A TRANSPARÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE NÃO-DOMINAÇÃO


É longo o percurso da evolução das instituições políticas. E, desta evolução, surgiram instituições que vieram para ficar. Os conceitos de democracia, constituição e república, entre outros, tornaram-se permanentes na linguagem política.

 

A definição de cada um deles é tema trivial nas escolas de Direito ou de Ciência Política. A democracia sabe-se que é o governo do povo pelo povo, de acordo com a clássica expressão de Lincoln.

O constitucionalismo pode receber infinitas conceituações. Mas, ganhou um significado prevalente na expressão Estado de Direito, indicativa da presença de regras abstratas limitando a atuação das pessoas no interior do Estado-comunidade.

 

A República, por sua vez, pode ser conceituada, após longas tergiversações da doutrina, como forma de governo caracterizada pela divisão de Poderes, a saber: Executivo, Legislativo e Judiciário. Os Poderes submetem-se às regras do Estado de Direito e devem, pois, atuar responsavelmente.

 

Encontram-se acima os conceitos básicos da atividade política contemporâneo, ainda porque mesmo as monarquias constitucionais, hoje, submetem-se aos chamados princípios republicanos.

 

No entanto, não basta indicar os traços destas instituições vigentes, praticamente, em todos os países com Estados institucionalizados. Estas instituições exigem subsistemas para um funcionamento de natureza democrática.

 

Se a democracia é o governo do povo pelo povo, o povo deve possuir um instrumental amplo para realizar sua tarefa de governo por intermédio de terceiros, os políticos escolhidos pelo sufrágio popular.

 

Os mecanismos republicanos para o exercício do Poder pelo povo são inúmeros. Entre eles, é impostergável a presença dos mecanismos eleitorais.

 

Variadas as formas de colher a vontade popular por intermédio das operações de escrutínio. Este, no entanto, é indispensável para captar, sazonalmente, as decisões do eleitorado.

 

Escolhidos os representantes do povo e empossados nos cargos conquistados livremente, em certames realizados com plena lisura, iniciam-se as ações de governo.

 

Neste primeiro passo, encontra-se – no caso brasileiro – a presença da Justiça Eleitoral, com suas múltiplas atribuições, mas especialmente de garantir a liberdade dos eleitores, a coleta isenta das suas vontades, a proclamação e posterior ato de diplomação dos eleitos.

 

A Justiça Eleitoral, entre suas atribuições, apresenta a sua condição de fiscal da moralidade dos pleitos, evitando qualquer espécie de fraude ou deformação da vontade soberana do eleitorado.

 

Todo o processo eleitoral se desenvolve sobre a égide do princípio da transparência, que tem, na publicidade, um valor constitucional inafastável.

 

Ocorre que, após a posse dos eleitos, inicia-se uma etapa decisiva para o processo democrático. Trata-se do acompanhamento das atividades dos empossados.

 

Receberam mandatos eletivos e estes geram obrigações e deveres. Entre os deveres se apresenta, de forma exponencial, o de agir dentro dos princípios legais e morais, ou, como diziam os antigos, de acordo com os bons costumes.

 

O mau governo, especialmente no campo da moralidade pública, é inaceitável pelos padrões comuns do viver em sociedade e execrável no campo do Direito constitucional contemporâneo.

 

O constituinte de 1988 elevou a padrão constitucional a moralidade pública ao oferecer um artigo, de número 37, que trata expressamente do importante tema.

 

Como as pessoas, por vezes, são frágeis em seus comportamentos cotidianos tornou-se necessário a concepção de instituições capazes de acompanhar o dia-a-dia da administração pública por parte da coletividade.

 

Inúmeros institutos foram forjados no decorrer de séculos. Os tribunais de contas concebidos no período napoleônico. As legitimidades processuais conferidas aos partidos políticos, ao Ministério Público, à Defensoria Pública, a par da clássica ação popular conferida à cidadania.

 

Apesar deste vasto instrumental, o cidadão comum historicamente via-se desprotegido por desconhecer as entranhas dos negócios públicos. Estes corriam cobertos por um cínico cinismo.

 

Só alguns tinham acesso aos complexos processos administrativos. Os burocratas dos quadros permanentes da administração pública e os administrados escolhidos pela via eleitoral.

 

A coletividade assistia apenas a um jogo de sombras e jamais tinha conhecimento concreto da realidade administrativa. Isto levava a dominação da sociedade pelos operadores do Estado.

 

Ora, a República tem como um de seus escopos a não-dominação, pois é o regime de governo da liberdade e do conhecimento. Todo o cidadão age como desejar, dentro dos limites da lei.

 

Ainda todo o cidadão tem o direito de conhecer todos os processos em cursos no âmbito dos escaninhos oficiais. Ele é titular de todos os assuntos públicos, mesmo que indiretamente.

 

Na condição de titular dos assuntos de Estado, o cidadão não pode se sentir dominado pelos agentes públicos. Ele é livre. Um dos atributos da liberdade é ter acesso a todos os temas da vida pública.

 

Só ele – o cidadão – é titular de sua própria vontade e dos critérios adotados para as suas opções. Ora, esta premissa fundamental para o regular exercício da democracia, no interior de uma República regida por uma Constituição, leva a uma conclusão sólida e única: a transparência ativa é essencial a qualquer país que se constitua em Estado de Direito.

 

O legislador brasileiro não se manteve inerte perante tão relevante assunto – a transparência – e conseqüentemente elaborou um texto que se transformou na Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso a Informação – LAI.

 

Este documento legal, a par de sua importância no quadro legislativo pátrio, permite no cenário doutrinário que se afaste os malefícios inerentes à dominação, próprios de atividade humana, onde, no dizer do filosofo, o homem sempre se apresenta como lobo do homem.

 

Bibliografia

 

  • Philip Pettit – Republicanismo – Una teoria sobre La libertad y el gobierno

 

Paidós – Barcelona – Buenos Aires – México -1999

 

 

  • Rodrigo Borja – Enciclopedia de La Política –

 

Fondo de Cultura Económico – México – 1998

 

 

  • Antonio Negri – Scienze Politiche – Enciclopedia Feltrinelli Fischer

 

Feltrinelli Editore Milano – 1980

 

 

  • Norberto Bobbio e os – Dizionario di Politica

 

UTET – Unione Tipografico-Editrice Torinese 1983

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