UM NUNCA ACABAR


Os lisboetas cunharam expressão de fazer inveja: As obras de Santa Engracia. Simples, composta por apenas cinco palavras. Em sua singeleza indica obras que nunca terminam.

Santa Engracia seria homenageada com um belo e grande templo. As obras estenderam-se no tempo sem fim. Mais de duzentos anos. Não terminaram em honra da padroeira pretendida.

Chegou o Estado Novo português. A destinação do edifício perdeu o objetivo inicial. Santa Engracia foi esquecida. O templo projetado passou a receber os despojos de personalidades ilustres.

A Igreja de Santa Engracia se transformou em Panteão nacional. Perdeu a Santa. Não ganhou a arquitetura, apesar da localização privilegiada do edifício. Ganhou o Tejo que pode ser observado à distância.

A comparação pode merecer críticas de nativistas. Com a ironia constante da expressão lisboeta, as obras de Santa Engracia lembram o processo das reformas políticas em curso no Congresso nacional.

É um nunca acabar. Há anos fala-se em grandes mudanças. O Executivo deseja. O legislativo elabora projetos de lei. Propostas de emendas constitucionais são apresentadas. Um labor incessante.

Tudo bem. Nada termina, porém. Não existe clima para grandes mudanças. O sistema eleitoral brasileiro – produto da Revolução dos Tenentes – tem história e bons fundamentos.

Quem tem um mínimo de juízo faz permanecer o que permite bons resultados. A democracia, apesar de alguns tropeços, funciona com normalidade. A legislação básica ingresso no cotidiano da cidadania.

Se assim é, não há necessidade de se examinar as propostas apresentadas ao Congresso. Ao contrário. Existem projetos preocupantes. Um, entre estes, pretende extinguir a reeleição. Até aí tudo bem.

Avança, contudo. Deseja estender o mandato eletivo para cinco anos. Pretende que as eleições, em todos os níveis, ocorram em um só dia.

Um verdadeiro rodízio eleitoral.

Um perigo! Por mais racional que se mostre o eleitorado, pleitos sempre contêm carga de emoções. Acontecimentos de campanha alteram o ânimo dos eleitores. Podem conduzir a resultados de ocasião.

Aí, consertar os equívocos coletivos, só dentro de cinco anos. As democracias estáveis abominam pleitos múltiplos. Realizam eleições sucessivas e diluídas nos espaços geográficos nacionais.

Eleições gerais e conjuntas, ou seja, para todos os cargos eletivos, não é recomendável. Basta imaginar o eleitor perante a urna eletrônica com anotações para os sete cargos a ser ocupados.

Em um só instante, cumpre escolher vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador, governador de Estado e presidente da República. Um rosário.

Estaria dilapidada a possibilidade de uma escolha meditada pelo eleitorado, acrescentando-se o tempo despendido para a operação de votar. Dois obstáculos de uma vez.

É decidir os destinos dos entes federados em um só dia. Grande perigo. Em determinado momento, um determinado partido pode empolgar e conduzir ao extermínio das oposições.

A democracia é regime dispendioso, mas ainda é o melhor dos regimes. As escolhas cabem ao cidadão. Para exercitar, este deve ser chamado muitas e contínuas vezes para o exercício do voto.

De dois em dois anos, é oportuna a presença de milhões de eleitores perante as urnas. Erros podem ser corrigidos. Acertos confirmados. Todos os partidos, sem emoções, podem ser sufragados.

Afasta-se o risco dos aluviões eleitorais. A democracia só se aprimora com prática permanente, sem longos soluços temporais.

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