PERPLEXIDADE


A perplexidade avançou sobre a sociedade. Uma descrença generalizada tomou todos os poros da coletividade. Nenhum setor ficou fora deste clima de indagação.

O que será o dia de amanhã? As notícias geradas em Brasília – ou em Curitiba – não trazem nenhum alento. Só episódios negativos. Algumas personalidades públicas, guardiãs dos valores republicanos, transmudaram-se em quadrilheiros vulgares.

Um dia a vida política contou com pro homens capazes de sacrificar seus interesses particulares em defesa do bem comum. Nada de falcatruas.

Hoje, rara é a personalidade pública que pode se apresentar nos espaços da cidadania. Há um clamor generalizado. Uma reprovação ilimitada.

Mudaram os costumes. A velha sociedade rural – repleta de incongruências – possuía, particularmente na região meridional, uma profunda simplicidade de costumes.

A casa grande dos paulistas era sóbria e a pobreza era o traço dominante. Basta ler os velhos inventários constantes do Arquivo Públicos do Estado de São Paulo.

Os brasileiros não tinham hábitos consumistas. Eram espartanos. Longe do litoral sempre se caracterizaram pela modicidade. O luxo invadiu suas vidas a partir do Século XIX.

No Brasil independente, antes no Rio de Janeiro, capital do Império e da República, depois, e com maior intensidade, em Brasília a ostentação substituiu a parcimônia.

Terra de aluvião social, Brasília recebeu pessoas de todas as regiões com o objetivo de galgar melhorias em suas vidas. O código novo de conduta surgiu.

E preciso vencer. Como em Brasília as atividades privadas são insignificantes, a estrutura do Estado foi paulatinamente sendo ocupada.

Milhares de cargos em comissão, de livre nomeação, portanto, pululam no cenário público. Antes a obtenção do cargo, depois o acréscimo de mil penduricalhos.

Este é o processo que, vagarosamente, vai corroendo as verbas públicas. Não há arrecadação suficiente para contemplar este mar de concessões.

Foi-se além. Permitiu-se, em todos os níveis federados, a ocupação dos espaços administrativos pelas empreiteiras. Nada de planejamento estratégico estatal.

Quem manda é o particular. O Estado é mero pagador. Não possui planos. Não aponta prioridades. Ao governante resta a farsa da inauguração.

Agravaram-se ainda mais os costumes na Capital Federal graças ao traçado do Plano Piloto. A Praça dos Três Poderes deveria ter outro nome.

Muito melhor se a denominação fosse Praça da Promiscuidade. Os membros dos poderes da República encontram-se uns dos outros a pouca distância.

Cruzam a todo o momento. Freqüentam os mesmos espaços sociais. Idênticos restaurantes. Os mesmos clubes. O excesso de proximidade gera inevitável intimidade.

A par do retorno aos costumes sóbrios do Brasil profundo, seria oportuno que o Poder Judiciário deixa-se o Planalto e se deslocasse para outra cidade.

Os alemães – sabiamente – levaram as cortes judiciais para longe de Berlim.  Os assuntos administrativos e legislativos se produzem na histórica Capital e os judiciais se resolvem em Karlsruhe, em Baden-Wurttemberg.

Os magistrados são, assim, preservados de contatos interesseiros e quase sempre desconfortáveis.

Brasília conta com inúmeros inconvenientes, mas certamente o mais grave é o convívio inoportuno entre membros dos Poderes.

São tantos os equívocos atuais de nossa sociedade que os enumerar é tarefa hercúlea. Seria bom exercício de paciência se cada brasileiro elaborasse sua própria relação.

 

 

print