Carlos Eduardo Herman Caggiano


DESCOMPOSTURA COLETIVA. MODA QUE AMOLA.

Diversas são as vias da manifestação de pensamento e da liberdade de expressão. A moda hoje, e a moda pega, é confrontar publicamente políticos e ex-políticos, dentro de aviões e restaurantes.

Esse tipo de conduta, adotada por alguns foliões vigorosamente animados com a oportunidade, é virótica. Tal como qualquer outro vírus, é contagiosa, e se espalha rapidamente, culminando invariavelmente num surto de abusos e dissabores.

Inobstante o constrangimento a que submetem seu alvo principal, ainda desafiam a paciência daqueles que só querem ou precisam chegar aos seus destinos dentro do horário, ou, apreciar tranquilamente uma boa refeição na companhia de amigos e familiares.

Embriagados pela pecha de justiceiros morais que acreditam ser, esses manifestantes de oportunidade sequer desconfiam que estão servindo de tropeço aos demais clientes não infectados pela ocasião, bem como tumultuando o serviço das companhias aéreas e demais estabelecimentos comerciais.

Assim, elegemos o presente tema para reflexão, tendo em vista o verdadeiro teatro de infrações causadas por esse tipo de conduta, posto que nos propomos a estudar no âmbito deste artigo, a distribuição de responsabilidades dos atores envolvidos.

E buscamos fazê-lo muito mais no intuito de exercitar o gênio analítico do leitor do que solucionar secamente a questão.

A liberdade de manifestação de pensamento é direito fundamental do cidadão, garantido pela Constituição Federal no seu artigo 5°, inciso IV.

Trata-se do direito de se expressar livremente, o que se pensa em matéria de Ciência, política, religião ou o que quer que seja. Mais ainda, diz Joé Afonso da Sila: da “liberdade do indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha: quer em pensamento íntimo, quer seja a tomada de posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se crê verdadeiro”.

Voltamos então, aos nossos fanfarrões; afinal também para esses eu escrevo. De posse dessa garantia constitucional, decidem infernizar seu alvo, o político, com elogios a granel, faltando poucos minutos para decolagem da aeronave.

Atrasam e conturbam o voo, pouco importando o fato de que os outros passageiros têm compromissos marcados, às vezes inadiáveis, como uma reunião de negócios ou uma competição eliminatória por vaga olímpica, quem sabe. O que falar então, de consultas e cirurgias marcadas há meses. Danos de todos tipos para todos os gostos.

Pois então, quem será responsabilizado? Quem vai pagar?

Lembrei-me de um Senador da República, que em recente declaração sugere aos jornalistas de uma influente revista de circulação nacional, responsáveis por veicularem falsidades a seu respeito, que comecem a contar moedinhas porque a conta vai chegar.

E vai chegar porque a lei assim determina. Ora, a parte final do inciso IV, do artigo 5°, da Constituição, o mesmo que garante a liberdade de manifestação de pensamento, também veda o anonimato.

Ou seja, você pode se manifestar mas não pode se esconder. Deverá agora apresentar-se como o autor do produto do pensamento exteriorizado, assumindo os prejuízos morais e materiais causados a terceiros.

Afinal toda má conduta deve atrair seu corretivo específico.

E mesmo em face de algarismos tão desanimadores, de rigor analisarmos o comportamento dos atores envolvidos na trama, sob o prisma da responsabilidade civil de cada um.

Para tanto, interessa a figura do político, dos demais passageiros, da companhia aérea, do Estado a quem compete manter a ordem pública – garantidor da segurança dos indivíduos na sociedade e dos nossos heróis, os manifestantes.

O político, figura atualmente em baixa, foi sem dúvida alvo de constrangimento, tendo sido ofendido moralmente e talvez, até fisicamente. Como consumidor, poderia acionar a companhia aérea, com uma ação indenizatória?

A nosso ver sim.

Porque a companhia aérea tinha o compromisso de sair no horário e chegar no horário, e, portanto, descumpriu a oferta à qual estava vinculada. Sua responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa. Nos termos dos artigos 14, 30 e 35, dentre outros, do Código de Defesa do Consumidor, deverá arcar integralmente com os prejuízos.

