Revista CEPES
Breve incursão pelo Common Law


The systen os jurisprudence which originated in England*

 

Os operadores do Direito, nos últimos anos, passaram a analisar, estudar e aplicar conceitos advindos do sistema jurídico elaborado na Inglaterra, a partir do Século XII.

Oportuna, pois, uma análise, ainda que perfunctória, deste grande e importante ramo do Direito.

 

Generalidades

A expressão common law designa o direito comum a toda Inglaterra, para diferenciar-se dos costumes locais, próprios de cada região.

Durante séculos, por influência francesa, a common law era conhecida como Law French (até o Século XVIII).

O sentido de common law é muito diferente do sentido da expressão direito comum, ius commune.

No continente, direito comum designava o Direito erudito (a partir do Século XVI).

O common law, no vocabulário jurídico inglês, é um judge-made-law.

Há quem chame o common law de folk right (direito popular ou direito do povo).

Pois, o common law caracteriza o conjunto de princípios baseados nos usos e costumes imemoriais, consubstanciado em decisões judiciais.

A par do common law os ingleses conheceram o

statute law,

o direito dos estatutos, isto é, por leis promulgadas pelo legislador

Em determinado momento histórico (Séculos XV e XVI), o common law foi considerado arcaico.

Conceberam, então, outro conjunto de regras jurídicas, a saber:

Equity,

Aplicadas pelas jurisdições do Chanceler.

Os dois sistemas prevaleceram até 1875, quando, por uma reorganização do judiciário, foram mais ou menos fundidos.

A equity é o ramo do sistema do common law que privilegia a obediência aos princípios de ordem ética e moral, em vez do formalismo jurídico.

Baseia-se a equity nos brocardos jurídicos latinos.

Os julgados da equity são proferidos por juízes togados, sem participação do júri popular.

Visam apenas questões de Direito.

Afirma-se que o common law conseguiu resistir à influência da equity, passando a dominá-lo a partir do Século XVII.

A common law sofreu pouco influencia do Direito Romano.

Os ingleses chamam ao direito do continente, com raízes romanísticas, de civil law.

Os países de raízes romanísticas, como se sabe, possuem legislações codificadas.

A codificação é quase desconhecida na Inglaterra.

Sir William Blackstone (Século XVIII) definiu a common law como :

“jus non scriptum, ou direito não escrito, manifestado nos usos, costumes e consentimento tácito do povo”.

 

A formação do common law.

Até os Séculos XII e XIII a história do direito inglês assemelha-se à dos países continentais.

Recorda-se que a Inglaterra fez parte do Império Romano do Século I ao V.

Na sequência, ocorreram invasões por parte dos anglos, saxões, dinamarqueses.

Estes povos desenvolveram reinos germânicos.

Estes redigiram “leis bárbaras”.

Estas, no continente eram produzidas em latim.

Na Inglaterra, no entanto, a redação era em língua germânica.

A primeira consolidação dos usos e costumes deu-se por Alfredo, o Grande em seu histórico Dome-book ou Liber judiciais (1081 a 1086).

O profundo sentimento religioso de Alfredo emerge no preâmbulo de seu Dome-book:

Alfredo transcreve os Dez Mandamentos bíblicos.

No Século XII, o costume permanece como a única fonte do direito na Inglaterra:

costumes locais anglo-saxões, costumes das cidades (borough custos), costumes dos mercadores (sobretudo em Londres, os pie poder, pés poeirentos) chamados a lex mercatória (mais tarde: ley marchant, marchant law).

 

Evolução.

Os reis ingleses impuseram sua autoridade, no campo jurisdicional, muito cedo (XII).

A jurisdição real poderia ser requerida a Westminster por qualquer pessoa.

O Chanceler examinaria o pedido e, se o achasse viável, expedia um writ (em latim: breve e em francês: bref) a um xerife local ou a um senhor.

Esta ordem – writ – determinava ao réu que desse satisfação ao queixoso.

O réu, se considerasse o writ injusto poderia expor a um dos tribunais reais suas razões.

Os nobres opuseram-se ao sistema dos writs.

A própria Magna Carta coloca limitações à jurisdição real.

Mas, o Statute of Westeminster (1285), documento capital na história do common law, confirmou ser possível o Chanceler passar writs em casos similares.

Não podia, no entanto, o Chanceler criar novos writs.

 

Fontes do common law.

Apesar do distanciamento do common law do Direito Romano, este sofreu alguma influência deste Direito por intermédio da aplicação da Summa do jurista romanista italiano Azo (Século XIII).

O common law foi realmente consolidado pelos juízes de Westminster.

Esses juízes não eram exclusivamente consagrados ao estudo do Direito, nem sequer formados em escolas ou universidades.

Os common lawyers são, antes de mais nada, práticos formados como litigantes (barrister, advogados).

Não era, pois, necessário ser formado em Direito para vir a ser solicitor (solicitador), barrister ou judge.

Para os práticos, os precedentes judiciários (cases= casos julgados) sempre tiveram maior utilidade .

Desde 1290, as principais decisões judiciárias dos Tribunais de Westminster são registradas no  Year Books.

Hoje, as decisões dos tribunais são copiladas no Law Reports.

Uma boa biblioteca de common lawyer compreende mais de 2000 Law Reports.

Sendo sobretudo um direito jurisprudencial, o common law suporta-se nos precedentes estabelecidos, os quais se denominam

 stare decisis.

