Falemos hoje, amanhã morreremos.
Aproxima-se o dia 2 de novembro.
É da tradição dedicar esta data aos mortos.
Relembrar vidas passadas.
Existências longas ou estreitas no tempo.
É data de recordação.
Os costumes religiosos apontam para o Dia das Almas.
Dia dos Mortos ou Dia das Almas, pouco importa a denominação, é momento hábil para relembrar vidas e tempos passados.
Nesta América, herdeira aparente das tradições europeias, mostra-se desconfortável a comemoração, se nos dirigirmos às profundezas do tempo.
A história destas plagas foi escrita pelos colonizadores.
Registra os fatos a partir de uma única ótica: a dos conquistadores.
Seus feitos são apontados como heroicos.
Realizados em nome de uma crença.
Tudo se permitia àqueles que chegaram a América.
Tudo se fazia sem pudor ou limites.
O Dia dos Mortos é ocasião oportuna para registrar o genocídio praticado pelos conquistadores.
Mataram, torturaram e humilharam os povos autóctones da América.
Um genocídio em níveis jamais praticados, até então, em qualquer parte.
Foram milhões de nativos violentados em seus costumes e mortos de maneira ignominiosa.
Apontam registro de época: “la violência da la conquista había reducido a bestias a los índios”.
Assim foi.
Os donos das terras transformaram-se pela ação do conquistador em escravos ou servos de uma gleba que lhes pertencia.
Os espanhóis, particularmente, muniram-se de “cães de guerra”.
Estes animais eram lançados sobre os nativos.
Cães de guerra “… bravos que los despedazavan e comian, … quemaban-lo en vivas llamas”
Assim foi a chamada conquista da América.
Nenhum amor ao próximo.
Apenas a ganância e uma violenta intenção de exterminar os idolatras.
Criaram-se inúmeras formas de acalentar as consciências dos conquistadores.
Tomou-se o episódio bíblico de Sodoma e Gomorra para admitir as violências.
Foram além.
Os povos nativos sofriam com as doenças trazidas da Europa.
Sífilis, varíola e outras enfermidades.
Uma repetição das setes pragas do Egito.
Enquanto não se convertessem e abandonassem suas antigas práticas religiosas mereciam extermínio como ovelhas.
É o que professavam os predicadores.
Assim aconteceu.
Há autores que apontam uma cifra entre 78 a 95 por cento como a diminuição da população do México entre 1519-1595.
Percentuais que registram o tamanho do genocídio praticado no Século XVI no continente americano.
A historiografia oficial, escrita pelos colonizadores, proclama como gestas gloriosas os atos praticados.
Carece de honestidade.
A verdade é amarga.
Os europeus, no século das descobertas, produziram o maior genocídio da História.
Este, porém, permanece encoberto.
Oculto e, portanto, objeto de uma cínica censura.
Essencial, nesse dia 2 de novembro, recordar estes vergonhosos acontecimentos.
Os milhões de mortos pelos intrusos, destruidores de civilizações estabelecidas a séculos.
Os genocídios precisam sempre registro para que nunca mais se repitam.
É lamentável que a Grande Mortandade do Século XVI seja objeto de tanto silêncio.
Covardia dos historiadores?
Escusas ações de crenças dominantes?
A prática gerada no Século XX e persistente neste Século XXI de negação da morte?
São perguntas a exigir respostas.
Ou tudo que vem do passado é um intruso?*
Para uma leitura profunda do tema: Cláudio Lomnitz– Idea de la Muerte em México – Fondo de Cultura Económica – México – 2006
* Gustavo Zagrebelsky – SenzaAdulti – GiuloEinaudi editore – Torino – 2016