Arquivos Mensais: setembro 2019


A VERDADE DE CADA UM

“… julgamento de retaliação sob máscara de legalidade.”*

 

No emaranhado de ruas e becos de São Paulo, acontecem descobertas surpreendentes.

Na velha Liberdade, bairro central da cidade, onde no passado se erguia a forca, hoje encontramos o vibrante comércio da gente asiática.

Japoneses, coreanos e chineses – cada povo com sua cultura – enriquecem a vida paulistana e permitem descobertas enriquecedoras.

As livrarias do bairro da Liberdade são únicas.

Repletas de exemplares contendo ideogramas indecifráveis pelos olhos ocidentais.

No entanto, aqui e ali, o novo.

Obras escritas em línguas exóticas traduzidas para o português.

Descobertas ricas e estimulantes.

Todos conhecem uma única versão dos acontecimentos da última grande guerra no Pacífico.

A registrada pelos vencedores, os norte-americanos.

Apresentam os japoneses como povo militarizado e fanatizado, inimigo do Ocidente.

É uma visão.

A concretizada por olhos orientais não chegou até estas plagas.

Uma só versão.

A dos vencidos manteve-se sepultada nos escombros de duas bombas atômicas lançadas contra civis japoneses.

Ou devorada por chamas das bombas napalm atiradas contra a indefesa população de Tóquio.

Crimes de guerra só praticam os vencidos.

Os vencedores, desde antiga Roma, são recebidos com louros e mentiras.

Nas livrarias da velha Liberdade, no entanto, é possível encontrar obras elaboradas pelos derrotados.

Registram as injustiças praticadas pelo Julgamento de Tóquio.

Nele, dirigentes japoneses foram julgados pelos vencedores e alguns levados a morte pela forca.

Muito grave, ainda.

A ruptura imposta às tradições japonesas pelos invasores.

Valores históricos e fundantes da vida no Japão feridos.

Procuraram impor uma religião em substituição ao xintoísmo.

A crença milenar dos japoneses no “caminho dos deuses”.

Os seus princípios se originam da literatura mitológica e histórica do povo.

O xintoísmo ensina viver em harmonia com a natureza e com todas as coisas.

A natureza, os seres humanos e todas as criaturas vivas são sagradas.

Além da violência contra as crenças do povo, ocorreu, com a ocupação, outra efeito grave.

A educação tradicional do Japão baseava-se no Édito Imperial de 1890.

Segundo este documento, a educação japonesa baseava-se em 12 virtudes, a saber:

  1.  Tratar bem os pais e respeitar os ancestrais.

  2.  Amizade entre irmãos.

  3.  Contínua harmonia entre casais.

  4.  Confiança mutua entre amigos.

  5. Moderação de conduta.

  6. Estender amor a todas as pessoas.

  7. Dedicação aos estudos e desenvolvimento de capacidades.

  8. Cultivo da sabedoria e virtude, desenvolver talentos.

  9.  Desenvolver a personalidade.

  10. Prestar serviços à sociedade e à humanidade inteira.

  11. Obedecer a regras e respeitar a ordem social.

  12. Prestar serviços ao mundo com coragem.

Os ocupantes do Japão substituíram esta escala de valores por outra baseada nos modos de vida norte-americanos.

Violentaram profundamente a alma nipônica.

Geraram fragilidade na sociedade, após seis anos de presença em todos os campos da vida japonesa.

Dominaram os meios de comunicação.

Até hoje, os japoneses sofrem os resultados das ações contra seus valores históricos.

Conseguiram superar muitos dos traumas sofridos pela derrota na Guerra da Grande Ásia Oriental.

Perduram as dores morais.

A respeito, exemplar o livro de autores japoneses, residentes nos Estados Unidos.

Estudam e apontam as consequências dos terríveis acontecimentos do anos 40 do último Século lá no Extremo Oriente.

As guerras sempre deixam vestígios amargos.

Os japoneses são testemunhas desta realidade.

Basta ler: A Verdade sobre a Guerra do Pacífico.

Amargo testemunho.

 

 

 

Referência.

