Honra não se herda*
A honra é palavra presente através dos tempos na História da humanidade.
Origina-se o vocábulo do nome de Homos, deus da guerra na antiguidade romana.
A honra, a palavra derivada de Homos, conferia valor aos militares que se batiam em combate.
Evoluiu, no decorrer dos séculos, o conceito de honra.
Sempre, no entanto, apresentou posicionamento pleno de subjetividade e repleto de objetividade.
Explica-se:
Subjetivamente: a visão que o titular de personalidade tem de si próprio.
Como ele se imagina perante a sociedade.
Objetivamente: aponta o conceito que a sociedade tem de determinada pessoa.
É cumpridora de seus deveres?
Porta-se com urbanidade?
Pratica seus deveres cívicos?
Cumpre suas obrigações familiares?
Respeita a palavra empenhada?
Preserva a dignidade alheia?
As respostas poderão assentar-se em padrões coletivos ou singulares de cada agrupamento social.
No Antigo Regime, ou seja, anteriormente à queda dos regimes absolutistas, o conceito de honra conheceu seu mais alto grau.
A honra consistia em atributo da nobreza.
Só o nobre se batia em duelo para preservar sua respeitabilidade.
Caracterizava a honra um ideal moral e, ao mesmo tempo, uma conduta, uma posição social.
Clássica, no período, a frase:
Pode-se perder tudo menos a honra.
Montesquieu, nobre, em suas obras tratou da honra em diversos espaços.
Em Do Espirito das Leis afirmou:
“A honra move todas as partes do corpo político; liga-se com sua própria ação …”
Ou ainda, afirmou o mesmo consagrado autor:
“A honra possui as suas regras supremas e a educação a conformar-se a elas.
A principais são: é-nos permitido fazer caso de nossa fortuna, mas nos é soberanamente proibido dar importância à nossa vida.”
Em Letras Persas, como preservador do conceito de honra, Montesquieu ironiza a Luiz XIV por seus hábitos:
“O rei da França é velho. … Estudei seu caráter, e encontrei contradições que me é impossível esclarecer. Por exemplo: ele tem um ministro que tem dezoito anos e uma amante que tem oitenta…”
Claro que Montesquieu, por vias indiretas, refletia e criticava a moral do Rei absolutista com traços devassos.
A burguesia preocupou-se menos com o conceito de honra, de acordo com os padrões clássicos.
Ateve-se ao lucro e às boas relações comerciais.
Não deixou, contudo, o conceito de honra inteiramente marginalizado.
Industrial italiano, de grande sucesso, Francisco Matarazzo, instalou suas fábricas, por todo o Brasil, abaixo do dístico:
“Labor, Fides et Honor”,
ou,em vernáculo,
“Trabalho, Fé e Honra”
Outros tempos.
Seus sucessores, contemporâneos, dilapidaram a fortuna amealhada pelo Conde papalino.
Perderam a fé nos negócios.
Marginalizaram o conceito de honra do fundador do velho império industrial.
Mas, se no campo empresarial o exemplo do preservação da honra, esculpido do dístico de muitas fábricas das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, nem sempre se manteve, há outros campos em que a honra se encontra presente.
Em campo qualificado, apesar de se encontrar em área democrática, bem diversa da existente no Velho Regime.
Trata-se das Constituições sul americanas.
A começar pela brasileira de 1988, os textos maiores de muitos estados nacionais deste Continente expressam a defesa da preservação da honra.
A Constituição do Brasil vigente, no inciso V de seu artigo 5º assegura indenização por dano contra a honra.
No mesmo sentido caminha a Constituição da República Oriental do Uruguay.
Em seu artigo 7º aponta:
Os habitantes da República têm direito a serem protegidos no gozo … de sua honra.
Os doutrinadores uruguaios expressamente defendem ser o direito à honra qualificado como direito primário.
Isto é, preexistente à Constituição.
Bom recordar, o Uruguay conheceu o duelo até pouco tempo atrás.
Duelar se apresentava ativa entre políticos e também entre populares.
Este registro caracteriza a importância da honra para os uruguaios.
A prosseguir, nesta busca pelas Constituições sul americanas, chega-se à Colômbia.
Lá também se apresenta expressa referência à honra em artigo específico:
Artigo 21. Se garante o direito à honra. A lei indicará a forma de proteção.
Os constitucionalistas colombianos indicam equívoco na segunda frase do referido artigo 21 de sua Constituição.
Afirmam que a segunda frase é absolutamente desnecessária e inoportuna.
O artigo 85 da Constituição colombiana determina a imediata entrada em vigor de todos os dispositivos referentes a direitos fundamentais.
Ressalte-se, o mencionado artigo 85 expressamente contempla o citado dispositivo correspondente à honra.
A Bolívia, em sua Constituição, afirma possuírem os bolivianos direito a honra e ao honor.
As duas palavras são constantes do Diccionario de la Lengua Española da Real Academia, a saber:
Honra. F. Estima y respeto de la dignidade própria// Buena opinón y fama, adquirida por virtud y mérito …
Honor. M. Cualidad moral que lleva al cumplimiento de los próprios deberes respecto del projimo y de uno mismo // …
Conhecido o alto conceito que o bolivianos, a partir de seus antepassados nativos, possuem do bem viver, ou seja, viver sem fraudar à ninguém.
Daí certamente a dupla conceituação formulada pela Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia.
Lamentavelmente, nos tempos contemporâneos, a palavra honra e seu conteúdo moral caíram em aparente desuso.
Os compêndios de Sociologia, no entanto, indicam a honra
“como um dos valores fundamentais da pessoa humana”
e diz respeito à consideração
“integral de uma pessoa em suas relações ético-sociais”.
A falta de consideração pela honra conduz as sociedades do presente a situações altamente vexatórias.
Não seria preciso retornar aos costumes da nobreza para a preservação da imagem própria e alheia.
Bastaria tentar contar com bom registro no Cadastro Positivo dos consumidores.
Estes apontamentos indicam o moderno conceito de honra.
A honra hoje tem como traço ser bom pagador.
Já é algo.
Referências.
Fairchild, Henry Pratt – Diccionario e Sociologia – Fondo de Cultura Economco – México – 1997.
Canto-Sperber,Monica – Diccionario de Ética y de Filosofia Moral – Fondo de Cultura Economico – Mexico – 2001.
Nappi, Tjiago Rodrigo – Dos sentimentos de honra na literatura política do Antigo Regime – As concepções de Montesquieu -Eduel – Maringá– 2017.
Provérbio do Século XVI in Freitas Casanovas – Provérbios e frases proverbiais do século XVI – Instituto Nacional do Livro – Brasília – 1973.