Todavia, poderia a aeronave ter decolado no horário previsto no cartão de embarque, com uma parte dos passageiros em êxtase, de pé, sem os cintos afivelados, em suma, sem o mínimo de segurança?

A nosso ver não, inclusive do ponto de vista legal.

Quanto aos demais passageiros, igualmente consumidores, mas que não participaram da manifestação contra o político, poderiam acionar a companhia aérea com uma ação indenizatória?

A nosso ver sim.

Pelo mesmo motivo do político. Descumprimento da oferta. O avião não saiu no horário e, por óbvio, também não chegou no horário. Além dos danos morais e materiais eventualmente sofridos.

Poderiam, ainda, o político e os demais passageiros que não participaram do tumulto, questionar judicialmente os métodos de segurança da empresa aérea?

A nosso ver,  apenas em uma única hipótese.

Caso o comandante da aeronave, ignorando a fanfarra em andamento, simplesmente tenha deixado de acionar o Estado, para que através do seu órgão competente, interferisse no sentido de restaurar a ordem pública, oferecendo, assim, condições para decolagem do avião.

Aqui, importante que se diga que apesar dos comandantes das aeronaves deterem um tipo de poder de polícia especial, decidindo quem ou não embarca, além de quem desembarca do avião, é imprescindível a presença do Estado para que sua autoridade produza algum efeito real.

Além disso, em detrimento da natureza política do tumulto e da quantidade de gente, não causaria espanto surpreender o digníssimo capitão, sem o seu quepe habitual, disfarçado de mecânico para evitar exposição na mídia, ou até mesmo juntar-se ao político, como vilão coadjuvante.

Outrossim, cumpre registrar que têm havido muitos abusos por parte dos comandantes na utilização dessa prerrogativa, os quais invariavelmente têm terminado na condenação das empresas aéreas por danos morais.

Ressalte-se ainda, que não cabe às companhias aéreas disponibilizarem segurança privada dentro do avião a quem quer que seja. Se o indivíduo está se sentindo ameaçado, que trate de contratar seu próprio staff de segurança para proteção.

Quanto à figura do Estado, naquilo que lhe competia, poderia ser responsabilizado por omissão, caso tenha sido acionado e não tenha comparecido ou chegado demasiadamente tarde a fim de evitar maiores transtornos?

A nosso ver sim, com certeza. Boa sorte.

Passamos assim ao estudo da responsabilidade da companhia aérea.

Conforme já salientamos, não cabe à ela prover a segurança particular dos passageiros, exceto no que diz respeito aos quesitos de segurança inerentes ao voo, cabendo ao Estado esse papel quando e se acionado.

Uma reflexão isenta e serena sobre este quadro revela certa dificuldade em se imputar à companhia aérea, a culpa pelo atraso do voo, já que tanto a cabine de comando como a tripulação estavam prontas para decolagem.

O tumulto foi iniciado por um ou um grupo de passageiros, que seguidos por mais alguns ou vários outros se rebelaram contra o político, impedindo a decolagem da aeronave. Supondo que o Estado tenha sido notificado pelo comandante, até que a situação não estivesse normalizada, por bem ou por mal, não havia como seguir viagem.

O artigo 14, §3°, inciso II do Código de Defesa do Consumidor, reza que o fornecedor de serviço não será responsabilizado, quando provar culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

Para isso, de rigor que esse terceiro, quer seja uma pessoa ou um grupo de pessoas, seja completamente estranho à essa relação jurídica.

A rigidez desta norma se dá com vistas a garantir a responsabilidade solidária de todos os partícipes do ciclo de produção do serviço, como a fabricante da aeronave ou a empresa responsável por fornecer a comida, por exemplo.

Ora, a relação jurídica tanto do político aviltado como de cada um dos passageiros que não participaram do tumulto, e que sofreram danos, era com a empresa aérea e com mais ninguém dentro da aeronave.

Lançando-nos à análise da situação, isolando a relação entre um passageiro específico e a empresa aérea, todos os demais passageiros são facilmente enquadráveis na categoria de “terceiros”.