Koichi Mera, e os – A verdade sobre a Guerra do Pacífico – Por que o Japão lutou contra os Estados Unidos – Editora Jornalística União Nikkei Ltda. – São Paulo – 2015.

Say a little prayer – Religiões–Taschen – s/data

  • Juiz Murphy, da Suprema Corte dos Estados Unidos.


ESCLARECIMENTOS

Só a Deus se pode confessar …*

 

Em matéria publicada neste site, em 16 de setembro corrente, apresentou-se o nome da última ré da Inquisição portuguesa.

Depois de seu julgamento pelos inquisidores, aquela Corte eclesiástica foi extinta no ano de 1821.

Ana Joaquina da Encarnação, o nome da última pessoa submetida à Mesa de Lisboa.

Surgiram por parte dos leitores indagações.

Por que Ana Joaquina mereceu condenação?

Quem a denunciou ao Santo Ofício?

Boas perguntas.

Vãos as respostas:

Ana Joaquina, mulher solteira, pecou.

Não se sabe o grau do pecado.

Seria, no entanto, pecado grave e merecedor das penas do inferno.

Sentindo-se culpada, a rapariga de Leiria procurou seu confessor.

Erro grasso.

O confessor, apesar do segredo do ato, deu notícia do teor da confissão de Ana Joaquina à Mesa de Lisboa.

Ana Joaquina tornou-se ré e processada.

Suas faltas foram consideradas graves.

A pena imposta à ré consistiu em elaborar uma declaração.

No documento, indicou:

O  erro nasceu do coração. 

Não da leitura de maus livros e trato com pessoas libertinas.

Não se conhece se Ana Joaquina delatou a terceiros.

Pessoas não foram delatadas por Ana para evitar as penas do inferno.

Bastou à ré arguir a própria culpa.

Mais informações:

Consultar o processo existente nos arquivos da Torre do Tombo, lá em Lisboa.

 

 

 

 

Referências.

  • Freitas Casanovas, C.F. de – Provérbios e Frases proverbiais do Século XVI – Instituto Nacional do Livro – Brasília – 1973.

  • Marcocci, Giuseppe e o. – História da Inquisição Portuguesa – Esfera dos Livros – Lisboa – 2016.


ERRO REDIVIVO

  

…a Inquisição suprimiu a possibilidade de um pensamento criador …*

 

Coincidência.

Incrível coincidência.

11 de agosto.

Data conhecida de todos os cultores do Direito.

Em 1827, Pedro I criava os Cursos Jurídicos no Brasil.

11 de agosto.

O último inquisidor geral de Portugal toma posse em Lisboa.

Seu nome?

D. Joaquim da Cunha de Azevedo Coutinho.

Particularidade:

Coutinho era brasileiro.

Desejou restaurar a plenitude dos mecanismos do Santo Ofício.

Pretendeu reformar as instalações do tribunal e no estau.

Não atingiu seus objetivos.

Era tarde.

Por toda parte, murmúrios contra os horrores inquisitoriais.

Nas rodas de amigos, nas tertúlias acadêmicas, nas troças estudantis, um traço comum.

Censura ao Tribunal Eclesiástico e sua forma de agir.

Os métodos eram iníquos.

Traíam os princípios evangélicos.

No exterior, difundia-se a ideia de tirania e ilegitimidade dos processos inquisitoriais.

Enfatizava-se a severidade dos juízes lusitanos.

O Santo Ofício era descrito como “monstro político”.

Afirmavam: “os inquisidores eram todos umas bestas”.

Os processos inquisitoriais mereciam severas críticas.

A violência da Inquisição apontava uma instituição arcaica.

Tornara-se inaceitável, porque intolerante.

O clero enriqueceu e prosperou.

O mundanismo dos curas conduzia à dependência do poder real.

A última sentença do terrível tribunal foi proferida em 1820.

A ré, uma mulher: Ana Joaquina da Encarnação.

Seu confessor a denunciou ao Santo Ofício.

Os exageros e desatinos do Tribunal da Igreja, a serviço do poder, tiveram fim em 1821.

A “ injustiça abominável “ do Santo Ofício determinou seu fim, afirmou um deputado as Cortes Constituintes.

Os cárceres horríveis abertos à visitação pública.

