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Em seus primórdios, conceberam-se as cidades como o lugar de preservação dos deuses. Abaixo da proteção das divindades, as pessoas se reuniram e construíram seus recolhimentos.

Cresceram as cidades. Buscaram espaços infinitos. Tornaram-se urbes. Atingiram extensões imensas. Recolheram, muitas delas, mulheres e homens de todas as origens.

As pessoas transformaram-se em cidadãos. Participantes ativos dos jogos políticos. Já não se encontravam isoladas uma das outras, como acontecia na atividade agrícola.

Mediante relacionamentos múltiplos e complexos, a cidade tornou as pessoas reivindicativas. Exigentes. Já não admitiam posições subalternas e mandos discricionários.

As cidades, geradoras de democracia, abrem espaços a todas as atividades e maneiras de participação. As cidades – especialmente as grandes cidades – tornam-se privilegiado espaço político, governamental e da cidadania.

No seu interior, forjam-se lideranças. Criam-se novos figurantes para o jogo político. A cidade não discrimina. Soma pessoas vindas de todas as latitudes.

Esta visão, comum a todas as cidades transformadas em urbes, aplica-se integralmente à cidade de São Paulo. Esta possui a singular vocação de integrar pessoas e de afastar preconceitos.

Nasceu no alto de um planalto rodeado de rios. Nas partes extremas deste planalto, nos primeiros anos da cidade, ergueram-se quatro templos de ordens religiosas diversas. Formaram a imagem de um triângulo irregular.

No interior deste triângulo, as primeiras ruas receberam significativos nomes. Em recordação à via de igual denominação existente em Damasco, terra da conversão de Paulo, surge a Rua Direita.

Pontos extremos do triângulo, se unem, em linha reta, pela Rua São Bento. Outra, lançando visão sobre o Rio Tamanduatei, recebeu o poético nome de Rua Boa Vista.

As primeiras vias foram contempladas, portanto, com patronímicos especiais. Ou religiosos ou indicativos de figuração geográfica. Às vezes, fugiam deste padrão. Surgia, então, a Travessa dos Enforcados. Ou Rua da Quitanda.

A evolução foi significativa. Em cada ciclo histórico e de conformidade com as levas humanas que recebia, a cidade, em suas ruas, homenageava novos momentos e personalidades.

Os nomes das famílias tradicionais – muitas inscritas na famosa Nobiliarquia Paulista de Pedro Taques – ocuparam as primitivas placas de ruas paulistanas. Eram os quatrocentões merecendo registro.

Barão de Itapeteninga foi homenageado. Senador Queiroz não foi esquecido. Vergueiro, o senador da grande imigração, tornou-se nome de caminho para o litoral.

No decorrer da monarquia, a Rua da Imperatriz ligava a Sé ao Anhangabaú. Veio a República. Foi um tal de trocar placas. A Imperatriz foi substituída por uma triste Quinze de Novembro.

Sobraram a Senador Feijó, José Bonifácio e a Praça do Patriarca, demonstrando que nem tudo estava perdido. Algumas figuras do Império preservaram seus nomes nas ruas de São Paulo.

O notável, contudo, deu-se em seguida à chegada de grandes contingentes de pessoas vindas de outros países e de recantos remotos do Brasil. Primeiro, as placas começaram a identificar os italianos.

Matarazzo tornou-se avenida. Comenalli uma rua no espigão da Paulista. Del Picchia, o poeta, mais uma rua. Nicolau Scarpa e tantas outras a recordar italianos que deram certo.

Permaneceram as homenagens. Os portugueses respeitados. A Família Paim na Bela Vista ou a Rua Bela Cintra, em Cerqueira César. Os negros homenageados na figura de Zumbi ou de Luiz Gama.

Do Oriente Médio vieram inúmeras famílias. Adna Jafet ou Nassib Jacob identificam a presença destas. O leste europeu é recordado pelos seus descendentes: Horácio Lafer e Max Feffer, no viário paulistano.

Os brasileiros do nordeste conheceram as últimas homenagens da cidade a seus formadores. No extremo leste, em espaço limite, a Avenida dos Nordestinos estende-se por muitos quilômetros.

São Paulo pode ser estudada de muitas maneiras. Mas, certamente, uma das boas formas de se recolher a sua evolução se encontra no nome de suas ruas.

Nenhum segmento foi esquecido. O cosmopolitismo da capital de São Paulo – acampamento a procura de ser urbanizado – retrata-se em suas vias. Registram todas as etapas da longa caminhada.

Amanhã, seguramente, estamparão nomes de palestinos, bolivianos, peruanos, coreanos e quem mais vier. Basta esperar. Homenagear seus construtores integra os valores de São Paulo.

Nota: Os nomes de ruas registrados são um nada. A presença de todas as etnias e naturalidades, nas placas de vias públicas de São Paulo, é um universo a ser explorado.

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