 A primeira decisão proferida sobre um tema deve suportar-se em regras de fundo.

Estas são chamadas de

Substantive law.

 O juiz não cria o Direito.

Ele declara o direito existente:

Declaratory theory of the common law.

 Portanto,

“o juiz não cria o direito, constata o que existe ; é o seu oráculo vivo, julgando em consciência, segundo a razão”

(Woodbine).

Todo costume existente antes de 1189 inscreve-se no

General immemorial custom of the Realm.

A primeira compilação é a

De legibus de Bracton (cerca de 1256).

Foi compilada pelo juiz Bracton, juiz do reinado de Henrique III.

Posteriormente, o mesmo Bracton escreveu

De legibus et cosuetudinibus regni Angliae,

considerada uma das mais notáveis obras jurídicas da Idade Média.

Bracton, para elaboração de sua obra, utilizou os ensinamento do italiano Azo, já acima referido.

Após inúmeras obras de referência, no Século XVIII, surge a monumental obra de

Sir William Blackstone:

Commentaries of the Laws of England.

 Blackstone escreveu sua obra em inglês.

Os autores anteriores o fizeram em latim ou em law french, jargão muito complicado.

 

Equity

No decorrer dos Séculos XIV e XV, os juízes já não podiam dar solução aos casos nos limites dos processos dos writs.

Voltou-se então ao acesso ao Chanceler, ou diretamente ao Rei, e este decidia por equity.

Ou seja, voltou-se muitas vezes a princípios extraídos do Direito Romano.

Nestes casos – os de equity – o Chanceler não levava em conta as regras do processo e mesmo de fundo do common law.

A nova sistemática favorecia as práticas absolutistas.

Quando dos conflitos entre o rei e o parlamento (Revolução Inglesa – 1642/1649), realizou-se um compromisso que permitiu a subsistência de um sistema dualista de direito: common law e equity.

A fusão dos dois sistemas deu-se em 1873 e 1875 com uma reforma profunda da jurisdição por meio do Judicature Acts.

Desde então, ficaram integradas common law e equity, salvo nos tribunais de Londres, onde há câmaras para common law e para equity (Chancery Division).

 

Júri

Uma peculiaridade do direito processual inglês é a importância assumida pelo júri.

Em substituição as ordálias, concebeu-se um grupo de jurados.

A prática estendeu-se além da instrução processual para o próprio julgamento concretizado, em geral por um júri composto por doze jurados.

Apenas como curiosidade, registra-se que em determinada época o acusado podia renunciar ao júri – trial by jury.

Neste caso, era detido para sofrer peine forte et dure.

 Esta consistia em o acusado dormir nu, sob um grande peso, alimentado apenas de pão bolorento e água suja, como previa o Estatuto de Westminster(1275).

O Grand Jury manteve-se até 1933, sendo definitivamente extinto em 1948.

Preserva-se o júri – Petty Juri – em matéria criminal.

Em matéria civil teoricamente se mantém em inúmeros temas, sem acesso, porém, pelas partes.

 

Status law

Aumentou com o decorrer do tempo a promulgação de leis pelo Parlamento.

Cabe recordar o Bill of Rights que obriga a toda lei deve contar com o Parlamento para entrar em vigor ou ser revogada.

Os direitos sociais foram objeto de leis, por exemplo.

Não há, porém, na Inglaterra códigos contendo conjunto de regras relativas a um ramo do Direito.

Registra-se a existência das Consolidations, contendo as leis existentes entre 1852-1863, e a codificação de matérias como a Sale of Goods Act (1893) – Código de Vendas – e Bankruptcy Act (1914).

 

Difusão do common law

No mundo adotam a common law:

Ilhas Britânicas,

Pais de Gales,

Irlanda,

República da Irlanda (Eire),

Estados Unidos (exceto a Lousiana),

Canada, salvo Quebec,

Austrália,

Nova Zelandia,

Jamaica,

África do Sul,

África. Central (Nigéria, Quênia, Uganda, Tanzânia, Zambia)

Índia,

Birmânia,

Malásia e

Israel, como Direito supletivo.

Os Estados Unidos, em 1791, por meio da Emenda 7ª à Constituição expressamente recepcionou o instituto do common law:

 “Nos processos de common law em que o valor em litígio exceda a vinte dólares, o direito a um julgamento por júri será mantido e nenhum fato julgado por um júri poderá ser submetido ao novo exame de um outro tribunal dos Estados Unidos, a não ser de acordo com as regras do common law”.

Apenas por respeito à exatidão, regista-se que os Estados Unidos tem elaborado codificações, inclusive realizadas por instituições não estatal (por exemplo: Restatement of American Law produzida pelo American Law Institute).

No campo oficial, aponta-se Uniform Commercial Code (UCC); Uniform Anatomical Gifts Act; Uniform Partnership Act; Uniform Code of Military; Uniform Arbitration Act e outros.

 

Referências

Gilissen, John – Introdução Histórica ao Direito – Fundação Calouste Gulbenkian – Lsiboa – 1979.

Gifis, Steven H. – Law Dictionary – Barron’s New York – 1991.

Mello, Maria Chaves de – Dicionário Jurídico – Law Dictionary –   Método – São Paulo – 2006.

Campbell Black, Henry – Black’s law dicionary – West Publishing –  St. Paul, Minn -1990.