Não há coisa encoberta que se não descubra, nem tão oculta que se não saiba. *
Em sessão repleta de elogios recíprocos, em primeira discussão, o Senado da República aprovou a extinção do foro privilegiado.
O instituto – foro especial por prerrogativa de função – encontra-se presente, há muito, nas Constituições pátrias.
Concedia a detentores de cargos eletivos, junto com outras autoridades, a possibilidade de serem, tão somente, processados por tribunais superiores.
Jamais por juízes singulares.
Estes, segundo a tradição, podiam ser engolfados pelas emoções políticas momentâneas e, assim, praticar atos deformados pelas circunstâncias.
Uma só andorinha pode se locomover por cenários insólitos.
Um bando de andorinhas acerta o destino.
No caso particular, um juiz isolado, sozinho, na solidão de seu gabinete, pode praticar injustiça.
O mesmo, segundo os defensores do foro privilegiado, não ocorre com os tribunais, sempre composto por coletivos de julgadores.
Assim é se lhe parece.
E assim foi durante mais de um século.
De repente – não mais que de repente – as coisas mudaram.
Afirmam, agora, parlamentares que há um clamor das ruas.
Seria inadmissível que, em uma república, alguns fossem mais diferentes que os outros.
Ou seja, todos são iguais perante a lei.
Certo.
E, por certo, movimentaram-se nas casas legislativas federais para que a excrecência fosse extraída da Carta Maior.
Aconteceu, em primeiro turno, na última semana no Senado Federal.
Caso aprovada, a final, a Proposta de Emenda à Constituição o foro privilegiado ficará extinto.
Todos serão processados e julgados pela jurisdição comum.
Nada de tribunais locais ou federais para conhecer de ações propostas contra os privilegiados pela Constituição de 1988.
O rol é enorme.
Vai de governadores a ministros. De vereadores a senadores.
Fogem à nova regra geral, os presidentes da República, das Casas do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
Continuam submetidos ao Tribunal Maior.
O privilégio de foro confere, segundo os senadores, à classe política verdadeiro privilégio odioso.
O tema tornou-se mais agudo em virtude da lerdeza do Supremo Tribunal Federal.
Em centenário período, a mais Alta Corte teria condenado tão-somente um parlamentar.
As coisas mudaram com o Mensalão, a famosa ação 470.
Figurões da República, até então intocáveis, foram expostos a execração pública e severamente apenados.
Agora, apesar da lerdeza do Supremo Tribunal Federal, encontra-se em pauta escabroso caso, popularmente denominado de Lava Jato.
A mesma firmeza registrada no Mensalão poderá ser demonstrada pelos ministros da Corte Maior na Lava Jato.
O julgamento pelo Supremo, antes privilégio, tornou-se pesado ônus.
As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal não comportam recursos. São finais.
O temor, seguramente, invadiu os Parlamentos.
Jogar o jogo em um só lance é um perigo.
Melhor ser submetido a julgamento por juiz singular.
A decisão comportará sem número de recursos, tão conhecidos dos bons advogados.
Assim, baseados, segundo afirmam, no clamor das ruas – ou vozes dos ministros do Supremo ? – os parlamentares foram em busca de privilégio próprio do cidadão comum:
Ver sempre a sentença submetida a recurso até uma longínqua decisão a ser proferida lá nas calendas gregas.
Foram além.
Transformaram a vedação ao foro privilegiado em cláusula pétrea.
O artigo 5º da Constituição, já tão pródigo em dispositivos, passou a contar com mais um inciso, o de número LXXIX.
Pode ser o exposto mera elucubração.
Como em Brasília não há ingênuos, é para ficar com o pé atrás.
No País dos privilégios, todos quererem ser iguais?
Será?
Esmola demais, o santo desconfia.