E se esse terceiro ou terceiros forem, comprovadamente, os causadores do dano, deverá ser imputada a eles a responsabilidade pelos danos causados, excluindo-se a da empresa aérea.

E não nos parece difícil adivinhar quem é a figura desse terceiro ou terceiros responsáveis. Uma dica: estão na lista de passageiros, que a empresa aérea terá o prazer de fornecer. Por ordem judicial é claro. Muito embora, há que se considerar a hipótese de vazamento seletivo, outra tendência moderníssima.

Me questiono, por oportuno, se a empresa aérea poderia alegar caso fortuito ou força maior como excludente de responsabilidade?

Não me parece a melhor tática, visto que inexiste essa hipótese no Código de Defesa do Consumidor, em razão da responsabilidade objetiva e integral do fornecedor de serviços.

E, embora comtemplada pelo novo Código Civil de 2002, no seu artigo 393, o entendimento da doutrina especializada bem como da jurisprudência dominante é de que a aplicação do novo diploma civil às relações de consumo é de caráter subsidiário.

Como o legislador, ao confeccionar o Código de Defesa do Consumidor, ciente da natureza protetiva desta lei, cuidou de fixar taxativamente as excludentes que entendeu apropriadas, inexiste campo para a alegação da hipótese supracitada.

Além disto, tendo em vista a tensão social em que vive o país e dependendo da figura do político, será que o protesto por vir era, de fato, tão imprevisível assim? Fica a pergunta.

Me pergunto, também, se a companhia aérea poderia adotar uma política diferenciada, antecipando-se aos foliões, promovendo a acomodação do político na aeronave bem antes de todos?

Talvez, porém, além de não poder obrigá-lo, sob pena de constrangê-lo, poderia causar o efeito contrário, intensificando a ira dos deuses, inclusive agora contra si prórpria. Um tiro no pé.

E embora a contragosto, somos forçados a concluir que inobstante toda a confusão, os danos, as hipóteses, as excludentes, não nos surpreenderia em absolutamente nada a condenação da companhia aérea por absolutamente tudo.

E nessa hipótese sombria, não lhe restaria outra alternativa senão a ação de regresso.

Por fim, quanto à responsabilidade dos manifestantes, decidam vocês porque eu tenho um voo pra pegar.


VEJA CONSUMIDOR: UM JUDICIÁRIO QUE ENCANTA!

Em recente decisão do Colégio Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado de São Paulo, proferida em ação movidacontra o site “Americanas.com”, na qual mais uma vez tivemos a oportunidade de defender o consumidor, e ver reconhecido pelo Poder Judiciário o nosso pedido na íntegra, esse – em geral marcado por uma imagem carrancuda e autoritária – encantou-nos. Ao invés das letras frias dos clássicos textos de lei, reverenciou a pessoa.

Registrou de modo enfático suas angústias. Afagou seus sentimentos. Honrou suas crenças e riu de quem ri de nós. Oportuna, pois, a transcrição e a divulgação de trechos deste decisório, que apresenta um Judiciário sensível aos problemas do cenário do consumo, à fragilidade do indivíduo consumidor, atento à impositiva necessidade de assegurar-lhe proteção. Seguem trechos da decisão:

Recurso n.17.010 – Pinheiros – Acórdão – Voto n.1969 – JEC Pinheiros Processo 948/07.

“(…) O estorno dos valores só se deu depois do recorrente pagar todas as parcelas debitadas na sua fatura(…)o que ocorreu mesmo ele não tendo recebido o produto. A circunstância implica a obrigação da devolução dobrada do indevidamente recebido(…).

O reconhecimento da existência do dano moral (…) foi correto. Não é difícil imaginar a decepção de uma criança que espera ganhar um presente e que não o recebe no Natal. A situação, aliás, foi muito bem descrita em uma antiga marchinha (…): Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel! Com certeza já morreu, ou então, felicidade é brinquedo que não tem! Deve ser esta a sensação da criança não contemplada no tão ansiado dia. E tal sensação acaba por contaminar os adultos. Ou seja, a omissão (…) trouxe tristeza à família do recorrido no dia de Natal. Tal tristeza peculiar ofende a paz de espírito (…) e se caracteriza como dano moral, passível de indenização.

