Arquivos anuais: 2016
Há ondas que vão e que voltam nos meios de comunicação.
O HOLOCAUSTO DO SÉCULO XVI
Falemos hoje, amanhã morreremos.
Aproxima-se o dia 2 de novembro.
É da tradição dedicar esta data aos mortos.
Relembrar vidas passadas.
Existências longas ou estreitas no tempo.
É data de recordação.
Os costumes religiosos apontam para o Dia das Almas.
Dia dos Mortos ou Dia das Almas, pouco importa a denominação, é momento hábil para relembrar vidas e tempos passados.
Nesta América, herdeira aparente das tradições europeias, mostra-se desconfortável a comemoração, se nos dirigirmos às profundezas do tempo.
A história destas plagas foi escrita pelos colonizadores.
Registra os fatos a partir de uma única ótica: a dos conquistadores.
Seus feitos são apontados como heroicos.
Realizados em nome de uma crença.
Tudo se permitia àqueles que chegaram a América.
Tudo se fazia sem pudor ou limites.
O Dia dos Mortos é ocasião oportuna para registrar o genocídio praticado pelos conquistadores.
Mataram, torturaram e humilharam os povos autóctones da América.
Um genocídio em níveis jamais praticados, até então, em qualquer parte.
Foram milhões de nativos violentados em seus costumes e mortos de maneira ignominiosa.
Apontam registro de época: “la violência da la conquista había reducido a bestias a los índios”.
Assim foi.
Os donos das terras transformaram-se pela ação do conquistador em escravos ou servos de uma gleba que lhes pertencia.
Os espanhóis, particularmente, muniram-se de “cães de guerra”.
Estes animais eram lançados sobre os nativos.
Cães de guerra “… bravos que los despedazavan e comian, … quemaban-lo en vivas llamas”
Assim foi a chamada conquista da América.
Nenhum amor ao próximo.
Apenas a ganância e uma violenta intenção de exterminar os idolatras.
Criaram-se inúmeras formas de acalentar as consciências dos conquistadores.
Tomou-se o episódio bíblico de Sodoma e Gomorra para admitir as violências.
Foram além.
Os povos nativos sofriam com as doenças trazidas da Europa.
Sífilis, varíola e outras enfermidades.
Uma repetição das setes pragas do Egito.
Enquanto não se convertessem e abandonassem suas antigas práticas religiosas mereciam extermínio como ovelhas.
É o que professavam os predicadores.
Assim aconteceu.
Há autores que apontam uma cifra entre 78 a 95 por cento como a diminuição da população do México entre 1519-1595.
Percentuais que registram o tamanho do genocídio praticado no Século XVI no continente americano.
A historiografia oficial, escrita pelos colonizadores, proclama como gestas gloriosas os atos praticados.
Carece de honestidade.
A verdade é amarga.
Os europeus, no século das descobertas, produziram o maior genocídio da História.
Este, porém, permanece encoberto.
Oculto e, portanto, objeto de uma cínica censura.
Essencial, nesse dia 2 de novembro, recordar estes vergonhosos acontecimentos.
Os milhões de mortos pelos intrusos, destruidores de civilizações estabelecidas a séculos.
Os genocídios precisam sempre registro para que nunca mais se repitam.
É lamentável que a Grande Mortandade do Século XVI seja objeto de tanto silêncio.
Covardia dos historiadores?
Escusas ações de crenças dominantes?
A prática gerada no Século XX e persistente neste Século XXI de negação da morte?
São perguntas a exigir respostas.
Ou tudo que vem do passado é um intruso?*
Para uma leitura profunda do tema: Cláudio Lomnitz– Idea de la Muerte em México – Fondo de Cultura Económica – México – 2006
* Gustavo Zagrebelsky – SenzaAdulti – GiuloEinaudi editore – Torino – 2016
LÁ, COMO AQUI, O CIDADÃO REJEITA BIÔNICOS
É intelectualmente gratificante acompanhar a campanha sobre o referendo que ocorrerá na Itália no próximo mês de dezembro. 
O eleitor será chamado a dizer “sim” ou “não” à reforma constitucional já aprovada pelo Congresso.
A revisão constitucional incide sobre vários artigos da Constituição de 1948.
O tema mais polêmico é o referente às alterações incidentes sobre o Senado.
O Senado italiano, atualmente, compõe-se de 315 parlamentares.
Caso aprovada a reforma, passaria a contar com apenas 100 senadores.
Obter-se-ia uma economia sensível no custo da Casa, o que seria recomendável.
A escolha dos futuros senadores, porém, – caso aprovada a reforma – afastará o corpo eleitoral passivo, os eleitores.
A formação do Senado passará a ser por investidura.
A composição, então, será a seguinte:
74 senadores escolhidos pelos conselheiros regionais;
21 pelos prefeitos eleitos dos Conselhos Regionais;
5 nomeados pelo Presidente da República.
É aqui que o debate torna-se rico e vibrante.
Os contrários à reforma argumentam ser inconstitucional afastar a soberania popular na escolha de parlamentares.
Esta operação iria ferir valores constitucionais plasmados durante séculos e expressos de maneira plena na Constituição italiana.
O atual bicameralismo perfeito seria extinto, caso se dê a aprovação popular do novo texto constitucional.
As críticas à reforma não se mantêm nos estritos limites do debate doutrinário.
Avançam.
Afirmam que o texto proposto ao referendo é produto das assessorias das instituições financeiras.
É crítica à Ministra da Justiça, Maria Elena Boschi, filha de um banqueiro insolvente.
Segundo os defensores do “não”, a reforma caracteriza-se como uma distorção política.
A sua origem é o lobbismo.
Este é definido como o fenômeno que coloca em segundo plano o interesse público para a satisfação de grupos de poder.
Gustavo Zagrebelsky, duro opoente da reforma, afirma que Matteo Renzi, Presidente do Conselho, deseja a humilhação do parlamento na sua primeira função, a representativa.
É interessante constatar que estes argumentos chegaram até a sociedade.
Os eleitores sentem-se frustrados.
Não aceitam a perda da faculdade de escolher diretamente os senadores.
Interessante fenômeno.
O eleitor italiano – tal como o brasileiro – é contra os políticos.
Revolta-se, no entanto, quando desejam retirar de sua esfera a escolha dos eleitos.
A representação popular tornou-se valor inalienável nas sociedades ocidentais.
Não se aceita, como já aconteceu no Brasil, em passado recente, senadores biônicos.
Parlamentar, obrigatoriamente, deve ser escolhido pelo voto popular, universal e secreto.
Lá, como aqui, a representação popular parece ter se tornado um dogma.
É bom que seja assim.