TERRA SEM PECADO


Os brasileiros viajam aos Estados Unidos. Vão a Europa. Desconhecem, porém, a nossa América, a América Latina. Quando alcançam Foz do Iguaçu. Atravessam a Ponte da Amizade. Da Ciudad Leste, retornam imediatamente.

É pena. Se conhecessem o interior do Paraguai, a terra sem pecados, conforme as tradições guaranis, ficariam impressionados com a sabedoria dos paraguaios.
Este país, com seus seis milhões de habitantes, possui uma sociedade alfabetizada e repleta de encanto pela vida. A pobreza, em determinadas regiões, é endêmica.
A má distribuição de terras força aos “carperos”, os sem terra de lá, a viverem em amarga miséria. Os governos ditatoriais do passado utilizaram a troca de favores pela concessão de grandes áreas a particulares.
O presidente Lugo, apesar das esperanças populares, não conseguiu reverter esta situação explosiva. De um lado, grandes propriedades rurais e, de outro, os acampamentos de “carperos”.
No início de junho, em Curuguaty, localizada próxima à fronteira com o Brasil, violento conflito ocorreu entre posseiros e membros da Polícia Nacional. Mortos de ambos os lados foram contados.
Este cenário se arrasta há muitos anos. Fala-se na existência de um “exército revolucionário popular”. Este operaria, por meio de guerrilha, em várias regiões do Paraguai.
Este caldo explosivo encontrou um presidente enfraquecido pela doença que o acometeu – câncer linfático – e os inúmeros casos de paternidade atribuídos ao mandatário deposto.
Sem dificuldade, constata-se que os ruralistas se movimentaram contra Lugo, por meio da Associação Rural Paraguaia. Iriam realizar um grande “tractorazo”.
Com a queda de Lugo, a manifestação dos tratores nas estradas foi suspensa. Uma quase confissão de autoria. O presidente escolhido pelo Parlamento é o médico Federico Franco, casado com a deputada Emilia Alfro.
Pertence o novo mandatário ao Partido Liberal Radical Autêntico. É o primeiro liberal a assumir o cargo desde 1939. Entre outras agremiações, é apoiado pelo Partido Colorado, concebido após a guerra contra a Tríplice Aliança.
Os partidos paraguaios – diferente do que acontece no Brasil – contam com longa história. O de Federico é mais recente. Foi criado após a ditadura de Stroessner.
Se permanecer no poder, o Presidente, escolhido por seus pares parlamentares, ficará no cargo até agosto de 2013, quando se dará eleições presidenciais pelo voto popular.
A destituição de Lugo foi ato extremamente ágil dos deputados e senados paraguaios. Tudo aconteceu em cerca de quarenta e oito horas. Um processo de juízo político de rapidez única.
Este fato tem levado os observadores a análises amargas e céticas. Caracterizam o episódio como um “golpe parlamentar”. Os políticos paraguaios, por seu turno, apontam para a legalidade plena do ato.
É oportuno registrar que Lugo, antes da queda, esteve na Embaixada dos Estados Unidos. Recebeu a destituição com resignação. As fotos apontam para um homem calmo e suas palavras não indicam rancor.
A primeira autoridade internacional a comparecer ao Palácio do Governo, na última sexta feira, foi Eliseo Arioti, núncio apostólico, representante do Vaticano, portanto.
Lugo não era, pois, ao que se depreende, pessoa admirada pelos pares religiosos. Resta saber como agirão os governos integrantes do Mercosur e da Unasur.
A cláusula democrática dos tratados precisa ser respeitada. Assim, caberá aos juristas a tarefa de analisar e interpretar os atos do processo de impeachment desenvolvido no País vizinho.
Fica uma pergunta: a diplomacia brasileira foi tomada de surpresa? Parece, a primeira vista, que sim.
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