É intelectualmente gratificante acompanhar a campanha sobre o referendo que ocorrerá na Itália no próximo mês de dezembro.
O eleitor será chamado a dizer “sim” ou “não” à reforma constitucional já aprovada pelo Congresso.
A revisão constitucional incide sobre vários artigos da Constituição de 1948.
O tema mais polêmico é o referente às alterações incidentes sobre o Senado.
O Senado italiano, atualmente, compõe-se de 315 parlamentares.
Caso aprovada a reforma, passaria a contar com apenas 100 senadores.
Obter-se-ia uma economia sensível no custo da Casa, o que seria recomendável.
A escolha dos futuros senadores, porém, – caso aprovada a reforma – afastará o corpo eleitoral passivo, os eleitores.
A formação do Senado passará a ser por investidura.
A composição, então, será a seguinte:
74 senadores escolhidos pelos conselheiros regionais;
21 pelos prefeitos eleitos dos Conselhos Regionais;
5 nomeados pelo Presidente da República.
É aqui que o debate torna-se rico e vibrante.
Os contrários à reforma argumentam ser inconstitucional afastar a soberania popular na escolha de parlamentares.
Esta operação iria ferir valores constitucionais plasmados durante séculos e expressos de maneira plena na Constituição italiana.
O atual bicameralismo perfeito seria extinto, caso se dê a aprovação popular do novo texto constitucional.
As críticas à reforma não se mantêm nos estritos limites do debate doutrinário.
Avançam.
Afirmam que o texto proposto ao referendo é produto das assessorias das instituições financeiras.
É crítica à Ministra da Justiça, Maria Elena Boschi, filha de um banqueiro insolvente.
Segundo os defensores do “não”, a reforma caracteriza-se como uma distorção política.
A sua origem é o lobbismo.
Este é definido como o fenômeno que coloca em segundo plano o interesse público para a satisfação de grupos de poder.
Gustavo Zagrebelsky, duro opoente da reforma, afirma que Matteo Renzi, Presidente do Conselho, deseja a humilhação do parlamento na sua primeira função, a representativa.
É interessante constatar que estes argumentos chegaram até a sociedade.
Os eleitores sentem-se frustrados.
Não aceitam a perda da faculdade de escolher diretamente os senadores.
Interessante fenômeno.
O eleitor italiano – tal como o brasileiro – é contra os políticos.
Revolta-se, no entanto, quando desejam retirar de sua esfera a escolha dos eleitos.
A representação popular tornou-se valor inalienável nas sociedades ocidentais.
Não se aceita, como já aconteceu no Brasil, em passado recente, senadores biônicos.
Parlamentar, obrigatoriamente, deve ser escolhido pelo voto popular, universal e secreto.
Lá, como aqui, a representação popular parece ter se tornado um dogma.