Revista CEPES
Livres divagações em torno de ideais


 Aqui se busca despertar uma curiosidade pelas fontes e pela intepretação própria de textos…•

 

Todo estudante de Direito – ad nauseam – ouviu aulas a respeito da tripartição dos Poderes.

A trilogia difundida por Montesquieu tornou-se dogma constitucional.

Conhecido é o artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:

“Toda sociedade em que … a separação de poderes não se encontra determinada não tem constituição”.

Corria o ano de 1789.

O preceito avançou pelo constitucionalismo.

Por que esta assertiva tão expressiva eclodiu no desenvolvimento da Revolução Francesa?

As causas podem ser analisadas em suas origens remotas e próximas.

Remotamente, as causas se encontram na visão política vigente na Idade Média.

Este período histórico, nem sempre analisado pelos juristas contemporâneos, mostra-se como raiz de instituições e acontecimentos posteriores.

A Idade Média analisava os assuntos de Estado com uma visão teológica.

Partiam os estudiosos da época, em seus estudos, do princípio da unidade.

Argumentavam:

Deus, o ser essencialmente unitário, só poderia ter concebido, apesar da pluralidade do mundo, um todo unitário.

Ora, o todo unitário – a sociedade – por sua vez, deveria ser dirigida por um governo compacto, ou melhor, uno.

Nada de divisões.

O governo deveria, em suas múltiplas funções, agir como um só todo.

A partir deste conceito, defendiam os antigos a forma monárquica de governo.

Entre os maiores interpretes desta forma de governo encontra-se Dante Alighieri.

Em sua obra a Monarquia, afirma o autor toscano, peremptoriamente, ser o princípio da unidade fonte de todo o bem, porque o maxime unum é o máxime bonum.

 Apenas para efeitos didáticos, recorda-se que a Monarquia é obra composta por três volumes e foi escrito ao redor de 1310.

A obra surgiu quando da ascensão do Imperador Henrique VII.

Dante esperava deste Imperador um governo forte e justo, fundamentado na unidade do poder divino.

A partir destes fundamentos do pensamento político medievo, conceberam-se os governos europeus dos tempos seguintes.

Todos eles suportados na ideia da unidade e esta fazia com que todas as funções governamentais fossem exercidas por uma única autoridade: o soberano.

O soberano, por si ou por seus subordinados, administrava.

Produzia leis.

Aplicava justiça.

Com o transcorrer do tempo, surgiram  adversários desta forma de governo.

Estes deram a ela adjetivação expressiva:

absolutismo.

A monolítica estrutura governamental agredia o pensamento de muitos.

Tornou-se usual, no vulgo, afirmar ser impossível reinar e conservar a inocência.

 O imaginário coletivo via nos textos políticos da França e na constituição física do monarca uma mesma coisa.

 Inquietação atingiu os meios intelectuais.

Na França, estes se mostraram expressivamente atuantes.

Tome-se os enciclopedistas e se captara um vulcão de novos pensamentos e novas maneiras de governar.

Muitos mostravam-se contrários à monarquia, apesar de alguns deles conviverem e usufruírem dos favores de soberanos.

Como exemplo, ao voo da pena, aponta- se Voltaire.

Ácido em suas  críticas, mas comensal de Frederico da Prússia até determinado momento.

Este movimento contrário à monarquia explode com vigor no longo período da Revolução Francesa.

Esta Revolução que teve longa duração – cerca de dez anos – é acontecimento que marcou a História do Pensamento Político.

Surgiram novas visões do mundo.

A República tornou-se ideia dominante.

A soberania popular figura similar a

à inocência política (sic).

No clima pre revolucionário autores de origens sociais diversas geraram obras marcantes.

Dois deles surgem com intensidade, a saber:

Jean Jacques Rousseau

e

Charles-Louis de Secondat, baron de la Brède et de Montesquieu.

 Vidas completamente diversas.

Rousseau abandonado a seu destino durante grande parte de sua juventude.

Nasceu em família reformada.

Converteu-se ao catolicismo.

Retornou ao calvinismo.

Foi crítico radical da civilização.

Colaborou com artigos sobre música para a Enciclopédia.

Esta atividade  lhe permitiu convívio com Diderot e Condillac, figuras chaves da Ilustração francesa.

 Montesquieu, membro de família nobre, recebeu educação adequada em colégio de religiosos oratorianos.

Estudou, posteriormente, Direito em Paris.

Juiz, não exerceu suas funções.

