ARTE DE FURTAR
“… tolerar ladrões nunca é bom”*
Em momentos de profunda frustração, como o que vivemos, é oportuno um retorno ao passado.
Este não é edificante, mostra as raízes de nosso presente.
A essência humana é a mesma, apenas ocorreram mutações.
Muito do passado se acha armazenado nas bibliotecas.
Em suas estantes, enfileiram-se personagens reais ou de ficção, fatos vividos ou gerados por diversas personalidades.
No interior dos volumes alinhados, recolhessem inúmeras lições.
Além destas, amargas realidades.
Entre as obras reveladoras de costumes, o pesquisador encontrará a fonte dos males presentes.
Em obra especial, as práticas corruptas dos nossos antepassados, se alinham em minuciosa delação.
Arte de Furtar, de autor anônimo de Século XVII, é a peça germinal.
Registra singelas formas de corrupção.
Indica artifícios pouco elaborados.
Nada como a sofisticação das atuais empreiteiras.
De seus departamentos de incentivo à corrupção.
Mas, corrompia-se.
De todas as maneiras.
A ação mais sugestiva – porque lembra a burocracia brasileira – consistia em criar e manter instituições inoperantes.
Conta o autor de Arte de Furtar:
os reis de Portugal conceberam uma entidade destinada a agasalhar infiéis, mouros, judeus ou gentios.
Objetivava levar ao batismo católico os seguidores de outras crenças.
Chamava-se a casa – em linguagem da época – Colégio dos Catecúmenos.
Possuía uma grande estrutura burocrática.
Esta absolutamente inoperante.
Os vencimentos eram dignos dos magistrados brasileiros de nossos dias.
Não frequentou o referido Colégio um só catecúmeno.
Não consta um único batizado realizado.
E, assim, seus integrantes, fartamente remunerados, compraziam-se em adorável ócio.
Ontem, como hoje a burocracia assemelha-se.
Arte de Furtar, em sua linguagem barroca, repleta de situações paradoxais – como defender o Tribunal do Santo Ofício – é texto fundamental.
Explica as origens da corrupção presente no Brasil.
É atávica.
Herança ancestral.
O importante que, ontem como hoje, o remédio contra o mal, assemelha-se idêntico.
O autor de Arte de Furtar pede vigilância contra os maus feitos.
Hoje, a Constituição, tão vilipendiada por alguns, exige transparência.
Esta – a transparência – poderá ser o antídoto contra este mal genético, transmitido através de gerações: a corrupção.
Vigiar, a partir da transparência, é indispensável, como ensina o autor do Século XVII.
Vale tentar.
*Arte de Furtar, Anônimo (Século XVII) Primeira edição, 1652 Officina Elvizeriana, Amsterdam.
Editorial Estampa, Lisboa , 1978, 3ª edição.