A América Latina evoluiu.
Houve épocas que, a rotina, eram os golpes de estado armados.
A força era o argumento.
Os caudilhos infestavam o território deste continente.
Desde o Caribe até a Argentina, só se apresentavam lutas sangrentas.
A Colômbia, para se tomar um exemplo, conheceu, entre os anos de 1803 à 1903:
– nove guerras civis gerais,
– catorze guerras civis locais,
– duas guerras internacionais contra o Equador,
– três golpes de quartel e
– uma conspiração fracassada.
É digna de menção tal atividade bélica.
Não foi diferente na Argentina, onde as províncias lutavam entre si como irmãos bíblicos.
Basta ler a obra de Sarmiento para se compreender o espírito dos caudilhos.
Lá está retratado, entre outros, El Chaco, o último dos montoneros das planícies.
Corre-se ao pequeno Uruguai.
Encontra-se Artigas, suas lutas contra as Províncias Unidas do Rio da Prata.
Sobe-se até o titular da primeira Constituição latino-americana, o Haiti, em 1801.
Lá um oceano de sangue de brancos e negros.
Qualquer espaço geográfico em que se lance o olhar: tragédias e horrores.
Um autor colombiano, com cinismo e clareza, definiu a situação social de seu país:
“ A guerra era, de certa maneira, uma grande diversão, uma festa, o sublime esporte do povo, secularmente cansado de viver entre a pobreza e o pecado”.
É amargo, mas tal pensamento contém uma triste realidade.
Basta ver o que ocorre no Rio de Janeiro, em particular, e por todo o Brasil em geral.
Os grandes tiroteios tornaram-se um esporte de risco.
Participam grupos rivais e atingem a população não engajada.
Mero divertimento.
Evoluiu, porém, em matéria de golpes a América Latina.
Já não se concretizam quarteladas ou golpes de força com baionetas e metralhas.
Refinou-se.
Avançou por espaços mais edulcorados.
Muitas vezes em pretórios se faz a Justiça desejadas por alguns e assim se afastam os outros.
É fisicamente inodoro.
Causa danos psicológicos coletivos de monta.
Não importa.
A consequência é desastrosa.
Ninguém acredita em ninguém.
Ontem, militares ou caudilhos levavam a culpa pelas estripulias institucionais.
Amanhã, como os historiadores irão retratar o período em que vivemos?
Delatores sem escrúpulos e operadores do Direito sem limites terão que responder pelos seus atos.
Se fará Justiça histórica.
É inevitável.
Os participantes atuais estarão mortos.
Ninguém responderá pelos desmandos verificados.
É a nova fase da América Latina:
golpes de Estado sem armas.
Basta o domínio do aparato judicial.
Tudo se resolverá.
Sem armas e sem tiros.
Aí está a Venezuela para confirmar esta verdade.
O oficialismo dominou o Tribunal Superior de Justiça, o Conselho Nacional Eleitoral e a Procuradoria Geral.
Tudo continuou como antes.
Pobre América Latina.
Chore-se por ela.