Viajou por diversos países – Holanda, Alemanha e Itália –  e permaneceu durante dois anos na Inglaterra.

Foi crítico das formas de governo centralizadas e absolutistas.

Permaneceu sempre monarquista.

Ambos escreveram obras que se tornaram célebres.

Rousseau:

  • Do Contrato Social,
  • Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens,
  • Emília ou a educação

e muitas outras.

Montesquieu:

  • Letras Persa,
  • Considerações sobre as causas da grandeza romana e sua decadência,
  • Do espírito das leis.

Jean Touchard, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Paris, analisa os dois autores acima referidos.

Mostra-se, por vezes, critico de Montesquieu.

Afirma:

Montesquieu residiu algum tempo na Inglaterra e se converteu em propagandista de  instituições que conheceu mal.

Ainda Touchard  considera o autor Do Espírito das Leis homem que se diverte, gosta de se mostrar, em seus escritos, como um homem feliz.

O elogio das instituições inglesas feito por Montesquieu descansa sobre um equívoco, ainda segundo Touchard.

Montesquieu pertenceu à nobreza e sustenta a causa dos parlamentos – foi parlamentar em Bordeaux.

O seu liberalismo é sincero e profundo, mas é um liberalismo voltado ao passado: é um liberalismo aristocrático e francês, muito diverso do liberalismo inglês, e distante, por sua vez, das realidades britânicas.

Montesquieu teme a unidade e é cético quanto aos homens:

“A maioria dos legisladores são homens limitados a quem a sorte os colocou à frente dos demais e apenas têm consultado mais que seus preconceitos a suas fantasias. Parece que desconsideram a grandeza e a da dignidade mesma de sua obra.”

 A teoria dos governos, que abre Do Espírito das Leis, é – junto com a separação de poderes – a teoria mais conhecida de Montesquieu.

No entanto, resulta duvidoso que Montesquieu a pôs como essencial em seu pensamento político.

A respeito de Rousseau o autor citado mostra-se mais magnânimo.

Rousseau – afirma Touchard – é sem dúvida o primeiro escritor político que está inteiramente presente em sua própria obra.

Adita:

Rousseau é homem fiel a sua infância. É um racionalista utópico.

Afirma Rousseau, como se proferisse uma parábola:

“O homem é naturalmente bom, a sociedade é quem o perverte”.

  Admira os bons selvagens da América, conhecidos por ele por meio das obras dos viajantes.

O Poder para Rousseau não tem origem teológica.

Muito menos uma construção jurídica, nem é uma conquista militar.

O Poder, para Rousseau, é uma soma de interesses.

O soberano é a vontade geral que é a vontade da comunidade e não a individual dos membros que a constituem.

“É pela força das leis que se obedece aos homens. Um povo livre obedece, mas não serve; tem chefe, mas não amos; obedece às leis, porém não obedece mais que as leis

 afirma Rousseau peremptoriamente.

Consta-se pela leitura desta exposição a complexidade do pensamento dos dois autores fundamentais para o pensamento político Ocidental.

Ambos os dois trouxeram contribuições significativas ao desenvolvimento das instituições de todos os povos, particularmente Montesquieu.

Ao difundir a tripartição do Poder, sem conceituar em profundidade o conceito, Montesquieu deu origem aos três poderes do Estado presente em todas as Constituições contemporâneas:

Executivo,

Legislativo e

Judiciário.

Acima notou-se que a subordinação à lei é fundamental para a vida em comunidade.

Todos – membros dos Poderes e integrantes da sociedade – vivem sob o império da lei.

Aqui surge a ideia vigente de Estado de Direito hoje vitoriosa entre todos os povos regidos por constituições.

 

 

Referências.

Touchard, Jean – Historia de las iedas políticas – Tecnos – Madrid – 1998

Von Gierke, Otto – Teorías de la Edad Media – Centro de Estudios Políticos y constitucionales- madrid – 2010

Volpi, Franco – Enciclopedia de obras de filosofia – Herder – Barceloma – 2005

Schama, Simon – Ciudadanos – Una crónica de la Revolución Francesa – Debate – Barcelona -2019

Agesta, Luis Sanchez – Documentos Cosntitucionales y textos políticos – Editora Nacional – Madrid – 1982

Truyol y Serra – Historia da Filosofia do Direito e do Estado – instituto de Novas Profissões – Lisboa – 1990

  • a partir de texto de Luis Sanchez Agesta.

As traduções dos textos acima transcritos são livres.