Arquivos Mensais: agosto 2014


PALAVRAS CUSTAM POUCO

Quem acompanha o horário eleitoral, pode recordar ensinamentos de nossos antepassados. Diziam, em suas comédias de costumes, uma frase exemplar: “Palavras custam pouco”.

 

Os candidatos, a todos os cargos eletivos, oferecem um cenário utópico e comovente pela bondade das dádivas apresentadas. Saúde, educação, infaestrutura e até água oferecem no futuro.

 

Não se sabe se é o futuro próximo ou remoto. Pouco importa. Ele, em qualquer hipótese, está distante. Se as promessas serão ou não cumpridas é outro assunto.

 

É empolgante a apresentação do plano de governo de cada candidato à Presidência da República. Os elaboradores falam como se tudo fosse fácil no campo administrativo.

 

Basta a vontade política do eleito e, por um passe de mágica, uma nova realidade surgirá. Ledo engano. A máquina administrativa é cruel. Domina todos os recantos dos serviços públicos.

 

É permanente. Os servidores concursados gozam de regalias que nenhum governante é capaz de alterar. Fazem o que é oportuno, não o que deseja o titular transitório do Poder.

 

É ingênuo afirmar, como fazem alguns assessores dos candidatos, que tudo ocorrerá bem porque o seu escolhido possui dotes diferenciados. Um pouco mais de humildade iria bem nas falas dos auxiliares.

 

Alguns deles se colocam na posição do próprio candidato. Não possuem qualquer censura. Só auto-estima. É uma estranha campanha a em curso. Nunca se viu planos de governo expostos antes da fala do candidato.

 

Ocorre no Brasil, onde a volúpia da palavra encobre as verdadeiras intenções. Fala-se desesperadamente. Pouco importa as conseqüências. Vale aparecer.  E quanto mais, melhor.

 

Se esta é a situação no campo majoritário federal, mais estranha é apresentação dos candidatos aos postos parlamentares. Alguns partidos não tiveram nenhum pudor em apresentar figuras bizarras.

 

Nomes de fantasia que ofendem a mais mediana inteligência. Um achincalhe. Frustra quem imagina ser possível fazer política com decência. Acredita que a política se constitua em uma ação pedagógica.

 

Ao contrário, a atual campanha, após tantos anos de democratização, gera uma profunda angústia nas consciências cívicas dos cidadãos. Muitos lutaram em busca da democracia.

 

Pensavam possível alcançar um porto seguro. Nele os debates seriam elevados. Os figurantes qualificados. O eleitor aprenderia e poderia aquilatar o conteúdo das exposições dos candidatos.

 

Nada disto. Pior que os tempos da chamada Lei Falcão, quando apenas retratos, acompanhados de currículos, eram expostos aos telespectadores.

 

Aprende-se, na presente campanha eleitoral, que é impossível conviver com trinta e dois partidos políticos. Forma-se uma verdadeira pantomima.

 

Um circo com alguns se assemelhando a maus palhaços.

 

É lastimável. Até outubro, a sociedade tem que suportar este sorvedouro de dinheiros públicos. A campanha eleitoral gratuita pelo rádio e pela televisão.

 

Cabe lembrar o Supremo Tribunal Federal que, em má hora, derrubou a cláusula de barreira ou desempenho elaborada pelo Congresso Nacional. Agiu com um purismo exagerado em defesa das minorias.

 

Sacrificou a democracia. Permitiu a prevalência dos maus sobre os mais razoáveis.

 

Uma pena.


O POLÍTICO E A MORTE

A dramaticidade dos acontecimentos ocorridos no último dia 13 de agosto, na cidade de Santos, permite divagações sobre a existência humana e o imponderável.

 

Sete pessoas – ainda em momento ativo de suas vidas – foram pilhadas pela morte de maneira violenta. Sem qualquer possibilidade de um gesto em busca da preservação da vida.

 

As parcas são violentas. Agem sem previsibilidade. Quando tudo parece seguro e administrável, elas surgem e agem com violência sem limites. Impiedosamente.

 

Foi assim na última quarta-feira. Um simples e banal vôo entre duas cidades do litoral do sudeste, de natureza corriqueira, apesar dos riscos inerentes ao campo de pouso do Guarujá, ceifou vidas.

