Passaram-se muitos anos, aqueles que fazem a História, reflete Carlo Levi, em seu Cristo si èfermato a Eboli.
Fala o autor italiano sobre o sul de seu país, a Itália.
A frase cabe a evolução de todos os povos e, portanto, ao brasileiro, também.
Passaram-se muitos anos desde o tempo das oligarquias fechadas, detentoras de todos os privilégios e escaninhos da máquina do Estado.
Desde a chegada dos portugueses, formou-se uma burocracia estatal fechada em estreitos contornos.
Todos pertenciam ao mesmo segmento social.
Era o dos proprietários rurais e estes manipulavam os cordéis da máquina oficial.
A máquina estatal nunca atingia aos bens situados.
Preservam-se mutuamente.
As lutas eram meramente formais ou originárias de eventuais desavenças entre famílias.
O povo – ou melhor, o povão –assistia a distância o espetáculo.
Silenciava, porque qualquer movimento antagônico era duramente apenado.
Na terra, com a perda de possibilidade de sobrevivência decente e, em assuntos extraterrenos, com a condenação ao fogo eterno.
Igreja, Estado e os detentores do poder econômico sempre viveram atrelados e em busca dos mesmos desígnios:
A preservação dos privilégios.
Não captaram as mudanças sociais que se produziam com o passar do tempo.
O êxodo das populações rurais para a periferia das cidades.
Este foi um dos fatores fundamentais das mudanças sociais.
A cidade une as pessoas e as transforma em reivindicantes.
As populações urbanas não são silenciosas.
Movimentam-se. Organizam-se, mesmo que precariamente.
Outro elemento condutor de mudanças foi o rompimento da hegemonia religiosa.
Surgiam as inúmeras confissões, muitas vezes com visões diversas do mundo.
Estes elementos apontados são relevantes.
A eles se somam as mudanças profundas na cooptação de membros para as carreiras públicas.
Já não é o nepotismo que domina o acesso aos cargos públicos.
Muito menos o apadrinhamento.
Não se nomeiam, como no passado, integrantes do Ministério Público ou do Judiciário mediante mero ato do Executivo.
Juiz de Direito, membros do Ministério Público e integrantes das polícias são escolhidos, agora,por concurso público.
Vale o mérito e não o “pistolão”.
Os membros da carreiras passaram a ser oriundos – é bom frisar-se – das grandes classes médias urbanas.
Não possuem vínculos com as chamadas “famílias importantes”. Surgem das camadas médias da população.
Abrem seus espaços na sociedade graças a seus esforços.
Devem seus cargos unicamente aos seus méritos pessoais.
Foram estas levas sociais oriundas das novas camadas, – fenômeno presente inclusive nas Forças Armadas – que permitiram os inusitados acontecimentos processuais da atualidade.
Empresários processados e condenados.
Banqueiros na posição de réus é algo inusitado.
Impensável em tempos passados.
As oligarquias se protegiam.
Apoiavam-se em situações de dificuldade, particularmente perante os Poderes do Estado.
Agora, é impossível.
A independência de magistrados rompe com as más tradições de acobertamento.
Praticou ato danoso à sociedade, responde perante a Justiça.
É inusitado. Impensável até anos recentes.
Só agora as novas camadas sociais se movimentam.
Vencem concursos públicos e, por serem somente submetidos à lei, agem com autonomia.
É lição positiva que fica do amargo momento nacional.
Os brasileiros passaram – ao menos em parte – a acreditar que todos são iguais perante a lei.
Não é sem tempo.
Correram muitos anos, fez-se História.
Felizmente.