NÃO EXAGERAR*


Difendi … con zelo; ma non exagerare

 

 

 

Durante muitos anos, os estudiosos do Direito dedicaram-se de maneira exaustiva à análise dos temas processuais.

Buscavam, no processo, fuga à realidade.

O ciclo histórico, correspondente a esses estudos, iniciou-se no Estado Novo.

Permaneceu durante o Regime Militar de 1964.

O Direito Constitucional, neste longo tempo, ficou à margem.

Restou o esforço de alguns  poucos abnegados.

A regra, então vigente, era a do mais forte.

Não se permitiam elucubrações sobre garantias.

A pena poderia ser a perda da escassa liberdade, sem o devido processo.

Com a redemocratização, os estudos do Direito Constitucional voltaram.

Todo brasileiro tornou-se um constitucionalista.

O Processo foi marginalizado.

Já não importava.

Ainda porque novos institutos para a solução de conflitos foram concebidos: a mediação e a arbitragem.

Neste remanso dos estudos processuais,  paradoxalmente, promulgou-se novo Código de Processo Civil.

Quarenta e dois anos haviam decorrido da vigência do anterior, produzido em pleno regime de exceção.

Foi recomendada a nova lei processual por políticos e juristas.

Ela dotaria o País

 

“… de uma legislação descomplicada

…”**e mais rente às necessidades sociais”.***

 

As palavras nem sempre casam com a realidade.

É o caso do novo Código de Processo Civil.

O primeiro grande conflito, em razão da nova lei, explode precisamente no Supremo Tribunal Federal.

Envolve ministros da Corte.

Um magistrado do Supremo, vitalício e sacralizado,  tornou-se um ente intocável.

Fala o que quer.

Viaja quando quer.

Polemiza sempre que quer.

Gera jurisprudência como quer.

Ninguém pode contestar tão alta figura.

Esta é a visão corriqueira.

Aconteceu, exatamente, o contrário.

O Procurador Geral da República arguiu  impedimento de Ministro.

Sua esposa é advogada.

Integra a causídica escritório defensor de réu junto ao Supremo.

A hipótese esta prevista no artigo 144 do novo Código de Processo Civil.

Aponta o dispositivo:

 

Há impedimento do juiz  sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

VII – em que figure como parte cliente do escritório de advocacia do cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até terceiro grau,…“

 

Foi analítico o legislador de 2015.

Avançou por espaços até então vazios.

O Código de Processo Civil anterior era mais cuidadoso, mais sintético.

Dizia em seu artigo 134:

 

É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

IV – quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consanguíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até segundo grau.

 

Ainda mais singelo era o Código de Processo Civil de 1939.

Registrava em seu artigo 185:

 

Considerar-se-á fundada a suspeita de parcialidade do juiz, quando:

I – parente consanguíneo ou afim de alguma das partes ou de seus procuradores, até terceiro grau;

 

Foram sábios os legisladores do passado.

Limitaram as hipóteses de parcialidade apenas ao advogado-cônjuge presente, diretamente nos autos, como defensor de parte.

Na época, os escritórios de advocacia eram singelos.

Giravam em torno de seus titulares, pessoas individuais.

Hoje, existem oficinas jurídicas com uma imensidade de integrantes.

O dispositivo do atual Código de Processo Civil indica um louvável purismo ético.

Foge, no entanto, da realidade contemporânea.

Criou uma situação inusitada.

Um incrível atrito entre órgãos da Justiça.

Vai se além.

Com a proliferação indiscriminada de escolas de Direito, quem não possui um parente advogado?

Quase toda a cidadania.

Os magistrados de todos os graus não fogem a esta constatação.

Deve se exigir da magistratura imparcialidade.

Não se pode, contudo, impedir parentes de magistrados de exercer atividades em escritórios próprios da atualidade.

Vive-se, hoje, as sociedades de advogados.

O dispositivo do Código de Processo Civil vigente precisa ser melhor contextualizado.

Não é lícito impedir pessoas aptas a exercer sua profissão.

Muito menos aos escritórios de compor seus quadros profissionais.

Esta visão fere a liberdade individual.

Esquece que toda pessoa é um ente autônomo.

 

 

 

Referências.

 

* Calamandrei, Piero – Opere Giuridiche – MoranoEditore – Napoli – 1966.

**  Calheiros, Renan – Código de Processo Civil – Apresentação – Senado Federal – Brasília – 2015.

***  Comissão de Juristas – Código de Processo Civil – Exposição de Motivos – Senado Federal – Brasília – 2015.

 

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