UM INSTITUTO FRAGILIZADO


De há muito, fala-se em reforma política. Alguns desejam retornar aos tempos do Império. Querem reimplantar a eleições mediante carcomidas listas fechadas. Um atraso imenso.

Outros, conferindo ar de modernidade ao debate, apressam-se em defender o financiamento público das campanhas. Ou seja, tomar dinheiro do contribuinte para as despesas eleitorais.

 Não dá. O dinheiro público já é repassado ao sistema político eleitoral por inúmeras maneiras. Os horários gratuitos de rádio e televisão conferem aos veículos de comunicação benefícios fiscais. Dinheiro do contribuinte.

Os partidos políticos, por seu turno, recebem verbas do fundo partidário. Tudo muito certo. É para preservar a ação política de proselitismo nos intervalos entre eleições.

O grande problema do sistema político situa-se em uma instituição pouco lembrada. Entretanto, cerne de todas as situações surgidas, aqui e lá fora, no cenário dos embates públicos.

Este instituto foi concebido há cerca de trezentos anos. Antes na pragmática Inglaterra e, depois, recebeu sofisticada elaboração nos trabalhos da Assembléia Nacional instalada em plena Revolução Francesa.

Possivelmente muitos tenham identificado o instituto político emergido dos embates entre os múltiplos segmentos presentes nos trabalhos constituintes de 1790.

Claro, a referência é ao mandato representativo. Uma das mais cerebrinas criações do gênio humano. Mediante uma série de artifícios jurídicos, retirou das pessoas a possibilidade de influir diretamente na vida pública.

Conceberam um instrumento que transferiu ao parlamentar eleito a própria soberania nacional. Como titular de tão elevado atributo, os parlamentares liberaram-se de seus eleitores.

Agem de conformidade com suas convicções pessoais, eventualmente natureza momentânea. Já não precisam prestar contas efetivas ao colégio de eleitores. Quando muito aguardam o próximo pleito. Até lá, tudo é esquecido.

O mandato representativo afastou as emoções populares dos parlamentos. Conferiu praticidade aos trabalhos legislativos. Liberou os políticos do esclarecimento da motivação de seus atos.

Tudo bem. Acontece que, no decorrer destes trezentos anos, contados a partir da criação do instituto, as coisas mudaram. E muito. Nesta mudança por absurdo que pareça voltou-se a instituições anteriores a 1789.

No Velho Regime, aquele da monarquia, os parlamentares convocados às cortes gerais muniam-se de um mandato imperativo. O que é isto? Poderes expressos, conferidos por seus eleitores, para a prática de determinado ato.

Algo, pois, semelhante à procuração outorgada alguém para a realização de um ato da vida civil. Praticado o ato, esgota-se o mandato. O mandato, por sua vez, possui expressas limitações.

O observador menos atento dirá que o mandato imperativo é coisa de um passado onde a aristocracia ocupava o vértice da sociedade. As demais classes sociais não tinham nem hora e, muito menos, vez.

Não é bem assim. A todo o momento, os meios de comunicação apontam os vínculos de parlamentares com determinados interesses. Defendem expressamente posições peculiares de um específico segmento.

Ora, esta situação aproxima-se, e muito, do avoengo mandato imperativo. O parlamentar precisa cumprir as determinações dos apoiadores. Responder pelo mandato conferido.

Caso contrário, sofrerá uma cassação branca. Rompe-se o liame entre o parlamentar e os financiadores. Já, pois, não se pode dizer que a soberania nacional encontra-se representada.

Representados nos parlamentos encontram-se interesses segmentados. Parcelas componentes da nacionalidade. Este é problema que preocupa todos os estudos acadêmicos puros.

A busca de restrições a este fenômeno, por ora, é trabalho de laboratório. Atingirá, certamente, no futuro, a sociedade e esta tomará posições. Poderá exigir um retorno a democracia direta, particularmente com o uso dainternet.

Há uma nítida crise entre a realidade política e a jurídica. Os institutos gerados no passado se adulteraram no processo. O conceito de representação sofreu desgastes no decorrer do tempo.

Novas formas de participação precisam ser imaginadas. Já não se suporta a arrogância de Burke, em seu conhecido Discurso de Bristol, proferido em 1774.

O parlamento, sem censura, afirmou que as decisões dos parlamentos só dependem da consciência dos representantes. Aos representados cabe apenas acompanhar. Em silêncio.

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