigiram-se e perduraram por muitos anos. Após os anos sessenta, atingiram o ápice autoritário.

As observações assemelham-se extravagantes. São ponderações necessárias. Às vésperas do mês de outubro, recordar as tragédias espalhadas por toda a parte, a partir de 1917, mostra-se imprescindível.

Pode-se afirmar que a Revolução Soviética acelerou a implantação dos direitos sociais em vários países. Gerou o indispensável processo dialético entre os dois fatores: capital e trabalho.

Os resultados não foram proporcionais aos sofrimentos. Marx e Engels souberam diagnosticar de maneira precisa o capitalismo. Erraram, contudo, ao prever a sociedade futura. Esqueceram a força da liberdade.

Com o capitalismo popular, tão pouco implementado por aqui, os pilares do sonho comunista ruíram. Em níveis diferentes, o progresso avançou em todas as sociedades. Nenhum espaço do planeta ficou à margem do mínimo desenvolvimento material.

Após noventa anos, os comunistas e seus assemelhados, socialistas e sociais democráticos, se encontram em crise de identidade. Adotam, por vezes, posições conservadores em temas muito sensíveis à própria pregação histórica passada.

Como acontece na França, encaminham-se para uma acentuado centrismo. Abandonam todos os anteriores postulados. Em muitos aspectos, confundem-se com os liberais clássicos e com conservadores contemporâneos.

Uma demonstração de que o Ocidente, após caminhos tortuosos, passa a proceder à amálgama dos múltiplos pensamentos elaborados em sua longa tradição de lutas, desacertos e avanços.

Ótimo. O risco, porém, se encontra na ausência do bom debate. O pensamento único leva à estagnação. Conduz a posicionamentos superficiais. Estes nunca resolvem, pela raiz, os problemas sociais ainda existentes. Acentua-se este fenômeno, particularmente, nas sociedades herdeiras do extinto colonialismo.

A velha sociedade, com seus estigmas, não ruiu. Ao contrário, sobrevive e se mostra ainda mais sólida, apesar dos avanços sociais registrados. Resta aguardar. O surgimento de um novo pensamento capaz de incentivar o debate político e novos patamares sociais.

Com ansiedade e, paradoxalmente, certa apatia, as sociedades esperam o ressurgimento da esperança. Os tempos atuais levam à estagnação. Ninguém prevê futuro melhor. Daí a mera submissão ao dia que passa. À moda do dia. As vibrações geradas, em outubro de 1917, restam sepultadas nas valas e túmulos. Falta vida.

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