COMPLEXO DE TIRANO


No último sábado, dia 17 de março, comemorou-se a unidade da Itália.

O território italiano, antes desta data, era dividido em múltiplas repúblicas e reinos.

Um cipoal de soberanias e uma maior fonte de conflitos, muitas vezes incentivados pelos chamados Estados Pontifícios.

Esta presença de inúmeros estados independentes permitiu o surgimento de diversos documentos constitucionais.

São importantes as cartas aparecidas no período após a Revolução Francesa.

Passaram os italianos a receber os influxos do movimento francês e a elaborar constituições.

Bolonha é referida como a primeira a possuir um documento constitucional, de conformidade com os novos princípios emergidos dos anos após 1789.

Dois dispositivos da Constituição de Bolonha merecem ser lembrados, a saber:

“A soberania reside essencialmente na universalidade dos cidadãos”

Nada original, mais ainda assim expressivo.

O outro dispositivo, a ser registrado, é aquele oriundo do ensinamento de Montesquieu.

Este aponta para uma clareza plena ao ensinamento do mestre francês, tão prestigiado pelos constitucionalistas:

“A garantia social não pode existir, se os poderes não são divididos, e equilibrados”

Nada mais claro.

Na Ligúria, a ênfase era a filosofia dos iluministas:

“O fim da sociedade é a felicidade comum. O governo é instituído para a assegurar aos homens o gozo do exercício de seus direitos”

A República romana avança na ética originária do Iluminismo:

“É obrigação de todos os homens iluminar e instruir os outros”

E ingressava em cenário hoje certamente olvidado por muitos, a Constituição de Bolonha:

“Não é bom cidadão quem não é bom filho, bom pai, bom irmão, bom amigo, bom esposo”

Nas Duas Sicílias, adotaram os habitantes da ilha a Constituição espanhola de 1822, La Pepa, como modelo.

O documento de maior reflexo no desenvolvimento político da Itália é sem dúvida o Estatuto Albertino.

Era um texto flexível.

Podia ser alterado por lei ordinária, quando esta se contradizia com a norma principal.

A sua importância histórica é que ele permitiu a união da Itália em um só estado nacional.

Era um documento liberal e garantista.

Sua flexibilidade permitiu sua permanência em vigor durante o período fascista.

Chega-se, no após guerra, à atual Constituição Italiana.

Hoje ela é pouco examinada pelos constitucionalistas.

Quando de sua concepção – 1948 – duas grandes doutrinas se conflitavam: a democracia e o comunismo.

É grande equívoco dos estudiosos abandonarem exercícios de direito e legislação comparada com base no texto italiano de 1948.

Os estudiosos italianos daquele documento apontam uma fonte, de sua concepção, presente na Constituição brasileiro de 1988.

A Itália, quando da elaboração de sua lei maior, saía do fascismo.

O Brasil, nos anos de 1988, deixava um período autoritário.

Os italianos dizem que sua Constituição foi elaborada abaixo do complexo de tirano, o que levou o legislador constituinte a grandes aberturas de duvidosa concretização.

Exatamente como no Brasil.

Colocou-se tudo e todos na Carta.

Não faltou nada e ninguém.

É o documento um bom catálogo de intenções e desejos individuais e coletivos.

Não cabe, porém, no Orçamento.

O complexo de tirano, presente na consciência de cada legislador constituinte, levou a inexequível catarse.

Esta na hora de se rever o texto constitucional de maneira sistemática e competente.

Chega de puxadinhos,  reformas constitucionais de varejo.

É tempo de uma reforma constitucional racional e de acordo com a realidade.

Bom momento para se pensar no tema.

A unificação da Itália – ora festejada – e seu documento pós fascismo permite este registro.

 

 

Referência.

Armani, G. – La Costituzione italiana – Garzanti – 1988.

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