 

A beleza cívica de uma campanha eleitoral, em segundos, transformou-se em tragédia não anunciada. Não foi exceção. Ao contrário, a busca dos objetivos, sem medir riscos à integridade física, é próprio do político.

 

Em sua missão de levar esperança e novas idéias à sociedade, o político, por vezes, sente-se capaz de tudo e de vencer quaisquer desafios, inclusive os impostos pela natureza.

 

Não importa ao político, em campanha, o mau tempo e os riscos inerentes a sua presença. Acredita poder superar quaisquer desafios. Vai em busca do Poder e este, segundo muitos tratadistas, é emanação do divino.

 

Sinto – por experiência própria – a angústia dos integrantes da comitiva de Eduardo Campos em chegar na hora aprazada ao compromisso assumido. Era preciso pousar. A qualquer custo.

 

Aconteceu o imponderável. O avião, máquina sem alma, não respondeu aos anseios de seus ocupantes. Gerou a tragédia. É mais um grupo de abnegados que, em ação política, perdem a vida.

 

Todos os dias os meios de comunicação, com ou sem razão, criticam e verberaram os atos e as ações dos políticos. Apenas apontam os equívocos, jamais expõem os atos de altruísmo.

 

Um ser político – claro com exceções – abandona todos os confortos da vida material e se submete a uma cobrança diária e exaustiva. Tudo é observado. Todos os seus movimentos são registrados.

 

Um político é pessoa sem privacidade ou momentos de tranqüilidade. É sempre exigido. Chamado a todo o instante a resolver conflitos. Situações controvertidas. Questionamentos.

 

Quando ocupa cargo no Executivo, particularmente no sistema presidencialista, torna-se árbitro das mais extravagantes contendas. Os grandes interesses das corporações ou o singelo conflito entre integrantes de seu gabinete.

 

O político, particularmente em uma democracia, é um abnegado. Não poupa sua própria vida na busca do objetivo de servir à comunidade. Dá-se por inteiro.

 

A busca do Poder é um dos sentimentos mais intenso das pessoas. Atingir o Poder – particularmente o Poder político – leva a pessoa às mais inacreditáveis demonstrações de resistência psicológica.

 

Vencem, por vezes, aqueles que desejam atingir os postos de mando. Outras vezes, retiram-se para o ostracismo. Umas poucas vezes perdem a vida em seu intento.

 

Eduardo Campos – e seus companheiros de viagem – arriscaram tudo para cumprir o compromisso aprazado. Não quis o destino que atingissem o objetivo planejando.

 

Deixam o exemplo e ingressam no rol dos azares políticos que, costumeiramente, acontecem com as lideranças brasileiras. Já foram tantos ceifados pelo inesperado.

 

A tragédia leva a refletir, como Sartre, ceticamente: o homem é uma paixão inútil.


ACABOU O SÉCULO XX

Quando as pessoas pensavam política, sempre dirigiam seus olhares para a Itália e, lá, recolhiam idéias, pensamentos e formas de lutas. Foi assim desde a queda do fascismo.

 

Os jovens dos anos cinqüenta aprenderam a acompanhar o embate ideológico entre a democracia cristã e o Partido Comunista Italiano. Eram repletos de entusiasmo e posições altamente conflitantes.

 

Surgiam, no comunismo italiano, figuras marcantes. Todos se recordam de Gramsci, o ideólogo que, no cárcere, elaborou impressionante obra de análise da sociedade.

 

Os seus Quaderni del carcere foram editados graças à iniciativa de Togliati, então importante figura do socialismo real no Ocidente. A repercussão foi intensa em todo o marxismo europeu e latino-americano.

 

No decorrer do tempo, muitas figuras exemplares, ofereceram posicionamentos novos e análises precisas sobre o desenvolvimento das sociedades contemporâneas.

 

Quem visitasse a Itália, naquele período – anos 40 e 50 – impressionava-se com a presença maciça das sedes do PCI por todo o país e de maneira intensa no norte, particularmente na região da Reggio-Emilia.

 

Gerava uma verdadeira emoção conhecer as livrarias comunistas. Apresentavam obras de todos os autores clássicos do socialismo e, ainda, inúmeras análises de lideranças expressivas.

