Diretora da Faculdade de Direito-USP/RP. Professora Associada Plena de Direito Constitucional do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito –USP. Doutora e Llivre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Presidente da Comissão de Pós-Graduação –FDUSP. (2008-2016). Professora Titular de Direito Constitucional e Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Empresarial (pós-graduação “lato sensu”) da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Procuradora municipal (1972 – 1996). Procuradora Geral do Município de São Paulo (1994-1995). Secretária dos Negócios Jurídicos do Município de são Paulo (1996). Chefe de Gabinete do Vice-Governador do Estado de São Paulo (2003-março/2006). Assessora Especial do Governador do Estado de São Paulo (2006). Assessora Especial da Secretaria dos Negócios Jurídicos (PMSP) de 2008 -2012. Líder do GP Reforma Política (CnPq).
M O Ç Ã O
O advento da Consulta formulada pela Senadora da República, Lidice da Mata e Souza[1], perante o E. Tribunal Superior Eleitoral, colocou em debate e à apreciação da mais alta Corte Eleitoral do pais tema sensível, a exigir um reposicionamento dos Tribunais e do Legislador acerca da persistente tendência – no Brasil – de manter a mulher afastada do cenário político partidário. Pela inércia e por força de mera conduta abstencionista, os detentores do Poder acabaram por garantir a exclusão da presença feminina dos polos decisionais.
Com efeito, foi longo o período de hibernação da mulher na política. E longo e atribulado foi o percurso até a conquista da cidadania no seu primeiro grau – ou seja integrar-se no corpo eleitoral, posição conquistada, entre nós, tão só no século XX[2]. No entanto, já portadora do status de cidadã, sua participação no panorama político continua reservada à presença nas urnas, na qualidade de eleitora, ou seja, ainda como cidadã de primeiro grau. Escassos os avanços quanto ao exercício do jus honorum – o outro lado do direito de sufrágio – a face da participação política efetiva, o indicador da possibilidade de ocupar postos de tomada de decisões.
Verdade que o legislador e a Justiça Eleitoral vem, timidamente, corroborando toda uma atuação da sociedade civil organizada visando incentivar as mulheres a abandonar os bastidores do poder – esta postura letárgica – fortalecendo este contingente de molde a viabilizar sua participação política e isto nos dois polos do ius sufragii – o ativo e o passivo, garantindo-lhes a plena cidadania.
Nesse diapasão cumpre apontar a Lei n. 12.035/2009 que ampliou para 30% e tornou obrigatória a presença da candidata-mulher nas listas partidárias ou das coligações. É o sistema de cotas aplicado em apoio ao efetivo exercício dos direitos políticos da mulher. Mais ainda, cabe recordar o acréscimo do item IV ao art. 45 da Lei partidária (Lei n. 9096/95, alterada pela Lei n. 13.165/2015) impondo aos partidos políticos, por intermédio dos atos propagandísticos pela rádio e TV, a “promover e difundir a participação política feminina, dedicando às mulheres o tempo que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 10% (dez por cento)”.
Insuficientes e insatisfatórias as medidas. Até porque trouxeram como reflexo imediato burlas verificadas na produção das listas de candidatos e a célebre figura das candidatas “laranja”, ou seja meras figurantes, muitas delas sequer cientes de que o respectivo nome era utilizado para compor a lista partidária. E, em pleno século XXI, no que toca à inserção da mulher nos quadros da política, o Brasil permanece em pior posição com um percentual de 9,9%,[3] denotando que, apesar de a Constituição de 5 de outubro de 1988 ter dedicado um significativo espectro aos direitos fundamentais, a inserção da mulher na plataforma da atuação política resta, até hoje, prejudicada. O cenário se oferece ainda mais grave se comparados aos dados registrados no caso da Bolívia, do México e do Equador – apenas para ilustrar – que apresentam índices elevados de, respectivamente, 53,1%, 42,4% e 41,6% no que respeita à participação da mulher na política.
Sob este particular aspecto, a Consulta formulada ao E. Tribunal Superior Eleitoral traz nova esperança quanto à introdução de providências a incrementar a atividade política feminina, a assegurar à mulher assentos nos órgãos diretivos dos partidos políticos, a lhe garantir presença nos polos decisionais. Na realidade, o percentual de 30% na composição das Comissões de direção das agremiações partidárias viria refletir a aplicação do principio da simetria, porquanto retrataria a transposição da regra aplicada à confecção das listas para a conformação dos organismos que as elaboram. O tratamento atenderia plenamente ao cânone da simetria. Demais disso, a proposta iria concorrer para maior lisura na aplicação do sistema de cotas (30%) femininas para a elaboração das listas de candidatos. Operaria como um redutor da possibilidade de fraudes, pois estas listas agora seriam confeccionadas com a participação da mulher e sob o seu atento olhar.
