MEDIDA PROVISÓRIA COMPLEXA


 

 

Na instabilidade econômica do mercado capitalista, nada é determinado ou seguramente determinável*

 

 

O Congresso Nacional terá difícil tarefa a executar.

Examinar a Medida Provisória n. 784, de 7 de junho do corrente.

Esta MP dispõe sobre o processo administrativo sancionador na esfera de atuação do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários.

Trata-se de diploma complexo que incide sobre área extremamente sensível da economia.

Fala-se do sistema bancário e do enigmático cenário do mercado de capitais.

Os bancos centrais independentes, sabe-se, é concepção gerada a partir dos ano 20.

Na Conferência de Bruxelas daquele ano, já se afirmava:

“… o banco e especialmente o banco de emissão deverão ser livres de pressões políticas e deverão ser geridos só sobre base de princípios de prudência financeira”.

O Brasil criou seu Banco Central, como sucessor da antiga Sumoc – Superintendência da Moeda e do Crédito –  ano de 1964.

Ou mais exatamente pela Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

Foi um notável avanço legislativo.

Colaboraram na elaboração do anteprojeto técnicos de outros países, especialmente norte-americanos.

Desde então, o Banco Central do Brasil transformou-se em uma instituição respeitável, mas extremamente hermética.

A área de sua atuação é essencialmente técnica e, como já se disse, incide sobre campo de alta sensibilidade.

Qualquer ato falho pode gera crise no sistema financeiro.

De natureza individual ou sistêmica.

Este fato, aliado a pouca capacidade técnica de nossos políticos, fez com que o Banco Central sempre passasse ao largo de indagações.

Ocorreram liquidações de duvidosa qualidade, sem que jamais a sociedade tomasse pleno conhecimento do conteúdo das deliberações tomadas.

A coletividade não mereceu esclarecimentos e nossos congressistas deixaram de realizar qualquer movimento em busca da clareza indispensável.

Os bancos centrais devem ficar fora dos embates político-partidários, mas não estão isentos dos deveres da accountability.

Ou seja, da obrigação que tem as instituições de dar conta – ou explicações – de suas ações.

Prestar contas de seus atos.

Informar os vencimentos plenos de seus funcionários e administradores.

Indicar a motivação de suas condutas.

Isto vale, particularmente, para o caso nacional, onde o Banco Central, além de funções clássicas, é também órgão fiscalizador do sistema financeiro.

Já se disse que independência e accountability são simbióticas, não em conflito.

Todas instituições, nas democracias, devem prestar contas de seus atos e responder por eles.

Ainda mais.

Os bancos centrais, ao lado dos tribunais constitucionais, são instituições fundamentais para o regime democrático.

Os primeiros defendem a moeda e os segundos a liberdade e os princípios constitucionais.

Os dois têm a função de julgar.

Daí a importância de ambas as instituições, Banco Central e Supremo Tribunal Federal.

O sistema financeiro nacional não tem merecido estudos mais aprofundados.

Em rara obra sobre o tema, autor fez interessante indagação a respeito do título de seu livro.

Teve dúvidas.

Não sabia se devia adotar o título “Bancos do Brasil” ou “Brasil dos bancos”.

Em seguida, apontou

“não sei se os bancos são do país, se o país é dos bancos ou se é o país dos bancos”.

Parece ser boa oportunidade para o Congresso – Senado e Câmara Federal – responder esta questão.

Deve ouvir os diretores atuais do Banco Central, sem esquecer os antigos titulares.

Eles têm muito a dizer.

A sociedade vê o Banco Central como uma instituição alienígena.

Fora da realidade cotidiana.

No entanto, suas ações tem repercussões no dia-a-dia de cada pessoa, física ou jurídica.

A Medida Provisória n. 784 é complexa.

Trata de penalidades e de processo.

O mais grave.

Avança para o campo da leniência.

Gera mais uma área de acordos de difícil compreensão para o contribuinte comum.

Ainda mais.

O Banco Central tornou-se um julgador de atos praticados pelas instituições e pessoas que a ele compete fiscalizar e penalizar.

Torna-se competente para julgar atos que se formalizaram sob sua fiscalização.

Assemelha-se a uma anomalia.

A seu talante, ou como diz a norma “ em juízo se conveniência e oportunidade”, poderá suspender ou mesmo dispensar processos administrativos.

Somam-se a todas estas determinações a possibilidade de não haver publicidade dos termos de acordo entre o Banco Central e infratores.

Compreende-se as preocupações das Autoridades Monetárias, mas, mesmo assim, o Congresso deverá examinar se não houve excessos na elaboração da MP.

A sociedade está exausta de assistir acordos de leniência que mais parecem “habeas corpus” plenos para detentores de capital que agem como delinquentes qualificados.

Aqui, em analogia imperfeita, aproxima-se o clássico habeas corpus à colaboração premiada.

Nesta última os efeitos são mais abrangentes: libera pessoa e bens.

Por tudo isto, um pouco de transparência e a aplicação da accountability não fazem mal a ninguém.

Tanto para o Banco Central como para a Comissão de Valores Mobiliários.

Ao contrário, fazem muito bem à democracia.

 

 

 

Referências.

* Ciocca Pierluigi – La Banca che ci manca. Donzelli Editore – Roma – 2014

Medida Provisória n. 784, de 7 de junho de 2017

Pittaluga, Giovanni e o. – Banche Centrali e Democrazia – Hoepli – Milão – 2008

Costa, Fernando Nogueira da – Brasil dos Bancos – Edusp – São Paulo – 2012

Santos, Luís Máximo do – verbete: Banco – Polis – Enciclopédia Verbo da Sociedade e Estado – Lisboa – 1997

Gifes, Steven H. – Law Dictionary – Third Edition – Barron’s – 1991

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