POBRE RICARDO


Perplexidade. Não pode ser verdade. É incrível. Aconteceu, porém. A mais avançada economia do mundo entrou em colapso. Podiam-se imaginar fraturas financeiras em qualquer parte.

Jamais, contudo, nos Estados Unidos da América. Suas universidades se cansaram de formular doutrinas e preconizar instrumentos de boas práticas corporativas.

Ensinaram a todos os povos como agir em matéria econômica. Incentivaram a criação de bancos centrais por toda a parte. Conceberam agências regulatórias. Estas elaboraram normas e fiscalizaram.

Tantas exigências impostas às demais sociedades. Maiores advertências e lições. Os Estados Unidos apresentavam-se como senhor de todas as verdades.

A rigorosa ética calvinista parecia presente em todas as ações do capitalismo norte-americano. Mera aparência. O substrato de suas instituições financeiras continha o germe da ganância.

Operadores astuciosos apenas preocupavam-se com seus benefícios. Nada de pensar na corporação e seus acionistas. Ao acionista bastava dar uma rosa em dia de assembléia.

Conheceram os Estados Unidos uma rude quebra de valores morais e culturais. Desde seus primórdios, quando os pioneiros se instalaram na Costa Leste, um código ético se impôs.

Era rigoroso. Baseava-se em fortes princípios. Todos originários das confissões religiosas dos primeiros colonos: calvinistas, presbiterianos e outros ramos da Reforma Religiosa.

Figura expressiva daqueles tempos, Benjamin Franklin, apesar de mundano, preocupava-se com a saúde moral de seus concidadãos. Ativo e arrojado lançou-se em várias empreitadas.

Inventou equipamentos, entre eles o pára-raios. Preocupou-se com a elaboração de vacinas. Interessou-se pela arte da impressão. Criou sociedades filosóficas.

Este homem inquieto observou a alteração de costumes. Os colonos enriqueciam. Trocavam os hábitos de vida simples pelo luxo. Envaideciam-se.

Já não utilizavam pratos de metal. Optaram pela porcelana. As vestimentas tornaram-se sofisticadas. Importadas. Vivia-se nas cidades do Leste exatamente como nas melhores da França e da Inglaterra.

Tudo isto perturbou a Benjamin Franklin. Não teve dúvidas. Criou um periódico – The Saturday Evening Post – para divulgar notícias verdadeiras. Avançou. Editou um almanaque.

Este foi um sucesso. Edições anuais de mais de dez mil exemplares. Uma enormidade para a época. O seu nome? Pobre Ricardo. Era brilhante e divertido.

O objetivo do bem sucedido almanaque? A crítica dos costumes. A partir de provérbios conhecidos, muitas vezes reelaborados, Franklin observava os acontecimentos e indiretamente oferecia críticas.

Pobre Ricardo – o almanaque – no ano de 1757, publicou texto de Benjamin Franklin. Tornou-se célebre nas colônias. Transformou-se em um dos documentos fundamentais da História norte-americana.

Chama-se “O discurso do Pai Abraham – O caminho da riqueza”. Um velho sensível e de cabelos brancos discursa à multidão. Esta aguarda um leilão público.

Surgem, a partir da fala de Abraham, lições singelas de bem viver. Nada sofisticado. Tudo direto. Linear. Ensinou o bom ancião que “não há ganhos sem perdas”.

Foi além. Recomendou: Domines teus assuntos, não deixe que eles te dominem. Lembrou a importância de vigiar os próprios negócios. Não é bom fiar-se nos outros.

A leitura parece ingênua. Quase pueril. De outros tempos, se dirá. Surge, contudo, uma indagação. Esqueceram os americanos os ensinamentos dos Pais Fundadores? De Benjamin Franklin?

A atual crise mostra que sim. Envolveram-se no consumo e no luxo. Afastaram-se dos valores essências do passado. Dilapidaram valores contidos em suas raízes profundas.

Perderam o rumo. No naufrágio, os americanos delegam forte lição aos países periféricos. Não abandonem suas formas essenciais de vida. Preservem seus costumes. Fechem seus portos.

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