NADA MUDA. SÓ AS APARÊNCIAS


Uma onda de euforia invade os noticiários econômicos. A nota concedida ao Brasil por uma agência internacional criou um clima de vitória em campeonato mundial de futebol.

Somos campeões. Não é bem assim. Chegamos a um sofrido terceiro lugar. Falta muito para alcançar os primeiros colocados. O grau de investimento, ainda assim, deve ser considerado. E de maneira positiva.

Os esforços despendidos em décadas de sacrifícios não foram em vão. Demonstram que os brasileiros passaram a ser responsáveis em seus atos e seus operadores públicos competentes.

Em momentos de vibração coletiva, é inoportuno falar sobre realidades vividas ou contemporâneas. Não é bom estragar a festa. Quem aponta verdades nunca é bem aceito.

Não importa. O inebriante clima econômico precisa ser comparado com cenários já vividos. Eles apontam muitas semelhanças com o atual momento. Euforia. Casa Grande em festa.

Foi assim no ciclo da cana-de-açúcar. Por todo o Nordeste, erguiam-se engenhos e sedes luxuosas no interior das grandes plantações. Alguns vivam, em plena lavoura, como em um arrondissement parisiense.

O Brasil era todo açúcar. Doce para uns poucos. Formou-se uma elite econômica com olhos voltados para o exterior. Nada de pensar Brasil. Este era mera circunstância geográfica.

A globalização da época tomou os donos de engenho de surpresa. Deslocou para as Antilhas o plantio de cana e a produção de açúcar. Uma longa decadência se iniciou.

Sobraram as lembranças preservadas pelas famílias tradicionais. A riqueza se esvaiu e a depressão se instalou por toda a parte. A nostalgia do passado infiltra-se nos costumes dos descendentes da aristocracia do passado.

Entre os ciclos econômicos, o ouro e o cacau preencheram a pauta de exportação. O ouro acabou. O cacau o bicho comeu. Ou o holandês levou para o entorno da cidade de Accra, na hoje República de Gana.

Um novo surto econômico no Século XIX. Agora era extrativo. Descobriram as qualidades do látex na produção industrial. A Amazônia toda foi invadida. O Brasil tornou-se o único produtor mundial.

Deslocaram do Nordeste para a Amazônia as vítimas da grande seca de 1877. Um grande êxodo. Tudo em vão. Um inglês, Sir Robert Wickham, escamoteou sementes de látex e as implantou na Malásia.

Nova decadência. Agora os opulentos exportadores de Manaus conheceram a insolvência. Os sonhos de uma sociedade sofisticada em plena selva ruíram. Restou como símbolo do período o teatro Amazonas.

Em outra época, os ingleses abordavam os navios que conduziam cativos. Diziam-se suportados em belas idéias de liberdade. Desembarcavam, porém, a carga humana nas plantações do Caribe. Lá a mão de obra era utilizada.

Um surto econômico, no sudeste, conheceu duração mais longa e produziu efeitos mais concretos. As grandes plantações de café em São Paulo exigiram, após a libertação dos cativos, o acesso à imigração européia.

A partir dos anos finais do Século XIX, milhões de italianos foram recrutados e conduzidos ao Brasil. Aqui, constituíram uma imensa servidão branca. Confinados nas fazendas de café, perderam contato com as origens.

Os italianos foram salvos pela crise de 1929. Os barões do café – tal como seus iguais do Norte e Nordeste – preferiam a boa vida de Paris ao contato com as rusticidades do mundo rural.

Com a quebra dos mercados, a riqueza da cafeicultura ruiu. Os imigrantes italianos romperam à servidão. Refugiaram-se nas cidades e deram início a um ciclo rudimentar de industrialização.

Este ciclo de industrialização alterou os costumes no Estado de São Paulo. Transformou a economia local e brasileira. Já não se vivia da extração e comércio de produtos primários. A indústria da transformação se instalou.

Outra conseqüência da grande imigração deu-se no cenário social. Romperam-se quaisquer traços de nobreza eventualmente existentes no sudeste brasileiro. Os nomes de família já não importam.

O fundamental passou a se constituir na condição de homem do trabalho. Dar o exemplo de dedicação aos ofícios manuais. Trabalhar no tear ou no torno. Dedicar-se a transformar e conceber produtos.

Um bom exemplo para o momento presente. Hoje, o mercado financeiro empolga. Cria novos grupos sociais diferenciados. Concebe boa rede para a circulação da riqueza.

É pouco. O atual ciclo econômico contém traços do passado. Monocultura e extração de minerais estão presentes. Não gera industrialização em escala. Não resulta em importantes avanços tecnológicos.

Este ponto pede governo. Bom governo. O incentivo a setores novos da economia mostra-se fundamental. Cometer os mesmo equívocos de ontem seria demoníaco. Espera-se uma boa e efetiva política industrial.

Chega de ser mero exportador de produtos primários. Cumpre criar uma infra-estrutura para as futuras gerações. Relembrar os equívocos do passado, quando os ciclos se esgotaram e nada restou. Ou será preciso um novo 29?

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