Enfim, a ampliação da força eleitoral feminina progride. O processo eleitoral de 2016 apontou um universo de 52% de mulheres votantes e dispostas a manifestar sua vontade política pelo voto. Superou o contingente masculino de eleitores. Demanda e impõe, porém, o esforço de todos a incentivar e dar efetividade à presença da mulher no exótico e hegemônico mundo interna corporis dos partidos.
Há temas que saem do noticiário e parecem desimportantes.
O esquecimento é forma de fragilização das mentes individuais e dos povos.
Já não se ouve referências ao colonialismo.
Suas consequências, no entanto, se encontram presentes em grandes regiões do planeta.
No Oriente Médio, aspectos do colonialismo conduzem a conflitos bélicos e religiosos de extensão considerável.
São tão graves estes conflitos que se espalham – por intermédio do terrorismo – por todos os continentes e atinge os chamados países centrais.
A nossa América, a partir do Século XVI e por longo tempo, foi vítima das ações colonialistas.
Nenhuma das três Américas se viu distante da sanha colonialista.
Quando esta se dirigia à busca das riquezas naturais era grave, mas reversível, em alguns casos.
Dramático é quando o colonialismo avançou sobre as populações autóctones, destruindo culturas e violando existências humanas.
O genocídio contra os naturais da América colonizada pelos ibéricos é conhecido.
Desde a civilização asteca, passando pelos maias, e atingindo os povos guaranis, todos conheceram um extermínio virulento e cruel.
Contudo, este fenômeno não ocorreu apenas no espaço de conquista dos ibéricos – espanhóis e portugueses – mas também lá acima do Rio Grande.
O Canadá, aparentemente tão à margem de grandes tragédias e conflitos, conheceu uma das ações mais infames do colonialismo.
Estas ações se deram no chamado Canadá moderno (1867).
Milhares de crianças autóctones foram retiradas de suas família, a força se necessário, e entregues a estabelecimentos religiosos.
Estima-se que mais de 150.000 crianças foram internados em pensionatos.
Esta prática levou a abusos físicos, sexuais e a suicídios.
Deixou, como óbvio, profundas sequelas em suas vítimas.
A violência contra a dignidade dos povos autóctones visava eliminar as línguas indígenas e romper os traços familiares e comunitários.
Somente em 2006, após longa luta política e jurídica, um acordo legal foi estabelecido.
Criou-se a Comissão da Verdade e da Reconciliação.
Os seus trabalhos se estendem no tempo, mas as sequelas deixadas na alma de milhares de pessoas permanecem.
As igrejas envolvidas neste infame processo buscam rever os males produzidos por este passado comprometedor.
Muitos canadenses consideram, no entanto, a atual política adotada, após a criação da Comissão da Verdade e da Reconciliação, mera política de distração.
Esta mesma política de distração que se adota, aqui no Brasil, para a revisão de nossa convivência com fortes traços colonialista.
É só observar ao redor de cada um.
Referências
Roussel, Jean-François – Iglesias y teologia en Canadá depues de los pensionatos autóctones – Los dificiles caminos de la verdad, de reparicíon y de la descolonización.
In Concilium – Revista Internacional de teologia – Tema monográfico: Minorías – junho de 2017.
Editorial Verbo Divino – Editora Vozes – Petrópolis.
Borja, Rodrigo – Enciclopedia de la política – Fondo de Cultura Económica – México – 1997.
Em sua obra Principia iuris, o jurista italiano Luigi Ferrajoli apresenta um sem número de notas bibliográficas.
Estas permitem ao leitor aquilatar a cultura do autor e ingressar em inúmeros temas relevantes.
As notas são lançadas ao término de cada capítulo e apontam para um conhecimento enciclopédico de Ferrajoli.
Este constitucionalista nasceu em Florença e, a partir de 1970, lecionou na Universtà degli Studi di Camerino.
Em 2003 transfere-se para Università Roma Tre, onde é professor emérito de Filosofia do Direito.
Ferrajoli é jurista culto e combativo, ainda no último referendo ocorrido na Itália, quando se buscava grande alteração nos poderes da República, ingressou em dura polêmica com o primeiro ministro Renzi.
As teses que defendeu – todas contra a reforma pretendida – foram vitoriosas. Os eleitores rechaçaram qualquer mudança nos poderes da República.
Mantiveram-se os poderes tais como desenhados pelos constituintes do pós-guerra. Uma vitória do bom senso e das tradições políticas italianas.
Aqui, porém, vamos nos debruçar sobre a nota n.23 contida no capítulo XV – Los contenidos de la democracia liberal y democracia social.
Ela se mostra atual em face a múltiplos acontecimentos verificados, na área dos costumes, em nosso país.