(…) Não danos de grande porte, mas daqueles que vão corroendo por dentro os consumidores (…) e que se somam ao longo do tempo para depois, de súbito, desembocarem em uma síncope nervosa ou em um ataque cardíaco fulminante e inexplicável. É adequado aqui lembrar o grande Chico Buarque: pode ser a gota d´água.

É fato que nos dias presentes há uma banalização dos danos morais. De outro lado, é bom que não se esqueça também que há uma tendência das grandes corporações colocarem na vala comum do mero aborrecimento banal toda e qualquer conduta da parte delas com relação aos seus clientes – patrimônio maior das empresas, mas tão maltratado por elas.

O caso do recorrido não foi aborrecimento banal. Ingressou no campo do dano moral pela vulneração dos direitos dele como consumidor que causou uma enorme decepção, de não ver entregue o tão ansiado presente adquirido para que o filho pudesse ser presenteado em data tão especial como a do dia de Natal. Tal espécie de sensação é passível de reparação(…)recompensando a frustração impingida“ (grifo nosso).

Parabéns Senhores Juízes Antonio Mário de Castro Figliolia, Alcides de Leopoldo e Silva Junior e Jorge Tosta pela brilhante decisão. Esse é o Judiciário que encanta!

Carlos Eduardo Herman Salem Caggiano é advogado especializado em Direito do Consumidor, já tendo exercido inúmeros cargos na Fundação Procon-SP.


CONSUMO: ATIVIDADE PERIÓDICA TAMBÉM É RELAÇÃO DE CONSUMO.

Prezado consumidor, quando desenhamos mentalmente a imagem de um fornecedor, geralmente nos surge o famoso português com o lápis atrás da orelha que encontramos toda manhã no caixa da padaria, os límpidos e movimentados corredores das grandes lojas de departamento, o aspecto sério e desconfiado das agências bancárias, o organizado requinte das autorizadas de veículos, os abarrotados shopping centers com suas decorações de época, enfim, habitualidade, cotidiano.

Em um evento beneficente, em um jantar comemorativo ou até mesmo num encontro religioso, não nos reconhecemos como consumidores porque não conseguimos atestar a habitualidade da ocasião nem conceber a idéia do lucro tipicamente comercial. Daí a nossa sensação de estarmos simplesmente em uma cena social, apertando mãos, distribuindo sorrisos, considerando a hipótese de qualquer reclamação, mesmo um resmungo, atitude vergonhosa e insensível de nossa parte.

Pois saiba, no entanto, que essas ocasiões podem muito bem configurar uma relação de consumo, cabendo a você o papel de consumidor. Mas para isso, é preciso inserir o fornecedor na definição legal. Nos termos do artigo 3.º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990,FORNECEDOR é  “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (grifo nosso).

O legislador pretendeu alcançar Deus e todo mundo com essa definição. E literalmente. Tomemos como exemplo um congresso anual de uma instituição religiosa. Trata-se de evento que ocorre apenas e tão somente uma vez por ano. Além disso, essas instituições, na sua grande maioria, não têm fins lucrativos. Entretanto, conforme se depreende do conceito de fornecedor acima, o Código é claro ao expressar que para tanto, basta desenvolver atividades. Não exigiu a habitualidade do comércio cotidiano, nem sua finalidade lucrativa.

Exige-se, sim, certa REGULARIDADE. Se o encontro acontece todo ano, há décadas, caracteriza-se comoatividade periódica, mesmo que dure só dois ou três dias, tendo na pessoa da sua promoção um fornecedor, logo uma relação de consumo.

Além do que, sabe-se que nesses congressos são montadas feiras de livros, quadros, Cd´s, DVD´s, ofertando-se, ainda, todo um conteúdo programático de palestras e sessões de autógrafos, inobstante o preço da inscrição. Posto que daí, a relação de consumo se torna indiscutível, podendo o congressista, na qualidade de consumidor, reclamar tanto dos vícios dos produtos adquiridos como do cumprimento da programação anunciada, amparado pelo Código do Consumidor.

