MÃOS NA HISTÓRIA


Falsearam a História do Brasil. Por muitos anos. Ou melhor, desde o descobrimento. Sempre foi descrita de maneira a gratificar os poderosos de plantão. A verdade pouco importou.

Nos longos anos coloniais, a presença de escritores vinculados às ordens religiosas ou aos padres seculares obstava captação crítica da realidade.

Raros os autores independentes neste período. Ainda porque, impossível o livre relato no domínio da Inquisição. Tudo devia se conformar com as diretrizes impostas pelos dois reinos, simbolizados pela espada e pelo altar.

No Império, particularmente no Primeiro Reinado, a situação ainda se apresentava turva. Brasileiros e portugueses se confrontavam, sem nítida compreensão dos episódios em curso.

No Segundo Reinado, graças à liberdade de expressão incentivada por D.Pedro II, começa a se clarificar o quadro dos acontecimentos políticos. Os inúmeros jornais existentes na Corte e nas províncias registraram a verdade de cada um.

Tudo terminou com a República. Os republicanos positivistas mostraram rigor na censura e não titubearam em recolher os adversários nas fortalezas na baía da Guanabara. Um jacobinismo caboclo se instalou.

O mal costume permaneceu mesmo nos ciclos democráticos. A deformação da realidade tornou-se hábito nacional. As elites, instaladas nas poucas cidades, dominaram o pensamento.

A conseqüência: acontecimentos em versões de conformidade com os interesse de alguns poucos. Forjaram-se heróis. Cunharam-se figuras. Alimentaram-se idéias vazias.

Os reflexos na grande sociedade mostraram-se frágeis. Nunca ocorreu efetiva vibração popular em torno das personagens idealizadas pelas máquinas governamentais. Restringiam-se os cultos a meras cerimônias oficiais.

Este distanciamento, entre a história e os acontecimentos, sempre foi captado pela sensibilidade coletiva. Os livros didáticos, dedicados a História pátria, constituíam-se em um amontoado de nomes e de datas.

Estes nomes e datas, quando muito, eram decorados, mas jamais interiorizados. Não criavam o verdadeiro civismo capaz de amalgamar pessoas em torno de valores nacionais.

Os anos posteriores a 1964 ampliaram o distanciamento. Deformações em todos os sentidos. A economia transmudou-se em espetáculo. Nem sempre pura nas intenções, ergueu-se a oposição como baluarte de todas as virtudes.

E assim, durante quinhentos anos, as deformações se acumularam. Em todo este longo período, faltou o essencial: liberdade. Bastou a abertura, simbolizada pela Constituição de 1988, para uma grande mudança.

Jovens ou experientes pesquisadores lançaram-se na tarefa de revisar a História do Brasil. O produto é significativo. Ótimos trabalhos. Recolheram-se fontes primárias. Boas reflexões surgiram aos borbotões.

Todos os cenários da civilização brasileira submetem-se a trabalho de garimpo. Capta-se a seiva profunda da nossa caminhada. Os grandes sofrimentos e os atos ignominiosos recolhidos. Nada é esquecido.

Cada personalidade é esmiuçada em seus atos pessoais e em seus momentos de afirmação. Não se forjam mais heróis. Recolhem-se os dados das mais variadas figuras da nossa História.

O resultado é surpreendente. Hoje, pode-se conhecer as idiossincrasias de cada figurante das muitas cenas e, ainda, os costumes e comportamentos, nas várias épocas, da maioria silenciosa: o povo.

Neste processo de reavaliação, a sociedade saiu-se muito bem. Suportou agruras incomensuráveis. Venceu barreiras sociais aparentemente intransponíveis. Apesar do egoísmo de poucos privilegiados, moldou-se uma nacionalidade.

Aos descrentes, uma missão. Procure uma biblioteca pública ou uma livraria tradicional ou virtual. Encontrará um acervo valioso do Brasil real. É edificante. Há leituras que permitem compreender o presente e elaborar o futuro.

Passa-se a acreditar em nossa capacidade de continuar a erguer uma sociedade melhor. Mais preparada para enfrentar desafios. Basta ler. Depois, fechar os olhos e meditar sobre a obra de nossos antepassados.

Eles venceram o trópico e preconceitos de todas as naturezas. Foram fortes e tenazes. Apresentam-se como bons fundamentos para o futuro.

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