 

Grande parte da intelectualidade peninsular pertencia aos quadros de esquerda. A sociedade encontrava-se dividida entre dois segmentos e estes dominavam as mentes e geravam conflitos.

 

Foi um período intensamente criativo e cada lado acreditava ser a sua proposta política a utopia que salvaria o mundo. Tempos em que as pessoas acreditavam em suas lideranças.

 

Tudo se esvaiu. Os grandes partidos do após-guerra dissolveram-se. Surgiram agremiações sem linha. Com programas sem profundidade social.

 

Uma geléia real – tal como no Brasil – surgiu no cenário partidário. Ninguém empolga. Nenhuma idéia nova. Todo o pensamento volta-se para o econômico.

 

O econômico não possui alma. Apenas a busca de rendimentos. O vazio ocupou as mentes e o consumismo conquistou às sociedades. Vale o dia que passa. Não interessam as gerações futuras.

 

Neste cenário melancólico, que levas os mais velhos à nostalgia, vem da Itália mais uma notícia amarga. O jornal tradicional dos comunistas italianos, L’ Unità, deixou de circular.

 

Teve um longo percurso – oitenta anos – e agora, neste mês de agosto, anuncia o encerramento de sua publicação. Não resistiu aos tempos novos.

 

Estes tempos de pensamento único. Eles não permitem o pluralismo. Exigem homogeneidade de comportamentos. Todos devem agir no mesmo sentido.

 

Movimentar os mecanismos econômicos sem qualquer ciência de sua essência. A esta só pode ter acesso os iniciados. Estes são poucos. Um grupo privilegiado que não admite contestações.

 

O Século XXI, até o momento, mostra-se medíocre e sem posicionamentos antagônicos. Os poderosos podem matar sem censura. Não há mais oposição.

 

Os jornais críticos desapareceram. Foram engolidos pela voragem capitalista. Adeus a L’Unità,  fundada por Gramsci, em 1924. Acompanhou a sorte dos jornais Hoje, Notícias de Hoje e Luta Operária, seus irmãos brasileiros.

 

Descansem em paz.


JORNADA DE REFLEXÃO

Aproxima-se momento fundamental da campanha eleitoral de 2014. Em breve começa o horário eleitoral. Os políticos venderam a alma ao diabo por uns poucos segundos de rádio e televisão.

 

As mais espúrias alianças se concretizaram. A mais nítida posição de esquerda uniu-se ao mais corrupto dos políticos. Todo o eleitorado acompanhou as peripécias da ausência de princípios.

 

Um verdadeiro pandemônio de imagens está prestes a ser exibido. A mais criativa das pessoas seria incapaz de imaginar situações tão bizarras. É assim a política brasileira.

 

O governante irresponsável ou o candidato neófito lançarão suas mensagens sem qualquer pudor. Vale tudo. Ai estão os marqueteiros para transformar todos os sonhos em imagens.

 

Só imagens, porque a realidade não se altera. Só o trabalho e a perseverança de muitos podem exigir dos políticos compostura. Estes são bajulados por seus acólitos.

 

Sentem-se deuses e se imaginam capazes de tudo, particularmente de captar as consciências dos eleitores. Enganam-se. A cada dia que passa o eleitor torna-se mais exigente e observador.

 

Já é capaz de diferenciar o peralvilho do cidadão probo. A democracia praticada de maneira contínua educa. Forma a cidadania. Gera exigências. Muda comportamentos.

 

Os eleitores de muitos pleitos podem dar seu testemunho. Hoje não há ingênua adesão a qualquer dos partidos, como acontecia anos atrás. Não há mais a diferença entre santos e pecadores.

 

Hoje, temos apenas cidadãos em busca de um cargo eletivo. Partidos expondo – de maneira muito rudimentar – seus programas. Nenhuma vibração doentia. Apenas análises equilibradas.

 

Os candidatos, sempre isolados dos eleitores, ainda não se aperceberam desta nova realidade. Pensam que tudo continua com dantes no quartel de Abrantes.

 

Ledo engano. Houve momentos em que os militares tornaram-se culpados de todas as mazelas da sociedade. Depois, uns poucos, vestidos de macacões, se elevaram a detentores de toda a pureza nativa.

 

Agora, constata-se que não existem verdades absolutas em política. Tudo é relativo. A liberdade é espaço vital para se criar uma efetiva consciência cívica.

