SOREL E O JUDICIÁRIO


Alguns autores são esquecidos.

Múltiplos motivos.

Superados em suas proposições, algumas vezes.

Representantes de outras épocas.

Malditos, quem sabe.

Entre estes escritores, se encontra Georges Sorel.

O francês viveu no tumultuado cenário político europeu do início do Século XX.

Quando eram lançados os fundamentos de autoritarismo geradores de inumeráveis vítimas.

O fascismo e o comunismo encontram raízes neste período da História.

Alguns autores fundamentais do pensamento autoritário se encontram presentes neste período.

Hoje, muitos deles relegados ao esquecimento.

É, possivelmente, o caso de Sorel.

Engenheiro,  deixou sua profissão para cuidar apenas de suas ideias anarcosindicalistas.

Encontrou personalidades que adotaram suas teorias, particularmente sobre a violência.

Hitler, Mussolini e Lenin foram admiradores de suas obra.

Esta, no dizer de Antônio Gramsci, composta por texto:

“… tortuoso, abrupto, incoerente, superficial, profundo etc, mas dá ou sugere pontos de vista originais, imprevistos, obriga a pensar e a aprofundar”.

Esta observação se aplica quando o leitor se depara com a visão de Justiça na obra Reflexões sobre a Violência de Sorel.

Não há novidade para quem é arguto.

Certamente, porém, a mesma obra permite reflexão aprofundada para todo o estudioso interessado.

Sorel, no interior da França envolvida no caso Dreyfus, demonstra que a Justiça, desde os tempos anteriores à Revolução Francesa, visa preservar o Rei e simplesmente punir.

Jamais seria uma atitude imparcial a de julgar.

Os julgadores operavam, no Antigo Regime, na busca da preservação do Estado, representado pelo Rei.

Mais áspero é Sobel com o período jacobino no decorrer da Revolução Francesa.

Aponta para as leis elaborados por Robespierre.

Leis absolutamente inócuas e injustas.

Estas normas, do período do Terror, só imaginavam a defesa do Estado.

Nenhuma preocupação com os direitos dos réus.

Neste cenário, aponta ainda uma grave distorção política.

Encontra-se na formação do Terceiro Estado, aquele constituído pelos burgueses.

As assembleias não eram integradas  por pequenos produtores, como esperado.

Ao contrário, a representação do Terceiro Estado se compunha de trezentos e setenta e três:

“ advogados desconhecidos e legistas de ordem inferior, notários, procuradores do rei, comissários de bens senhoriais, juízes e assessores de tribunais, magistrados e procuradores simples praticamente fechados desde a juventude no circulo estreito de uma medíocre jurisdição ou de uma rotina burocrática.”

 

Estes membros, representantes do Terceiro Estado, integravam uma assembleia de quinhentos e setenta e sete deputados.

Eram, portanto, maioria.

Como maioria exerciam dramática ação.

Visavam leis altamente draconianas em defesa do Estado, sem qualquer sensibilidade para os direitos da cidadania.

E, neste ponto, o anarcosindicalista examina o Judiciário:

“A Justiça … parecia feita outrora para garantir a grandeza real: seu objetivo essencial não era o direito, mas o Estado.”

E registra:

“os processos contra os inimigos do rei sempre foram conduzidos de maneira excepcional; simplificavam-se os processos à vontade; as pessoas contentavam com provas medíocres, que não teriam podido para bastar para os delitos ordinários; procurava-se apresentar exemplos terríveis profundamente intimidantes.”

Avança Sorel:

“A prova necessária para condenar os inimigos do povo é qualquer espécie de documento, quer material, quer moral, quer verbal, quer escrita, que naturalmente pode obter o assentimento de todo espírito justo e razoável”.

Conclui o mesmo Sorel:

“Da Inquisição à justiça política da realeza e desta aos tribunais revolucionários sempre houve progresso no sentido do arbítrio das regras, da extensão da força e da ampliação da autoridade.”

 

Segundo Sobel estas distorções permaneciam na França do início do Século XX.

As divagações do anarcosindicalista, marginalizadas suas ideias sobre o mito e a violência, merecem, no espaço referente à análise da Justiça, uma aproximação com a realidade contemporânea brasileira.

O Judiciário e uma enorme casta de bacharéis em Direito apossou-se da máquina do Estado nacional e a transformou, por vezes, em autora de iniquidades e insegurança jurídica.

A figura que, no processo penal, deve ser preservada é a do réu.

O Estado não pode ser o algoz da cidadania por meio do equipamento do Judiciário.

É iniquidade:

O retorno das práticas inquisitoriais, para a preservação dos interesses do Estado,mediante o aviltamento dos direitos dos cidadãos.

Sorel, criticado por muitas de suas ideias, merece  análise acurada ao examinar o Judiciário no tempo.

O Brasil de hoje, quando se registram  determinados atos de alguns juízes, lembra o Terror da Revolução Francesa e do Velho Regime.

É assustador.

O processo utilizado não para se obter Justiça, mas sim para se condenar arbitrariamente.

Que Deus nos acuda.

 

 

 

 

Referências:

Georges Sorel – Reflexões sobre a violência. Vozes – Petrópolis – 1993.

GudioLiguori e o.Dicionário Gramsciano Boitempo Editorial – São Paulo – 2017.

Jean Touchard Historia de lasideas políticas Tecnos – Madrid – 1998.

George H. Sabine Historia de la teoria política. Fondo de Cultura Economia – México – 2000.

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