Obviamente que as queixas deverão, sem dúvida, se pautar pelo bom senso que a ocasião requer. Em um evento festivo como esse, por exemplo, reclamar do conteúdo de uma palestra pode parecer, de fato, indelicado, diante da emoção e subjetividade a que está sujeito seu expositor. Não deve, contudo, o consumidor, aceitar com passividade alterações de última hora que lhe impossibilite usufruir do evento conforme programado, podendo tais modificações caracterizar descumprimento da oferta ou cumprimento em desacordo com a informação veiculada.

Se você não recebeu sua canequinha de brinde de participação, em razão de terem sido adquiridas menos unidades que o número de inscritos ou se não obteve o autógrafo daquele ilustre palestrante, nos quinze livros que você comprou, inclusive para presentear parentes e amigos com a tão aguardada dedicatória, devido à ausência do autor, RECLAME! Exija sua lembrança, devolva os livros, se quiser.  Afinal, rompeu-se o conteúdo do programa, frustrou suas expectativas, ora o mínimo que o fornecedor deveria garantir.

Outro exemplo bem comum de atividade periódica é a confecção e venda de bordados e porcelanas à época do Natal por determinadas pessoas, para doações. Essa generosa e regular dedicação lhes inserem no conceito de fornecedor. São pessoas físicas, que desenvolvem atividade durante certo período, todos os anos, portanto, com regularidade, podendo, assim, com base no Código do Consumidor, ser demandadas a reparar eventuais vícios nos produtos comercializados.

A finalidade lucrativa também não é requisito para a caracterização da pessoa física ou jurídica como fornecedor. O parágrafo 2.º do supracitado artigo 3.º, do Código do Consumidor, define SERVIÇO como “toda e qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração (…)”(grifo nosso). Por remuneração, entende-se qualquer forma de recebimento, que não necessariamente deva gerar lucro. Talvez só o suficiente para a manutenção da atividade, um pouco mais, um pouco menos, o que interessa é o recebimento.

Portanto, Atividade Periódica é aquela que supre o mercado de forma regular, cíclica, não necessitando da habitualidade comercial a qual estamos acostumados, nem de finalidade lucrativa para caracterizar-se como relação de consumo, e quando você caro consumidor, se deparar com tais situações, ainda que seja uma comemoração religiosa, reclame! Não é grosseria, indelicadeza, muito menos pecado. É direito seu!

Lembre-se que cada vez que você deixar pra lá, estará contribuindo para rebaixar essas atividades ao rodapé da história do direito do consumidor.

CARLOS EDUARDO CAGGIANO é advogado em São Paulo, Especialista em Direito Empresarial pelo Mackenzie e em Direito das Relações de Consumo pela PUC, foi Assistente Técnico de Diretoria da Fundação Procon-SP (rel.consumo@yahoo.com.br).


CONSUMO: ORÇAMENTO NÃO É CONTRATO!

Caro consumidor, você já adquiriu produtos ou contratou serviços só com base naquela folhinha chamadaorçamento? Pois se já, não crie o hábito. Saiba que o contrato final é imprescindível, absolutamente necessário e você deve exigi-lo antes de despender um centavo sequer.

Nos termos do artigo 40, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, “uma vez aprovado pelo consumidor o orçamento obriga os contraentes (….)”. Todavia, o fornecedor só fica vinculado aos itens obrigatórios que deve conter nesse documento que são: o valor da mão de obra – o preço dos materiais e equipamentos que serão empregados – as condições de pagamento – as datas de início e término do serviço, conforme o caput desse mesmo artigo.

Essas poucas informações parecem seduzir a retina do consumidor de forma a reputar descartáveis quaisquer outros dados acerca da contratação, não menos importantes, diga-se de passagem, abrindo mão do contrato principal pra “daqui a alguns dias”.

