SERINHAEM


“Todo presidencialismo é resto de monarquia; o presidente da República,… é rei a curto prazo…”*

 

Quando se observa o cotidiano, surge intensa vontade de rever tempos passados.

Comparar realidades, em idêntico corpo social, mostra-se exercício estimulante.

Nas Ciências Jurídicas, a operação apresenta-se muito compensadora.

O intelecto aprimora-se com o exercício.

Encontra, no passado, situações nem sempre captadas pelos estudiosos contemporâneos.

Sabe-se:

Há, hoje, insatisfação coletiva com  determinados atos de integrantes do Judiciário.

Agem com grande desenvoltura.

Não respondem perante ninguém.

Eventuais pedidos de impedimento merecem arquivados pela Câmara dos Deputados.

Temor dos destinatários ou equivoco na elaboração de peças contendo pedido de impedimento de magistrados?

Indagação a ser respondida de acordo com a idiossincrasia de cada um.

Afastar-se de subjetividades,  elaborar tosco trabalho de legislação comparada mostra-se instigante.

Tome-se a Constituição Federal de 1988.

Nela se lerá, entre seus Princípios Fundamentais, a seguinte disposição:

“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

        (artigo 2º da Constituição vigente)

Apontam os constitucionalistas este comando como conquista advinda do artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Vão além.

Tomam estreita passagem do Do Espírito das Leis e a tornam universal.

O Barão de la Brède, Montesquieu, é autor de princípio tão festejado.

Tornou-se dogma.

Este, porém,

“ nunca pode ser aplicado por nenhum sistema de governo na sua proclamada e enérgica pureza”

aponta Afonso Arinos de Melo Franco.

Afirmação pertinente.

Aqui e ali, determinado Poder ingressa na competência de outro.

Exemplos:

Quando o Legislativo se transforma em órgão judicante, nos casos de impedimento de autoridade.

Nas hipóteses em que o Judiciário, por meio do ativismo, avança sobre a função legislativa.

Mais ainda.

A edição pelo Executivo de medidas provisórias, em detrimento do regular processo legislativo.

Os temas arrolados podem conter excesso de permissividade intelectual.

Assim seja.

Mas, a partir destas ponderações, vai-se a Constituição do Império.

Conclusões podem ser tiradas da leitura do seu artigo 9º:

A divisão e harmonia dos Poderes Políticos é o princípio conservador dos direitos dos cidadão se o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece.

Prossegue o documento constitucional de 1824:

Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial.

(artigo 10 da Constituição do Império)

O artigo 9º, acima transcrito, fala em divisão e harmonia entre os Poderes.

Não se refere à independência.

Esta colocação permitiu o acatamento das ideias francesas então em voga.

Sem excessos.

Omitiu a independência.

Este posicionamento gerou a possibilidade de análise de decisões do judiciais pelo Executivo.

Ou além.

Afastava o Executivo magistrados considerados corruptos.

Poder do Estado harmônico.

Emblemático, a respeito, o caso Serinhaem.

O ignominioso tráfico humano para o trabalho escravo fora proibido.

Em Serinhaem, no entanto,verificou-se  desembarque clandestino de pessoas.

Os autores do comércio ilegal e imoral foram processados.

Absolvidos, a final.

A decisão violou a lei que suspendera o tráfego hediondo.

Este fora determinado a partir de 1850, Lei Euzébio de Queiróz, de número 581.

Os três juízes, autores da indigitada decisão absolutória,foram afastados das funções pelo Executivo.

Dois aposentados.

Um terceiro transferido da Relação de Pernambuco.

Combateu-se o mau exercício da função judicante.

O autor do ato corretivo foi Marquês do Paraná, Presidente do Gabinete.

Ministro da Justiça, Nabuco de Araújo, secundou a autoridade superior.

A Monarquia procurou afastar velhas práticas oriundas dos tempos colônias.

Com frieza Roberto Southey, o historiador inglês, registra:

“Nos casos criminais era a Justiça escandalosamente remissa, e em todos vergonhosamente corrupta”.

Mudaram os tempos.

Veio a República.

Os Poderes tornaram-se harmônicos (sic) e independentes.

Criaram-se corregedorias.

Mais tarde,  o Conselho Nacional da Magistratura.

Tudo então, hoje, vai bem.

Pensaria o otimista Pangloss.

Southey já não pode retratar os tempos contemporâneos.

Tão complexos.

Resta rever as lições do Império.

São salutares ?

Contêm excrescências constitucionais?

Ou apontam boas práticas?

A cada um a sua resposta.

 

 

 

 

 

 

Referencias.

Constituições Brasileiras – 1824 – Octaciano Nogueira – Senado Federal – Brasília – 2012.

Constituição da República Federativa do Brasil – Senado Federal – 2012.

Southey, Roberto – História do Brasil – Livraria Progresso Editora – Salvador – 1954.

Melo Franco, Afonso Arinos – Introdução ao Constitucionalismo de D. Pedro I no Brasil e em Portugal – Ministério da Justiça – Brasília – 1994.

Vainfas, Ronaldo – Dicionário do Brasil Imperial – Objetiva – Rio de Janeiro – 2002.

*Pontes de Miranda – Comentários à Constituição de 1946 – vol. I – Max Limonad – São Paulo – 1953.

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