Corruptissima republica plurimae leges
(Tácito, Annuali, lib.III,cap. 27)*
A atual crise brasileira conta com inúmeras variáveis.
Pode-se examinar o contexto econômico. Avançar pelo campo político. Ou ainda debruçar-se pelo pantanoso espaço moral.
Cada um dos cenários indicará elementos altamente importantes para captar a catástrofe em que se converteu o Brasil.
Os analistas esquecem, no entanto, variável importante e pouco registrada nas observações sobre o presente momento nacional.
Fala-se, aqui, da imensa e tão esmiuçada área atinente ao Direito.
Já se disse, no passado, que todo brasileiro era um rábula.
Hoje, poderia se afirmar, sem perigo de erro, que quase todo brasileiro é um bacharel em Direito.
O Direito – mesmo que aplicado de maneira hipócrita – sempre, pois, se colocou como tema de debate permanente em nossa sociedade.
Formada na velha escolástica, o debate inócuo sempre esteve no cerne de nossa cultura livresca.
Todo brasileiro, dito culto, quando aprende a escrever e a ler, torna-se um glosador.
Não cria, mas dá sua opinião jurídica sobre os mais variados temas legais.
Vive-se, com este agir, certo bem estar intelectual.
Toda elite aparenta falsa cultura e, ainda assim, pensa-se apta a imitar com destrezas as escolas jurídicas francesa e italiana.
Convive-se, particularmente, em nossas academias, com uma falsa demonstração de inteligência e pior endemia verborrágica.
As nossas leis vinham do passado.
Do Império recebemos o Código Criminal e o Código Comercial.
A Velha República, graças a figuras admiráveis, ofereceu um Código Civil preciosamente elaborado por um verdadeiro jurista, Clóvis Bevilaqua.
O Estado Novo, apesar dos sacrifícios à liberdade, gerou uma Consolidação das Leis do Trabalho que perdura, apesar dos esforços em contrário, até a atualidade.
A redemocratização dos anos 40 permitiu a elaboração de uma Constituição de perfil liberal de boa categoria.
O Regime Militar, entre suspiros políticos, deixou como acervo uma qualificada Lei das Sociedades Anônimas, elaborada por renomados operadores do Direito, além de uma legislação contemporânea sobre o sistema financeira.
Veio a presente e interminável redemocratização e, com ela, explodiram as vaidades como nunca.
Esta erupção de egos eclodiu na Constituinte derivada que, por passo de mágica, tornou-se Assembleia Nacional Constituinte sem o ser.
Dai, por diante, foi um verdadeiro tsumani legislativo, próprio das sociedades enfermas.
Novos códigos. Centenas de leis extravagantes.
“ … uma verdadeira explosão legislativa””.**
Se tanto não bastasse, a Constituição, já por si altamente analítica – duzentos e cinquenta artigos em seu corpo principal – recebeu mais de uma centena emendas.
No cenário penal, rompendo tradições, legislação e jurisprudência assentada, importou-se, como novidade, institutos do common law.
Inverteu-se construções doutrinárias:
Todo o cidadão passou a se presumir criminoso.
Fora todo este cipoal legislativo, oriundo das Casas de Leis, as inúmeras agências reguladoras e o enxame de burocratas emitem – e emitiram -normas de toda espécie e natureza.
Neste dantesco panorama encontra-se a mais agressiva moléstia do corpo social nativo.
Falta um governante decidido – sem traços demagógicos – para iniciar uma luta contra a volúpia normativa existente.
É impossível conviver com o atual quadro legislativo.
A fúria legiferante dos três Poderes do Estado nacional é incomensurável.
Irracional.
A sociedade atônita assiste passiva o avanço desta terrível moléstia.
Deste mal ninguém fala.
Não dá voto.
Não propícia caixa dois em campanhas.
Só anima e engorda a burocracia estatal.
Esta, tal como o monstro bíblico, estende seus tentáculos sobre toda a cidadania.
Aos poucos, vamos todos sendo devorados.
Passivamente.