OS HIPÓCRITAS DA DEMOCRACIA


A sociedade foi às ruas. O Palácio do Planalto ao desespero. Em sua perda de consciência, proclamou a todos os ventos uma reforma política. Não era o recado dos manifestantes.

Estes desejavam moralidade administrativa. Bons hospitais. Educação padrão FIFA. Mobilidade urbana. Manutenção de tarifas ou gratuidade nos serviços de transportes.

Exatamente isto. Nada mais do que isto. O cumprimento, mesmo que parcial, destes objetivos já seria um sucesso. Uma demonstração da efetiva sensibilidade dos governantes.

Como resposta, em cadeia nacional de rádio e televisão, veio um esdrúxulo plebiscito propondo uma reforma política. Nada positivo. Bem ao contrário. Um claro desrespeito ao Congresso Nacional.

Os parlamentares, desde a proclamação da Independência, lá no longínquo 1822, debruçam-se sobre projetos de reformas do sistema político e eleitoral.

O Brasil império conheceu, em seus primórdios, um elevado índice de participação nos pleitos eleitorais. Votavam todos os brasileiros, inclusive os analfabetos.

As restrições vieram paulatinamente e se agravaram na República Velha. Somente, com a Revolução de 30, o tema eleitoral ganhou preferência e Getúlio Vargas foi buscar um adversário para elaborar um novo Código Eleitoral.

O adversário escolhido para tarefa tão gratificante foi o gaúcho Assis Brasil. Introduziu no nosso panorama o voto proporcional na busca de afastar as oligarquias produzidas pelo voto distrital.

Foi uma grande vitória. O eleitor escolhe um partido e, na lista desta agremiação, o nome de seu candidato. Livre, sem o costumeiro dirigismo dos chefes e chefetes partidários.

São, pois, oitenta anos de bom desempenho dos mecanismos da democracia eleitoral. Aperfeiçou-se, pelo uso constante, o voto proporcional.

Há falhas? Certamente o cálculo do aproveitamento das sobras poderia ser reanalisado, quanto à distribuição de cadeiras. O fim das coligações partidárias, nas chapas proporcionais, seria oportuno.

Mais? Tudo o mais é vaidade de falar sobre o que não conhecem. Experiências múltiplas foram concretizadas no decorrer da História pátria. Apontar para modelos alienígenas é próprio de mazombo mal resolvido.

O elemento gerador de corrupção em nossas práticas administrativas e eleitorais não foi tocado pelo Planalto e muito menos pelos múltiplos formadores da opinião pública.

A praga eleitoral se encontra no fatídico instituto da reeleição. Ele propiciou a prática dos maiores desatinos por parte dos governantes. O desejo de permanecer nos cargos Executivos leva as mais degradantes práticas administrativas.

Desde 1889, quando da proclamação da República, o tema foi examinado e debatido pelos constituintes da primeira Constituição republicana. O constituinte pernambucano, João Barbalho, mostrou-se frontalmente contra:

De que poderosos meios não poderá lançar mão o presidente que pretende se fazer reeleger? Admitir presidente candidato é expor o eleitorado à pressão, corrupção e fraude na mais larga escala.

Este assunto não fez parte do esdrúxulo plebiscito proposto e, desde logo, fracassado. Os políticos não gostam de perder as benesses do Poder, mesmo que isto custe a própria dignidade.

Fala-se e falou-se muito. A reeleição imposta de maneira até hoje não explicada claramente é tema proibido. A sua manutenção interessa a todos no exercício dos Executivos.

Foi produto direto dos mercadores da morte da dignidade em política.

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