 

Com a preservação da liberdade, nenhum cidadão deixou de conhecer a cada figurante da cena político-partidária. Sabe-se quem tem efetivo interesse social.

 

Ou então, aqueles que apenas querem transformar a militância política em um balcão de negócios. Sem qualquer traço de bom caráter. De dedicação efetiva a causa pública.

 

Em momentos como o presente, é bom rever a História política da América Latina. Sempre se apresentou como espaço de dominação dos poderosos contra os humildes.

 

As ditaduras – financiadas externamente – mantiveram as populações submetidas à situação de desconforto físico e social. Todos os países desta América conheceram ditaduras sanguinolentas.

 

Em conseqüência, os autores do passado demonstraram um inequívoco propósito de lutar pela salvação pública. Entre estes escritores há um, no Equador, que passou sua vida combatendo o autoritarismo.

 

Dele, Juan Montalvo, são as mais expressivas páginas contra os desmandos governamentais de seu País. Lutou contra clérigos tridentinos. Afrontou presidentes usurpadores.

 

Deixou enorme obra política. Nesta, recolhe-se uma frase a ser meditada pelo eleitor brasileiro, antes de depositar seu voto em outubro:

 

“Hombre sin buenos costumbres no puede gobernar”.


ESTRANHO ACONTECIMENTO

Não é novidade para ninguém. O centro nevrálgico da política não se encontra nos partidos. Muito menos nos palácios governamentais. Sequer nos parlamentos.

 

Onde se apresenta o epicentro da política?

 

Claro, longe do cidadão comum. Do qualquer um. Fica, muitas vezes, distante dos estados nacionais. Lá, onde se encontram os bunkers do capital.

 

As decisões, que afetam grandes parcelas da população, são tomadas nos gabinetes fechados dos executivos financeiros e dos órgãos supranacionais da economia.

 

Nada vale a vontade política dos governos locais face às resoluções dos bancos centrais e das bolsas de valores dos grandes centros financeiros.

 

As decisões são tomadas em segredo. E, em segredo, impostas por toda a parte.

 

As agências internacionais de notícias, como boas porta-vozes, se incubem de difundir as diretrizes e as imposições do capital financeiro internacional.

 

Foi assim desde o surgimento do capitalismo industrial. Ampliou-se a prática com o capitalismo financeiro. Este não tem face nítida, mas domina todos os espaços das economias de cada país.

 

O cidadão – que pensa ter cidadania – não passa de um servidor dos grandes interesses. Toma atitudes. Vota. Imagina ser livre, mas está obedecendo aos ditames dos operadores financeiros.

 

Estes sempre se mantiveram em aparente silêncio. Abstém-se de falar em público. Não possuem opinião a respeito de nada. Apenas pensam nos lucros de suas operações.

 

Esta é uma realidade presente por toda a parte e não ausente em um país dependente, como o Brasil. Jamais na nossa longa História política recolheu-se uma opinião nítida de um banqueiro.

 

Quando no exercício da profissão, a regra é a preservação de seus interesses perante a opinião pública e os governantes. E a melhor maneira de preservar interesses é o silêncio aparente.

 

Causa surpresa, portanto, no início da atual campanha política o posicionamento de uma instituição financeira em assuntos eleitorais. É inusitado.

 

Muitas poderão ser as causas deste procedimento jamais visto. A origem da instituição? Não tem raízes nacionais. Talvez seus executivos estejam acostumados com outras realidades.

 

É, no entanto, impressionante o que aconteceu. Um banco querer influir na vontade do eleitorado. Quem lida com a moeda deve ser cuidadoso em suas assertivas.

 

Conhecem-se os poderosos lobbies que atuam, em cuidadoso silêncio, junto às autoridades financeiras e o Congresso Nacional. Faz parte do processo decisório democrático.

 

Mas, instituição financeira – ou qualquer outro agente econômico – imiscuir-se explicitamente em político é novidade sem qualquer traço no passado.

 

Certamente, os executivos superiores da instituição – que falou fora de hora – deverão em breve estar no Brasil e, aqui, pedirão audiência às autoridades do Executivo.

 

Serão recebidos e proferirão as mais elevadas loas.

 

Assim, a nave vai. Como mostrou Federico Fellini.