WEIMAR


A lembrança da asfixia traiçoeira da República de Weimar. Hitler não se serviu de suas instituições para abatê-la?*

Em breve, data marcante para o constitucionalismo.

Um centenário importante.

Cem anos da Constituição de Weimar.

Os constitucionalistas deviam se debruçar sobre o documento constitucional alemão.

E, ainda mais, sobre os acontecimentos que antecederam os trabalhos constitucionais.

A Alemanha encontrava-se combalida.

Deprimida.

Havia perdido a Primeira Guerra Mundial.

Os vencedores mostram-se rigorosos nas exigências após conflito.

Novas fronteiras impostas.

Significativas perdas territoriais.

Amputação de dez por cento da área física da Alemanha.

Destruição do poderio militar alemão.

Permissão para abertura futura de uma única academia militar.

Transformação de Dantzig em estado livre, ligado à Polônia.

Instalação de Alto Comissariado Inter Aliados para controlar a administração alemã.

Ocupação do território alemão por 150.000 homens encarregados de manter a ordem.

Interdição da fabricação de material de guerra.

Fixação de indenização correspondente a 132 milhões de marcos-ouro/1919.

Perda das colônias.

Restituição de todos os bens pilhados.

Proibição de manter Estado Maior para a direção das Forças Armadas.

Obrigatoriedade de julgar os alemães, culpados pela guerra, por tribunal germânico.

Isto nunca aconteceu.

 

“Pour les Allemands ce traité (Tratado de Versailles/1919) est un diktat inacceptable.”,

 

afirma historiador francês.

A par de todas estas humilhações, ou certamente por consequência, a Alemanha conheceu grave crise econômica e social.

Somava-se a todos estes fatores  imenso contingente de antigos combatentes desempregados.

Neste clima adverso, convocou-se uma assembleia constituinte.

Participaram parlamentares representes destas agremiações:

  • socialistas reformistas do SPD,

  • liberais burgueses do Partido Democrático – DDP

e,

  • católicos do Partido do Centro – Zentrum.

Estas as organizações partidárias do espectro oficial.

À margem, encontravam radicais de direita e esquerda.

A esquerda, o Spartacus, grupo extremado.

A direita, os Völkisch, nazistas de primeira hora.

Recorde-se:

No início do século, o movimento comunista eclodiu na Rússia.

Criou adeptos do internacionalismo proletário por toda a parte.

A Alemanha sofreu com maior impacto os acontecimentos russos de 1917.

O Partido Comunista dos Trabalhadores Alemães aderiu a  III ª  Internacional.

Seguiu o modelo bolchevique.

Um caldo social e político explosivo.

Para se evitar o pior buscou-se uma nova Constituição.

Tentaram recolocar normalidade em tão deformada situação.

Neste passo, a respeito, sábio posicionamento de Jorge Miranda:

 

“Não bastam as fórmulas constitucionais, por melhores que sejam, para prevenir ou resolver os problemas políticos – e isto deve ser, para os juristas, suficiente convite à humildade”

 

Muita razão assiste ao mestre português.

Acompanhe:

A Constituição de Weimar, promulgada em 11 de agosto de 1919, constituiu-se em produto de trabalhos constituintes iniciados em 6 de fevereiro de igual ano.

Durante este período – fevereiro/agosto – Carl Schmitt advoga a existência de uma Ditadura.

Isto porque os constituintes, durante os trabalhos de elaboração do novo documento, enfeixavam plenos poderes.

Ou seja, poderes de elaborar leis e tomar medidas.

A nova Constituição, uma vez promulgada, deu início a período de intensos estudos constitucionais.

O documento de Weimar continha inúmeras novidades no campo das leis maiores:

  • Adotou o sistema parlamentarista.

  • Previu eleições e referendos.

  • Concebeu Presidente da República eleito por sufrágio universal e por sete anos.

  • Admitiu a reeleição presidencial.

  • Decidiu a nomeação pelo presidente do chanceler.

  • Resolveu pela dissolução do parlamento uma única vez pelo mesmo motivo.

  • Optou pela promulgação das leis pelo presidente.

  • Autorizou, em casos de emergência, a decretação de medidas para o restabelecimento da lei e da segurança.

  • Acatou a suspensão dos direitos fundamentais.

  • Criou o impedimento do presidente pelo voto popular, após deliberação da Assembleia por maioria de dois terços.

  • Regulamentou o casamento.

  • Assistiu à juventude.

  • Legislou sobre educação.

  • Concebeu os direitos sociais.

  • Limitou a liberdade contratual.

  • Cerceou à propriedade privada, com base na função social.

A Constituição Weimar, por tudo isto, foi festejada como documento inaugural de uma nova fase do constitucionalismo.

Há quem aproxime os seus trabalhos constituintes àqueles desenvolvidos durante a Revolução Francesa.

Pioneira, no continente europeu, na concepção dos direitos sociais.

Graças a este acontecimento até hoje o documento é festejado.

Os fatos desenvolvidos, após sua promulgação, porém, geram frustração aos observadores do constitucionalismo.

Na  vigência da Constituição de Weimar,  o presidente Hindenburg escolheu para chanceler Adolfo Hitler.

Autor de Minha Luta, obra marcante do nazismo, o Chanceler escolhido levou a Alemanha a período de estabilidade e pleno emprego.

Baseou-se no mito da superioridade da raça germânica.

Utilizou instrumentos constitucionais, oriundos de documento liberal.

Conduziu a Alemanha por caminhos tortuosos.

Lançou o País em guerra suicida.

Abriu várias frentes de combate contra povos historicamente guerreiros.

Se tanto não bastasse, a partir de imaginária conspiração judaico-asiática, iniciou perseguição implacável contra os judeus.

Hitler e a Alemanha nazista terminaram mau.

Pior sua ação contra a humanidade.

Triste registro.

A lição é precisa:

As melhores constituições não livram as sociedades de grandes pesadelo.

Não bastam documentos constitucionais bem elaborados.

Criar sentimento humanístico nas sociedades é fundamental.

Sem este, corre-se sempre o risco de encontrar pela frente um celerado, com forte vontade, capaz de grandes atrocidades.

É lição da História.

 

 

 

 

Referências.

Thalmann, Rita – La République de Weimar – PressesUniversitaires de France – 1991.

Schmitt, Carl – Teoria de laConstitución – Alianza Editorial  –  Madrid – 1982.

Miranda, Jorge – Teoria do Estado e da Constituição – Coimbra Editoria – 2002.

*Burdeau, Georges e os. – Direito Constitucional – Manole – Tamboré – 27ª edição.

Thomazo, Renaud – Les Pires décisions de l’Histoire de France- Larousse – Paris – 2015.

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