Dá notícia esta nota de polêmica surgida em agosto de 1948 a partir de decisão proferida pelo Tribunal de Ferrara.
Ferrara é cidade localizada no norte da Itália, na região da Emilia-Romagna, conhecida pelas vitórias do Partido Comunista, durante muitos anos.
A decisão referida, emanada do caso Poldino, é próprio dos momentos de acirramento dos ânimos e das paixões políticas.
Um pai foi separado dos filhos por ser um “perfeito ateo”.
Ou seja, os membros do Tribunal decidiram que aquele que é descrente não pode ser bom orientador de seus filhos.
O caso, conta Ferrajoli, gerou à época rico debate entre juristas peninsulares.
Colocou-se como apoiador da decisão Enrico Allorio e Walter Bigiavi contra a mesma decisão.
Na polêmica, envolveram-se Tulio Ascarelli, Paulo Brile, Francisco Carnelutti e outros.
Registra Ferrajoli que a questão foi resolvida pela sentença da Corte Constitucional n. 117/1979, que equiparou o ateísmo à religiosidade.
As Cortes Constitucionais são caixas de surpresa e, comumente, aqui como lá, marcham contra os valores e a cultura da sociedade.
É só acompanhar o que acontece no Supremo Tribunal Federal pátrio.
Referência.
*Ferrajoli, Luigi – Principia iuris – Teoria del derecho y de la democracia – Editorial Trotta – 2ª edição – 2016
Nas oportunidades em que a preocupação com a segurança jurídica se apresenta, recorro ao velho e sábio Piero Calamandrei.
O professor italiano, com seu extraordinário bom senso, sempre nos ensina como compreender e aplicar o direito positivo.
Viveu em período difícil da história da Itália.
Sofreu as limitações impostas pelo fascismo ao livre pensamento.
Conviveu com o movimento glorioso e amargo da Libertação.
Neste período, sua inteligência aguda ofereceu lições aplicáveis à realidade brasileira contemporânea.
Hoje, aqui no Brasil, alguns juristas, inclusive ministros dos tribunais superiores, acompanhados de juízes de instâncias menores, lançaram-se na aventura do Direito Livre.
Pensam que podem tudo.
Criam normas e aplicam a casos concretos.
Levam a anomia ao sistema jurídico.
Confundem e atordoam os operadores do Direito.
Pensam ser imbuídos de uma graça divina.
Desenvolvem e aplicam as mais estapafúrdias teses.
Discute-se as prerrogativas do Congresso.
Mera aplicação do disposto no texto constitucional.
Eles, no entanto, geram polêmicas.
Falam a respeito do que não está em questão.
Pergunta-se sobre a extensão da competência do Congresso Nacional para conhecer eventuais penas – estrito ou lato senso – aplicadas a parlamentares.
Aí, divergem a partir de visões subjetivas da vida deste ou daquele parlamentar.
Essa semana conheceu uma das mais constrangedoras sessões do Supremo Tribunal Federal.
Os ministros abordaram as diferenças entre ricos e pobres.
Apaniguados e despojados.
Não era o tema da questão.
A causa era técnico-jurídica e como tal devia ser julgada.
Uma verborragia se desenvolveu durante largas horas.
A cidadania inerte a tudo assistiu apalermada.
Aqui volta-se a Calamandrei, antídoto à indigência intelectual nativa.
O mestre de Florença, com sabedoria dos antigos, ensinou:
Al giudice (e più in generale al giurista) non spetta discutere la bontà politica delle leggi; spetta soltanto, in quanto giudice e in quanto giurista, osservarle e farle osservare.[1]
Mais ainda:
Tutti i fattori politici devono essere portati alla valutazione degli organi competenti a creare le leggi, non degli organi, quali sono in prima linea i giudici, ai quali spetta soltanto applicarle così come sono.[2]
Tudo muito claro e preciso.
Que lástima: os contemporâneos inventaram a interpretação conforme seu próprio pensamento.
Não exercem a mera aplicação da norma posta.
A criatividade, no caso, somada à vaidade,leva a violação do sistema legal.
Pobre Estado de Direito.
Infeliz cidadania.
Suporta a plena insegurança jurídica.
Referência.
Calamandrei, Piero – Opere Giuridiche – La Giuridizione – volume IV – Morano Editore – 1970.
[1] Ao juiz (e mais geralmente os juristas) não compete discutir a bondade política das leis, compete apenas, enquanto juiz e enquanto jurista observá-las e fazer observá-las.
[2] Todos os fatores políticos devem ser considerados na valorização dos órgãos competentes para criar a lei, não dos órgãos os quais se encontram em primeira linha os juízes, a esses compete apenas aplicar as coisas como são.