Arquivos diários: 26 de setembro de 2007


OUTUBRO DE 1917

Passaram-se noventa anos. Foi ontem. Durou demais. Os primeiros momentos pareceram heróicos, a farsa veio em seguida. Todas as propostas eram grandiloqüentes. Restaram milhões de mortos.

Pior. Possibilitou o fortalecimento de diferentes regimes totalitários. Os nazistas e, antes, os fascistas se propuseram a exterminar os comunistas. Fascistas e nazistas mataram milhões. Comunistas outros tantos.

Os primeiros anos da Revolução de Outubro mostraram-se repletos de esperança e de grandes tragédias. A morte de inocentes tornou-se prática comum. Pequenos proprietários rurais trucidados, a família real exterminada. Adversários justiçados, eufemismo para indicar execuções sumárias.

Tantos anos e tantos sacrifícios. Como epidemia, a Revolução Soviética espalhou-se pelos diversos continentes. Os africanos tornaram-se vítimas de guerrilhas indiscriminadas, reféns de minas terrestres disseminadas. Na América, em lugares diferentes, focos armados se instalaram.

No ocidente da Europa, os conflitos partidários tornaram-se constantes e, por vezes, agressivos. Mais ao leste, povos viveram divididos. Alguns agredidos em seus valores culturais. Outros humilhados pela presença da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

De repente, com a fragilidade dos castelos de areia, tudo ruiu. Caiu o Muro de Berlim. Sua queda arrastou os governos dominados pela ideologia marxista-leninista.

Em razão dos totalitarismos, o século XX tornou-se o mais violento de todos os seus precedentes. Modernas armas de extermínio demonstraram a capacidade dos humanos para a prática do mal. Lamentável.

Não ficou o Brasil imune à endemia que assolou os últimos cem anos. Muitos se aproveitaram do clima de histeria para agir fora dos limites compatíveis com a democracia.

Alguns imaginaram implantar um governo de esquerda pelo uso das armas. Perderam-se no intento. O pêndulo pendeu para o outro lado. Governos conservadores, com fortes traços de direita, erigiram-se e perduraram por muitos anos. Após os anos sessenta, atingiram o ápice autoritário.

As observações assemelham-se extravagantes. São ponderações necessárias. Às vésperas do mês de outubro, recordar as tragédias espalhadas por toda a parte, a partir de 1917, mostra-se imprescindível.

Pode-se afirmar que a Revolução Soviética acelerou a implantação dos direitos sociais em vários países. Gerou o indispensável processo dialético entre os dois fatores: capital e trabalho.

Os resultados não foram proporcionais aos sofrimentos. Marx e Engels souberam diagnosticar de maneira precisa o capitalismo. Erraram, contudo, ao prever a sociedade futura. Esqueceram a força da liberdade.

Com o capitalismo popular, tão pouco implementado por aqui, os pilares do sonho comunista ruíram. Em níveis diferentes, o progresso avançou em todas as sociedades. Nenhum espaço do planeta ficou à margem do mínimo desenvolvimento material.

Após noventa anos, os comunistas e seus assemelhados, socialistas e sociais democráticos, se encontram em crise de identidade. Adotam, por vezes, posições conservadores em temas muito sensíveis à própria pregação histórica passada.

Como acontece na França, encaminham-se para uma acentuado centrismo. Abandonam todos os anteriores postulados. Em muitos aspectos, confundem-se com os liberais clássicos e com conservadores contemporâneos.

Uma demonstração de que o Ocidente, após caminhos tortuosos, passa a proceder à amálgama dos múltiplos pensamentos elaborados em sua longa tradição de lutas, desacertos e avanços.

Ótimo. O risco, porém, se encontra na ausência do bom debate. O pensamento único leva à estagnação. Conduz a posicionamentos superficiais. Estes nunca resolvem, pela raiz, os problemas sociais ainda existentes. Acentua-se este fenômeno, particularmente, nas sociedades herdeiras do extinto colonialismo.

A velha sociedade, com seus estigmas, não ruiu. Ao contrário, sobrevive e se mostra ainda mais sólida, apesar dos avanços sociais registrados. Resta aguardar. O surgimento de um novo pensamento capaz de incentivar o debate político e novos patamares sociais.

Com ansiedade e, paradoxalmente, certa apatia, as sociedades esperam o ressurgimento da esperança. Os tempos atuais levam à estagnação. Ninguém prevê futuro melhor. Daí a mera submissão ao dia que passa. À moda do dia. As vibrações geradas, em outubro de 1917, restam sepultadas nas valas e túmulos. Falta vida.


