Revista CEPES
Livres divagações em torno de ideais (II)


Examinou-se, em exposição anterior dois festejados autores da História das Ideias Políticas.

Ocupamo-nos de Montesquieu e Rousseau.

Agora, vamos analisar um pensador nem sempre citado com a relevância que possui.

No entanto, sem ele, o Constitucionalismo moderno e contemporâneo não teria se desenvolvido até os patamares hoje alcançados.

Trata-se de figura controvertida. Para alguns mais político e menos intelectual.

Acontece que o autor que iremos abordar mostrou-se hábil político – foi dos píncaros do Poder ao ostracismo – sempre operando com inteligência e sagacidade.

Ele – dá-se como exemplo – foi o presidente da Assembleia Nacional Francesa de 1790, aquela que elaborou a Constituição de 1791.

Fala-se de Emmanuel Joseph Sieyès

(•Fréjus/1748 –  †Paris/1836)

O Abade Sieyès – assim era conhecido – ordenou-se sacerdote, no entanto nunca demonstrou vocação para as atividades religiosas.

Ao contrário, mostrava-se avesso à autoridade hierarquizada e gostava de ser  notado como um autodidata.

Participou, como membro da Comissão Constitucional (1789,1792 e 1795).

Não conta Sieyès com uma obra extensa.

São inúmeros seus discursos e papéis esparsos.

Além de sua presença parlamentar, Sieyès notabilizou-se por um pequeno e precioso escrito:

Quést-ce que le Tiers Etat?

ou, em vernáculo:

Que é o Terceiro Estado?

 É obra seminal.

Procura harmonizar o pensamento de Rousseau – a vontade geral – com a tripartição de Montesquieu.

O fundamental, porém, é a sabia concepção por parte do autor do

Poder constituinte e o

Poder constituído.

Estas duas figuras jurídicas concebidas por Sieyès são as duas bases do constitucionalismo como conhecemos.

O Poder constituinte é a nação para Sieyès e esta é titular da vontade geral.

A vontade geral é representada no parlamento, formado por uma única câmara.

Sieyès é avesso ao bicameralismo.

Este tem, segundo o autor examinado, essência aristocrática.

Ao mesmo tempo que defende estas posições, Sieyès consagra o dogma da divisão dos poderes.

“ Em uma síntese das doutrinas de Rousseau e Montesquieu, concilia seus termos antitécnicos ao conceber o poder constituinte como atributo indivisível, inalienável e imprescritível da nação soberana e o distingue dos poderes constituídos que se dividem para seu exercício”

 Cabe registrar que uma outra criação do genial político se encontra na concepção do instituto da representação política.

Esta se suporta na soberania popular emanada da soberania nacional.

Sieyès mostra-se contrária às práticas democráticas diretas.

Para ele, a soberania se exerce unicamente por meio da representação:

“Para o autor é central o fato de que, por meio do princípio da representação, a soberania nacional pode distribuir o poder governamental entre os órgãos representativos funcionalmente diferenciados e faz juridicamente vinculante esta distribuição mediante a constituição”

Complementa-se:

O poder – para Sieyès – submete-se sempre a representação popular.

Sieyès é obstinado contestador da democracia direta.

Neste passo, oportuno registrar que Sieyès mostra-se antagônico a duas classes sociais:

o clero, a qual ela pertencia, e

a nobreza.

É explicável. Ele considerava esta duas classes sociais como improdutivas.

Daí a denominação de sua obra fundamental – Qu’est-ce que le Tiers Etat? – nela, entre outros importantes temas, há defesa intransigente da burguesia, o terceiro estrato social.

A burguesia, segundo Sièyes, é operante, criativa e caracteriza-se como o próprio cerne da nação.

Como observação de natureza história, registra-se que Sieyès, ao contrário de Montesquieu é crítico dos documentos constitucionais ingleses.

Afirma:

“A Constituição britânica é boa em si mesmo? Incluso se fosse boa seria conveniente para a França?

 Eu tenho algum temor de que esta obra prima, tão divulgada, não resiste a um  exame imparcial feito segundo os princípios da verdadeira ordem política. Nos  reconhecemos, quem sabe, que referida Constituição é o produto do acaso e de circunstancias mais do que de luzes”

 “… é de se olhar (para a Constituição inglesa) mais como um monumento de superstição gótica. Veja que a representação nacional, segundo confissão dos ingleses mesmos, é má”.

 Jean Touchard, nosso já conhecido autor, estendeu-se, como se viu na Divagação anterior, sobre Montesquieu e Rousseau, cabe, agora, tomar suas ponderações a respeito de Sieyès.

Afirma Touchard,

“Sieyès tem da nação uma concepção racionalista, utilitária, individualista e fundamentalmente jurídica.

 Racionalismo – O pensamento de Sieyès não deixa lugar a história.

 Utilitarismo – O começo do folheto esta dedicado a demonstrar a utilidade do Terceiro Estado e a inutilidade das classes privilegiadas

 Individualismo – A vontade nacional é o “resultado das vontades individuais”, como é igual ser a nação o conjunto dos indivíduos

 Juridicismo – Que é a nação? Um corpo de associados que vivem debaixo de uma lei comum e estão representados pela mesma legislatura.

Sieyès, por haver votado pela execução do rei Luiz XVI*, teve, a partir de 1816, de conhecer o exílio em Bruxelas.

Somente catorze anos depois voltou à França, onde morreu em Paris no ano de 1836.

Espera-se que a síntese exposta do pensamento de Sieyès, autor fundamental para o estudo do constitucionalismo, permita uma visão, juntamente com as reflexões anteriores, dos avanços da doutrina constitucional.

 

Referências.

Touchard, Jean – Historia de las ideas políticas – tecnos – Madrid – 1998

Sieyès, Emmanuel – Qu’est-ce que le Tiers Etat? -Presses Universitaires de France – 1982.

Morán, David Pantoja  – Escritos de Sieyès –  Fondo de Cultura Económico – México – 1993

Schama, Simon – Ciudadanos – Debate – Barcelona – 2019.

Volpi, Franco – Enciclopedia de Obras de Filosofía – Herder – Barcelona -2005.

 

Notas:

  • As traduções são livres.
  • Touchard mereceu síntese na transcrição.
  • Luiz XVI foi defendido por um velho advogado, Malesherbes.

Mostrou-se combativo e destemido.

O clima, no entanto, era hostil. Ele e sua família foram guilhotinados.

 

Ele disse a um amigo:

“em tempo de paixões violentas, devemos abster-nos de invocar a razão.”

 O ensinamento vale para o Brasil contemporâneo.