O DIREITO DE FAZER PERGUNTAS*


Em ano eleitoral torna-se conveniente um debruçar sobre acontecimentos próximos e remotos.

Remoto, se trinta anos passados podem assim ser conceituados, coloca-se a promulgação da Constituição vigente.

É o documento constitucional duradouro da História política pátria.

Nossas cartas magnas, salvo a do período do Império, contam com vida curta.

A instabilidade política, nascida com a República dos anos 30, levou a uma série de golpes de força e consequentes arremedos constitucionais.

É, pois, alvissareiro que uma Constituição, altamente complexa, mantenha-se vigente passados tantos anos.

Claro que o documento constitucional sofreu inúmeras emendas, algumas delas indicativas de violência contra o próprio histórico constitucional.

Ainda assim, a preservação de maneira intocável do artigo 5º é uma conquista digna de menção.

Os direitos humanos, desde a chegada dos europeus, têm sofrido violências inauditas entre nós.

É só recordar o extermínio dos povos autóctones e a presença da escravidão por séculos em nosso território para se aquilatar a importância de um extenso rol de direitos da pessoa na Carta maior.

Outro elemento a ser examinado, quando se busca uma retrospectiva, são as consequências da Operação Lava Jato e suas múltiplas derivações.

Esta atividade intensa do Ministério Público e do Poder Judiciário, que levou à prisão históricos corruptos, é aplaudida, particularmente pela classe média.

Certamente, os grandes empresário – muitos condenados por corrupção ativa – apresentam-se em público como convictos arrependidos.

No entanto, em particular, sentem nostalgia pelos tempos em que compravam consciências e adquiriam polpudos lucros.

O grande Brasil, dos grotões urbanos e rurais, pouca importância dá ao ocorrido.

Este Brasil continua lutando pela sobrevivência cotidiana.

Claro que os políticos foram os que mais sofreram.

Acostumados a manejar a seu bel prazer à máquina estatal sentem-se impotentes.

Muitos abandonaram a conquista de novos mandatos.

Irão se recolher, exaustos pelas angústias diárias causadas pela presença do Judiciário e do novo Ministério Público, concebido pela Constituição de1988.

Aqui, a grande indagação.

Não se corre o risco, nas eleições deste ano, de se eleger os piores?

Alguém poderá dizer, há piores?

Sim existem.

Os arrivistas, aqueles que no vazio deixado pelos políticos estabelecidos, buscarão espaços públicos para seus desatinos.

Em período de grande depressão econômica, quando o desemprego atingiu todos os grupos sociais, a busca de espaço no cenário público é inevitável.

Qualquer despreparado e aventureiro terá espaço para disputar eleições em um dos trinta e cinco partidos existentes.

Uma eleição é um duro teste de capacidade de envolvimento de terceiros e de resistência física.

Os arrivistas são envolventes e possuem tenacidade.

São arrojados.

Podem facilmente vencer pleitos.

A audácia os conduzirá.

Vê-se, portanto, que grandes esperanças podem ser frustradas.

A Lava Jato foi esperança de melhoria dos costumes políticos.

Poderá, no entanto, ser a fonte de um futuro ainda pior.

Velhacos, sem conhecimento dos mecanismos estatais, assumirem canhestramente o Poder.

O Estado se tornará o reino das estrepolias.

 

 

 

* Título de um artigo de Norberto Bobbio publicado no jornal La Stampa, 9. Julho.1994, in Contra os novos despotismos – Editora Unesp – Instituto Norberto Bobbio – 2015

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