Os poderes ilimitados são um monstro em politica*
Há momentos da História marcantes.
Seguramente, entre estes, encontra-se a Revolução Francesa.
A grande ruptura acontecida, na vida política francesa, a partir de 8 de agosto de 1788, é impressionante.
Nesta data, foram convocados os Estados Gerais.
Começariam a atuar a partir de 1º de maio do ano de 1789.
Os acontecimentos sucessivos apresentaram-se dinâmicos.
A monarquia parecia intocável.
O rei convocará os Estados Gerais.
Os súditos curvaram-se perante o soberano.
Não era, porém, bem assim.
A pequena burguesia, composta pelos que efetivamente trabalham, exigia participação no grande conclave.
Obteve sucesso.
O Conselho decidiu, em dezembro:
O terceiro estado – os burgueses – contariam com idêntico número de deputados concedidos a nobreza e ao clero.
Aqui, começa a Revolução Francesa.
O terceiro estado não se conformava com os privilégios da nobreza e do clero.
Conseguiu êxito, mais uma vez.
Aboliu-se a nobreza hereditária e os títulos nobiliárquicos.
Os eclesiásticos julgados suspeitos.
Deviam jurar fidelidade aos princípios revolucionários.
A liberdade de culto é conquistada.
Implantada a separação da Igreja do Estado.
Entre estes episódios marcantes, no dia 26 de agosto de 1789, ocorreu proclamação fundamental para todos os povos:
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Muitas figuras podem ser recolhidas deste tumultuado período da História francesa:
Necker, ministro da Fazenda de Luiz XVI, o rei guilhotinado em 1793, Robespierre, Voltaire, Marat, Diderot, D ‘Alembert, Condorcet, Mirabeau, Danton, Saint Just, Saint-Simon, Couthon, Mably, Babeuf e muitos outros.
Uma personalidade, no entanto, marcou com nitidez a cultura jurídica francesa da época.
Claro que, neste passo, todos se recordaram de autores anteriores ao processo revolucionário.
De pronto citarão Montesquieu, seu sempre citado O Espirito das Leis, e Rousseau, autor do Contrato Social.
Ambos marcaram a vida política da França e, por extensão, dos povos da América, naquela época em pleno processo de independência.
Eram intelectuais diletantes.
Nunca se envolveram diretamente com a política ativa.
Há, contudo, figura altamente relevante, nem sempre lembrada.
Atuou diretamente no jogo político.
Pensou soluções para as questões complexas.
É figura fundamental.
O estudo de seu pensamento é essencial, especialmente aqui no Brasil contemporâneo, quando se pretende alterar regras eleitorais.
Fala-se de Emmanuel-Joseph Sieyès, importante pensador da Revolução de 1789.
Examinou escaninhos do Direito Público.
Paul Bastid afirma ser a Teoria Constitucional de Sieyès a mais autentica ideologia nacional francesa.
Sieyès foi intelectual de ação.
Participou ativamente da política.
Os seus escritos refletem combate permanente.
É clássico o seu “ Quést-ce que le Tiers Etat?
Nesta obra, O que é o Terceiro Estado?, após análise do comportamento dos segmentos sociais, Sieyès aponta para a representação da nação.
Concebe o mandato representativo, a partir da ideia de nação:
Insuflado pela tese da soberania nacional passa o mandato a ser concebido como pertencente à nação e o representante, nesta qualidade, conquista a liberdade de acordo com sua própria consciência …
Eis o mandato eletivo presente em todas as democracias.
Foge da armadilha criada por Rousseau, defensor da vontade geral ou, ainda, da soberania popular.
Aqui, um registro oportuno, quando os nossos parlamentares, lá em Brasília, desejam adotar o distritão, vigente no Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Ilhas Pitcaim.
Na sua época, Sieyès combatia a adoção pelos franceses da Constituição inglesa.
Afirmava peremptoriamente:
“O espírito de imitação não é apropriado para nos conduzir bem.
Uma lição pouco ouvida pelos parlamentares brasileiros.
Preferem abandonar a forte tradição nacional, contida no voto proporcional, para adotar um monstrengo.
Voltemos a Sieyès.
Ele vai além.
Em uma época em que todo o constitucionalista fala em Kelsen e nos pais fundadores dos Estados Unidos, para dar aulas sobre os Tribunais Constitucionais, é bom recordar.
Em plenos trabalhos revolucionários, lá no Século XVIII, em discurso proferido, Sieyès expõe longamente sua proposta para criar o
Jury Constitutionnaire.
Exatamente isto.
Concebe a jurisdição constitucional ou uma Corte Constitucional.
Oferece suas atribuições com clareza.
A corte seria guardiã da constituição.
Entre suas funções encontrava-se “melhorar o texto constitucional”.
Apresentou, a respeito projeto com 17 artigos.
A escolha dos membros integrantes da Corte seria de maneira paritária.
Nada de indicação por uma única pessoa.
As indicações teriam origem tripartite:
Assembleia Nacional,
Assembleia Legislativa e
Convenção.
Um dado oportuno nestes tempos de fúria pela transparência.
Sieyès foi taxativo em seu projeto de Corte Constitucional:
As sessões do júri constitucional não serão públicas.
Há muito mais a falar sobre o pensamento constitucional de Emmanuel-Joseph Sieyès.
Fica esta pequena amostra da alta sensibilidade e inteligência deste homem altamente controvertido.
Foi revolucionário de primeira hora e de hora primeira apoiador de Bonaparte.
Coisas da política.
Referências:
Morán, David Pantoja – Escritos Políticos de Sieyès – Fondo de Cultura Economica – México.
Franco, Bernardo Mello – Brasil, capital Cabul – coluna – Folha de S. Paulo – A2 – 11 de agosto de 2017.
Caggiano, Monica Herman Salem – Direito Parlamentar e Direito Eleitoral – Manole – Barueri – 2004.
Fassó, Guido – Storia dela filosofia del diritto – L età moderna – Il Mulino – Bologna – 1968.
Bastid, Paul – Sieyès et sa pensée – Hachette – Paris – 1970.
* Sieyès