Ocorre que esses dados obrigatórios do orçamento, constituem um modesto universo de informações ao consumidor, que deve ser cientificado previamente, de modo suficiente e adequado, ou seja, satisfatório, acerca deTODAS as condições, direitos e deveres inerentes à relação contratual, conquanto que não lhe reste dúvida alguma sobre sua opção, pois, a liberdade de escolha do consumidor não deve ser vítima de qualquer arranhão, especialmente, por falha de  informação.

Isso porque a importância dada pelo Código do Consumidor ao direito à informação é de uma profundidade vertiginosa, consagrando-o como a grande pérola desse novo e evoluído sistema jurídico, contemplando-o em praticamente todos seus principais capítulos. A informação passou a ser parte inerente ao produto ou serviço, deles não podendo ser separada, razão pela qual deve ser perfeita.

Vejamos um exemplo. Você vai mobiliar seu apartamento que finalmente ficou pronto. Orgulhoso, com as chaves na mão, leva sua mulher até a loja de móveis, por que é ela que vai escolher e saem de lá com a folhinha do orçamento e seus itens obrigatórios, deixando vários cheques com a promessa de receber o contrato final em tantos dias. Assim, você já aderiu à relação contratual, inclusive já desembolsando parte do preço com base em quatro informações: valor da mão de obra, dos materiais e equipamentos, condições de pagamento e as datas do serviço.

Nada mais parece importante, já que os “aparentes” elementos principais não podem ser mudados. O fornecedor está obrigado, vinculado, casado com você! Só que com apenas e tão somente quatro obrigações que não traduzem a contratação em sua magnitude.

Qual era mesmo o prazo de garantia contratual?

A instalação dos móveis será feita pela própria loja, onde você foi, gostou, contratou e confia, ou por terceiro desconhecido?

As peças dos móveis cabem no elevador de serviço do prédio ou vão ter que entrar pela janela do 22.º andar ? (acredite, acontece!)

Será usado algum tipo de produto químico na instalação que ofereça risco à sua e à saúde dos demais, a ponto do ambiente só poder ser utilizado cinco dias depois? E se você já estiver lá, de volta pra casa da Sogrona?

A assistência técnica responsável pela reparação dos “defeitos” do produto é a própria loja que você confia outerceiro desconhecido?

Seus 30 cheques ficarão com a loja que você confia ou serão repassados a uma financeira qualquer, ou seja, a umterceiro desconhecido?

Não sei quanto a você consumidor, mas essas informações adicionais, que podem e devem estar no contrato final, com certeza me influenciariam a fechar ou não o negócio. São situações tão importantes e abandonadas, que na hora “H”, vão mergulhá-lo num lodo de angústia e irritação.

Infelizmente, nós consumidores nos damos por satisfeitos com algumas poucas informações, especialmente, econômicas (preço e condições de pagamento) e sempre somos surpreendidos por algum imprevisto, sendo que fomos nós que saímos da loja, só com o orçamento, deixando pra trás uma série de outras importantes condições que só virão a ser conhecidas quando do recebimento do contrato principal, sabe-se lá quando.

É certo que o Código de Defesa do Consumidor, imprimiu potente força vinculativa às informações constantes do orçamento, da publicidade, dos recibos, dos escritos particulares, dos pré-contratos,conforme prescreve seus artigos 30, 40 e 48, entretanto, os dados constantes desses documentos devem vir integrar um contrato principal. Não substituem, e sim, integram o contrato que vier a ser celebrado, que terá mais outros tantos direitos e deveres.

Portanto, o CONTRATO FINAL, ao contrário do que se pensa em razão da força que esses outros documentos ganharam, não perdeu sua utilidade e continua absolutamente indispensável para a transmissão das informações adequadas e suficientes, ou seja, SATISFATÓRIAS, para que você, consumidor, possa escolher um produto ou um serviço com consciência e segurança.

Não crie seus próprios imprevistos!

*CARLOS EDUARDO CAGGIANO é advogado em São Paulo, Especialista em Direito Empresarial pelo Mackenzie e em Direito das Relações de Consumo pela PUC, foi Assistente Técnico de Diretoria da Fundação Procon-SP ( rel.consumo@yahoo.com.br).


