O mexicano Enrique Krauze, em estudo analítico, aborda obra de Richard M. Morse, estudioso norte americano.
Morse realizou relevante análise para a compreensão das duas Américas.
Fala-se da América anglo saxônica e da nossa América, dita latina.
O estudioso, para procurar entender as duas Américas, parte dos respectivos pressupostos filosóficos.
Vai à filosofia dos fundadores das duas sociedades.
Aponta o norte americano:
Os Estados Unidos contaram, como fundadores de seu pensamento, duas figuras clássicas inglesas.
A saber,
John Locke (1632-1704) e
Thomas Hobbes (1558-1679).
Do primeiro herdaram o individualismo e do segundo a ideia do estado onipresente.
Da soma de ambas vertentes, construíram os povos da América anglo saxônica sociedade obreira, mas nem sempre cordial.
Os latinos tomaram, particularmente no ramo hispânico, os pensadores da Escola de Salamanca.
Cita-se, como integrantes maiores dessa escola:
Francisco de Vitória (1483-1546),
Domingo de Soto (1494-1560),
Melchor Cano (1509-1560),
Juan de Mariana (1536-1624) e
Francisco Suarez (1548-1617).
O que possuíam em comum estes mestres espanhóis?
Todos eram tomistas, seguidores de Santo Tomás de Aquino (1224-1274), e, portanto, dos preceitos contidos na Summa theológiae.
Elaboraram teorias altamente qualificadas no cenário político.
Construíram o conceito de soberania popular, a que pertence ao povo e só ele é titular.
Por delegação, segundo os autores citados, o povo transfere sua soberania ao monarca.
Este passa, então, a ser titular do poder.
Deve, no uso deste mesmo poder, praticar o bem comum.
Forma-se, então, na sociedade uma pirâmide hierarquizada em camadas sociais e de núcleos satélites de poder, próprios do feudalismo.
Segundo Santo Tomas, qualquer comunidade organizada em sistema político, que respeita a dignidade humana, implica que Deus está presente.
Consequentemente, esta comunidade não pode ser atacada e nem excluída.
Esta sociedade monolítica permaneceu intacta por mais de trezentos anos.
Só se rompeu pela prisão do rei da Espanha, Fernando VII, pelas tropas napoleônicas.
Deste acontecimento, eclodem, na América espanhola, movimentos independentistas.
Paradoxalmente, segundo Morse, nesta ocasião emerge o pensamento do italiano Maquiavel, na figura dos vários caudilhos.
Os caudilhos utilizavam a artimanha e o carisma para se manterem.
No entanto, não romperam a sociedade de modelo tomista erguida pelos antepassados.
Desta soma de linhas de pensamento, aponta Morse a ausência de desenvolvimento social e econômico na América espanhola.
Vivem os hispano americanos – incluem-se aqui os brasileiros – em constante confronto entre os valores morais do tomismo cristão e as práticas maquiavélicas de dominação.
Daí decorre a natureza predominante do Estado sobre o indivíduo.
A peculiar subordinação do povo ao dirigente.
A atitude displicente perante a lei escrita pelos homens.
A lógica justiceira das insurreições, rebeliões e revoluções.
O papel do titular do Poder como eixo e promotor de energia social.
Falta aos latino americanos a força individual.
A vontade pessoal.
Dependem sempre da autoridade maior, desde suas origens.
A obra de Morse, conforme o estudo de Krause, é complexa.
Leva a indagações relevantes.
Explica, a partir de suas premissas, as diferenças entre os dois hemisférios americanos.
Um, economicamente desenvolvido, e o outro secularmente engatinhando.
Resta um consolo.
O latino americano é titular da convivialidade, ou seja, a arte de conviver.
Será?
É possível, comparados os hábitos latinos com as rudes formas de convívio de outros povos.
Referências.
Krauze, Enrique – El Pueblo soy yo – Penguin Random House – Mexico – 2018.
Morse, Richard M. El espejo de Próspero – um estudo de la dialéctica del Nuevo Mundo – México – Siglo XXI Editores – 1982.