A lição dos acontecimentos históricos é nítida.

Os processos que rompem princípios elementares, oriundos do Direito Natural, mais cedo ou muito mais tarde, são censurados e marginalizados.

Assim aconteceu no Portugal – e Brasil – do Século XIX.

Voltará a acontecer no Brasil do Século XXI.

Alguns – há pouco – esqueceram os limites da Leis Naturais e das promulgadas pelos representantes do povo.

Serão julgados pelos pósteres e pela História.

Basta esperar.

A violência, transmudada em Justiça, não prevalece.

 

 

Referências.

Marcocci, Giuseppe e o. –  Historia da Inquisição Portuguesa – A esfera dos livros- Lisboa -2ª edição – 2016.

Sergio, Antonio – Breve Interpretação da História de Portugal – Livraria Sá da Costa Editora – Lisboa – 1983   – * citação preambular.

Marque, A.H. de Oliveira – Brevíssima História de Portugal – Tinta da China – Rio de Janeiro – 2018.


ALERTA DE BOBBIO

Os gênios também erram.

 

Uma praga assola a humanidade.

Há séculos alguns agem sem limites.

Acham-se senhores de todas as verdades.

Não passam, porém, de simplórios repletos de maledicência.

Quando alguém do vulgo age contra outro, aponta-se para a agressividade tosca.

Quando, porém, o ato origina-se de personalidades festejadas encontra-se o prejuízo mais abjeto.

Fala-se aqui do preconceito racial.

Esta praga, que atormenta os grupos sociais,  indica erros acumulados através de séculos.

Na leitura das aulas do professor Norberto Bobbio, proferidas em Torino, no Acadêmico de 19775/1976, encontram-se textos explicitados pelo mestre que produzem perplexidade.

Indicam o produto intelectual de uma época, mas, ao mesmo tempo, registram deformação moral de seus autores.

Eles não são qualquer um.

Ao contrário, autores festejados por acadêmicos e difundidos por toda a parte.

Figuras consideradas as maiores do pensamento europeu nos Séculos XVIII e XIX.

De quem se fala?

De duas figuras estrelares da cultural ocidental:

Montesquieu e Hegel.

Bobbio, em suas exposições, objeto de apurado estudo prévio, registra duas passagens dos autores.

Elas levam à perplexidade, a saber: 

“ Não se pode acreditar que Deus, que é um ser muito sábio, possa ter posto alma, e sobretudo uma alma boa, em um corpo negro …É impossível para nós superarmos isto, se poderia começar a acreditar que nós mesmos não somos cristãos”

A barbaridade exposta conta com continuidade em outro autor célebre, G.W.F. Hegel.

Veja-se:

“De todas estas questões resulta que o que caracteriza a índole do negro é o desregramento. Esta sua condição não é suscetível de qualquer desenvolvimento ou educação: como são vistos hoje, assim sempre foram. Na imensa energia do arbítrio sensível que os domina, o momento moral não tem qualquer poder preciso. Quem deseja conhecer manifestações espantosas da natureza humana, pode encontra-las na África. “

A leitura, destas duas inacreditáveis citações, aponta para o olhar de alguns europeus para os demais povos.

Acham-se superiores.

Falam de cima para baixo.

É, pois, preciso cuidado quando se realizam críticas às nossas autoridades a partir da visão europeia.

Pode-se estar repetindo atitudes preconceituosas, tais como as originarias de dois afamados autores.

Tudo se pode perdoar dos gênios.

Jamais  posições repletas de patético preconceito.

Devem estas falhas de caráter ser expostas, tal como fez Norberto Bobbio, para se evitar que tolices não se propaguem.

Os autores considerados geniais também erram.

E como.

 

 

 

Referências.

Bobbio, Norberto – La Teoria dele forme di governo nella Storia del pensiero politico – Anno Academico 1975-1976 – G. Giappichelli- Editore – Torino – 1976

Hegel, G.W.F. – Lecciones sobre la Historia de la Filosofia – Fondo de Cultura Económico – Mexico – 1996

Spirito dele leggi – Montesquieu – Utet – Torino – 1952

Tradução dos textos citados a partir das aulas de Norberto Bobbio.