CONSUMO: ENTRE A CRUZ E A ESPADA

Prezado consumidor, já reparou como, hoje em dia, quando a mídia escolhe uma matéria, seu esforço para enlamear o nome de um fornecedor, seja ele lojista, banco, empresa ou prestador de serviços, é absolutamente notável. As reportagens apelativas procuram comover o público e selar o veredicto do caso antes mesmo que o fornecedor possa se manifestar a respeito. Batem à vontade e depois pedem o documento. E nós, consumidores, assumimos um aspecto de vítimas incontestes, com aquela cara de pobres coitados, muito próximos da santidade. Entretanto, sabemos bem que às vezes nos aproveitamos dessa aparência frágil de modo não muito exemplar.

Omitimos uma informação que nós achamos irrelevante ao preencher uma proposta de seguro, não fazemos as revisões do veículo como recomendado, simplesmente ignoramos avisos de racionamento de água e luz. Pegamos a senha do caixa preferencial na maior cara de pau sem termos direito. Chegamos ao cúmulo de arriscarmos nossas vidas com comportamentos infantis como não desligar nosso mp3 no momento da decolagem do avião.

Esses são exemplos onde o espetáculo se dá por nossa conta e o fornecedor não pode ser o vilão da história como sempre. Nesses casos faltou-nos agir com boa-fé, hoje princípio consagrado, especialmente, numa relação de consumo. Não basta só cumprir nossa obrigação, pagando uma prestação, a fatura ou cobrindo um cheque. Devemos estar atentos a esse princípio. E muito atentos, sob pena de virmos a ter prejuízos, não reembolsáveis por sinal.

A boa-fé convida tanto consumidor quanto fornecedor a participar da relação jurídica pautados em condutas socialmente recomendáveis como correção, honestidade, lisura, lealdade e assim permanecer até o fim.

A esse tão importante princípio da boa-fé, anexam-se alguns deveres colaterais, que dele derivam ou se compatibilizam. Aí vão alguns:

O DEVER DE COOPERAÇÃO – devemos cooperar naquilo que pudermos para que a relação junto ao fornecedor transcorra conforme combinado, independentemente se aquilo está no contrato ou não.

O DEVER DE CUIDADO –  devemos atender à qualquer situação emergencial que guarda relação com nossa relação jurídica (uma chamada de Recall do nosso veículo por exemplo).

O DEVER DE INTELIGÊNCIA – o simples fato de que o fornecedor não deve nos enganar não nos exime do dever de saber o que e com quem estamos contratando (vamos procurar pesquisar sobre o produto ou serviço, a empresa, se tem reclamações no PROCON, etc.)

O DEVER DE BOICOTE – não devemos aderir à praticas e condutas ilícitas do fornecedor (se ele está vendendo mais barato, sem nota, não vamos comprar, se algum funcionário está aceitando uma graninha para segurar ingressos, não vamos pagar, ao contrário, devemos denunciar).

O DEVER DE MANIFESTAÇÃO – quando ocorre qualquer problema no âmbito de uma relação jurídica da qual estamos participando, temos o dever de nos manifestar. Antes de procurar o PROCON ou o Juizado de Pequenas Causas, devemos notificar o fornecedor por escrito acerca da nossa insatisfação. O problema pode ser resolvido sem necessidade de processo judicial!

O DEVER DE EMPENHO – devemos nos aplicar ao máximo em qualquer curso que estivermos fazendo, comparecendo às aulas, cumprindo as orientações dos professores, enfim levar a sério, afinal, você também vai levar o nome da instituição mercado afora, não é mesmo?

Portanto caros consumidores, agir com boa-fé é obrigação e se assim não o fizermos poderemos perder nossos direitos. Todos esses deveres anexos, como já dissemos, independem do que está escrito no contrato. São normas de conduta imprescindíveis no direito moderno. Adotando essa postura, vamos nos valorizar como verdadeiros consumidores conscientes, bons cidadãos, e, ainda, resgatar a moral do brasileiro, perdida no vício do anseio por uma vantagenzinha.

Vale lembrar que a mesma faca corta o pão e o dedo.

Um grande abraço.