UMA HISTÓRIA MAL CONTADA


Cinquenta anos. Meio século se passou desde a inauguração de Brasília. Os muito velhos, ainda vivos, se recordam das festividades. Uma empolgação só.

Os brasileiros, em esforço inaudito, ergueram em pleno Planalto Central do país uma nova cidade. Desde o Século XIX, almejavam por transplantar do Rio de Janeiro para o centro do Brasil a capital federal.

Nas bordas litorâneas havia o risco de um desembarque inimigo ou um bombardeio a partir de naves de guerra adversárias. Os tempos avançaram e as armas também. Restou no subconsciente coletivo a intenção de mudar.

Quando se iniciaram as obras da nova capital, os debates foram intensos. A final a empolgação foi bem maior que a racionalidade. Com despesas estonteantes, ergueu-se uma cidade em local deserto.

Nada importava. O sentimento de vitória, em país acostumado à mesmice, mostrou-se intenso. As críticas cessaram. Todos aplaudiam. A nacionalidade viveu dias de glória.

Os brasileiros, com a construção da nova Capital, tornaram-se conquistadores de seu próprio território. Era preciso transferir todos os serviços públicos federais do Rio de Janeiro para Brasília.

Inventaram-se formas de incentivar a ida dos fluminenses para a chapada brasiliense. Construíram as “dobradinhas”, salários em dobro, para os destemidos pioneiros.

A ponte aérea Rio – Brasília transportava, diariamente, funcionários em trânsito permanente. Os valores das obras nunca ficaram devidamente esclarecidos. Em momento de vitória, não importam as perdas financeiras.

Durante anos, todos os políticos – ai dos que procuravam analisar racionalmente o assunto – cantaram em prosa e verso a grande conquista da nacionalidade: a construção de Brasília.

Brasília aproximou os vários estados da Federação, pois foi colocada em posição geográfica muito favorável para ser atingida pelos povos de todas as regiões do território continental do Brasil.

Brasília constituiu-se, pois, em uma vitória. Coragem e abnegação permitiram a mudança da histórica capital do Estado brasileiro para uma região antes desértica e, portanto, inóspita.

Passaram-se cinquenta anos. Hoje, se pode falar livremente – apesar da onda de manifestações repletas de euforia – sobre as verdadeiras consequências de Brasília.

A primeira foi a instalação de uma inflação sem precedentes no panorama financeiro nacional. Só nos anos finais do século passado os governos conseguiram amainá-la.

Criou-se uma filosofia defendendo que a inflação era positiva. Gerava riqueza. Certamente, para os ricos e muito ricos. Empobreceu desgraçadamente o povo.

Um Rio de Janeiro, cidade de todos os encantos, não recebeu apoio federal ou cuidados especiais. Ao contrário, foi aos poucos esquecido e entrou em dramático cenário de ruína.

Amesquinhou-se econômica e politicamente. Uma metrópole com todos os predicados entrou em processo letárgico e foi conduzida a uma inevitável decadência física.

Repleta de história e marcante nos grandes acontecimentos políticos se tornou valhacouto de traficantes e bandidos de todas as espécies. Perdeu sua autencidade.

Os desastres naturais dos últimos dias demonstram como o Rio de Janeiro foi esquecido e invadido por politicagem sem precedentes. As grandes personalidades do passado tornaram-se insignificantes figurantes.

Assim, pois, quando muitos comemoraram o aniversário da cidade artificial, poucos meditarão sobre o custo social e financeiro que gerou a cidade de Brasília.

Construída as pressas, não gerou quadros políticos consolidados. O resultado se registra nos últimos acontecimentos na política da nova – e já velha – capital da República.

No dia 21 de abril, a data comemorativa do cinquentenário, em Brasília, triste pelo seu mensalão cínico e depravado, os sinos emitirão louvores e, no Rio de Janeiro, toques fúnebres.

Brasília usurpou a grandeza do Rio de Janeiro.

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