POBRE ESTADO DE DIREITO


 

Nas oportunidades em que a preocupação com a segurança jurídica se apresenta, recorro ao velho e sábio Piero Calamandrei.

O professor italiano, com seu extraordinário bom senso, sempre nos ensina como compreender e aplicar o direito positivo.

Viveu em período difícil da história da Itália.

Sofreu as limitações impostas pelo fascismo ao livre pensamento.

Conviveu com o movimento glorioso e amargo da Libertação.

Neste período, sua inteligência aguda ofereceu lições aplicáveis à realidade brasileira contemporânea.

Hoje, aqui no Brasil, alguns juristas, inclusive ministros dos tribunais superiores, acompanhados de juízes de instâncias menores, lançaram-se na aventura do Direito Livre.

Pensam que podem tudo.

Criam normas e aplicam a casos concretos.

Levam a anomia ao sistema jurídico.

Confundem e atordoam os operadores do Direito.

Pensam ser imbuídos de uma graça divina.

Desenvolvem e aplicam as mais estapafúrdias teses.

Discute-se as prerrogativas do Congresso.

Mera aplicação do disposto no texto constitucional.

Eles, no entanto,  geram polêmicas.

Falam a respeito do que não está em questão.

Pergunta-se sobre a extensão da competência do Congresso Nacional para conhecer eventuais penas – estrito ou lato senso –  aplicadas a parlamentares.

Aí, divergem a partir de visões subjetivas da vida deste ou daquele parlamentar.

Essa semana conheceu uma das mais constrangedoras sessões do Supremo Tribunal Federal.

Os ministros abordaram as diferenças entre ricos e pobres.

Apaniguados e despojados.

Não era o tema da questão.

A causa era técnico-jurídica e como tal devia ser julgada.

Uma verborragia se desenvolveu durante largas horas.

A cidadania inerte a tudo assistiu apalermada.

Aqui volta-se a Calamandrei, antídoto à indigência intelectual nativa.

O mestre de Florença, com sabedoria dos antigos, ensinou:

 

Al giudice (e più in generale al giurista) non spetta discutere la bontà politica delle leggi; spetta soltanto, in quanto giudice e in quanto giurista, osservarle e farle osservare.[1]

Mais ainda:

 

Tutti i fattori politici devono essere portati alla valutazione degli organi competenti a creare le leggi, non degli organi, quali sono in prima linea i giudici, ai quali spetta soltanto applicarle così come sono.[2]

Tudo muito claro e preciso.

Que lástima: os contemporâneos inventaram a interpretação conforme seu próprio pensamento.

Não exercem a mera aplicação da norma posta.

A criatividade, no caso, somada à vaidade,leva a violação do sistema legal.

Pobre Estado de Direito.

Infeliz cidadania.

Suporta a plena insegurança jurídica.

 

 

Referência.

Calamandrei, Piero – Opere Giuridiche – La Giuridizione – volume IV – Morano Editore – 1970.

 

[1]  Ao juiz (e mais geralmente os juristas) não compete discutir a bondade política das leis, compete apenas, enquanto juiz e enquanto jurista observá-las e fazer observá-las.

 

[2]  Todos os fatores políticos devem ser considerados na valorização dos órgãos competentes para criar a lei, não dos órgãos os quais se encontram em primeira linha os juízes, a esses compete apenas aplicar as coisas como são.

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