BOM COMEÇO, AGORA CABE AO ELEITOR

Melhor assim. O Senado constrangido pelo clamor público agiu. Avançou. A Comissão de Constituição e Justiça aprovou projeto de emenda constitucional.

Afasta-se a sessão secreta.

Em plena democratização, a Constituinte de 1988 preservou o segredo do voto. Compreensível. Em matéria de veto presidencial ou escolha de agentes públicos, o voto secreto mostra-se oportuno. Preserva a liberdade do parlamentar. Impede o cerceamento de sua independência e garante imparcialidade.

Inexplicável, porém, a permanência no regimento interno do dispositivo autorizando sessão secreta para cassação de parlamentar. Aí cometeu-se evidente equívoco.

A promulgação da Constituição democrática afastou a possibilidade de sessão secreta. Dispositivo expresso do texto constitucional determina ampla publicidade para todos os atos dos três poderes da República.

Salvo as expressas exceções, o Executivo, o Judiciário e o Legislativo, em razão do princípio da legalidade, devem operar sempre com transparência plena. Ou, mais precisamente, com publicidade.

Segundo determinação presente no artigo 37 da Constituição, os atos praticados pelos agentes desses três poderes deverão se revestir de pleno conhecimento pela sociedade. Ou seja, são públicos.

Não existem nas democracias desvãos para atos obscuros ou sigilosos. O segredo é inerente aos regimes fechados. Neles, na calada da noite se praticam violências contra as pessoas, ou, durante o dia, desvio de recursos públicos, sem a possibilidade de fiscalização.

Com seu parecer favorável ao voto e sessões abertas, resgata o Senado parcela de sua respeitabilidade. Resta agora, à cidadania, agir, como aconteceu nos últimos episódios, com redobrada intensidade.

Só o clamor público pode alterar situações. Já não se fala em passeatas ou reuniões abertas. Estas são oportunas. Pertencem a outros tempos, no entanto. Agora, apesar de tão antigo, o direito de petição tornou-se prático e viável.

É distante sua origem. Foi concebido em 1689. Conhecido inicialmente como direito de petição ao rei, espalhou-se por toda a parte e se encontra presente nos documentos constitucionais dos mais diversos países.

Este instituto de origem inglesa conferiu bom instrumento para a cidadania. À autoridade deve-se pedir. Reclamar. Expor idéias. No passado, redigir ofício e protocolá-lo em repartição pública apresentava-se como o caminho.

Agora, tudo tornou-se mais fácil. A eletrônica alterará a democracia. A internet permitirá o exercício do direito de petição de maneira prática e eficiente.

Remeta-se diariamente um e-mail ao governante ou ao parlamentar e, mesmo que ele não leia todas as mensagens, saberá do volume recebido. O destinatário ficará preocupado.

A cidadania ainda não percebeu a força da comunicação eletrônica. Acostumada apenas a receber informações, de maneira passiva, ainda não notou, inteiramente, a sua transformação em agente ativo.

A democracia participativa está em crise. Não aqui. Por toda a parte. Precisa se reciclar para permanecer. Uma das maneiras de se realizar está reciclagem se encontra no arsenal eletrônico hoje disponível.

Cabe construir a arquitetura da futura democracia. A democracia interativa. Nos palácios, os membros do Executivo se encontram isolados do povo. Realizam pesquisas de opinião. Evitam, porém, o contato direto com a população.

Nos parlamentos, os senadores, deputados e vereadores isolam-se. Transformam-se em titulares de feudos e esquecem os seus eleitores. Só voltam a recordar a sua existência no pleito futuro.

O eleitorado, legítimo detentor do direito do voto, após o pleito, torna-se figura descartável. Esquecida. Marginalizada. Ele precisa proclamar para sua existência permanente.

Mãos à obra. Basta sentar perante o teclado e exercer o direito de petição. Redigir um pedido. Mais moralidade. Menos nepotismo. Chega de personalismos.

Todo o dia e todo tempo uma mensagem. Esta deve ser idéia força. Com o decorrer de algum tempo, a prática surtirá efeito. A democracia participativa, ficção jurídica que retirou do povo a capacidade de se expressar diretamente, se alterará.

Os titulares dos cargos eletivos tomarão mais atenção. O eleitorado, enviando mensagens, se mostrará ágil e atuante. Dá medo. Ao iniciar o processo para a mudança do voto de secreto para a aberto, o Senado já demonstrou seu respeito à cidadania. Bom começo. Agora é a vez do eleitor.