LONGA DISCRIMINAÇÃO


Em 1922, com grande entusiasmo, comemorou-se por todo o Brasil o Centenário da Independência. Os festejos foram dilatados. Monumentos comemorativos descerrados. Exposições inauguradas.

Normal e meritório. Os cem anos do Estado Nacional mereciam e precisavam ser lembrados. Com o Brasil independente, nascia a cidadania. Os direitos políticos foram conquistados pelos brasileiros.

Em parte, porém. Grande segmento da nacionalidade achava-se submerso na intransigência e na intolerância políticas. Não podia participar dos colégios eleitorais. Sofria a negativa ao direito de votar.

Muitas mulheres, no interior dos festejos da Independência, de maneira abnegada lutavam para se inscrever como eleitoras. Os homens resistiam bravamente.

Hoje dignos de riso, os argumentos pareciam imbatíveis. Às mulheres cabe cuidar do lar. A missão da mulher é mais doméstica do que pública, mais moral do que política.

Ponto e basta. Eram estes os fundamentos de decisão judicial impedindo uma jovem acadêmica de Direito, aluna da Faculdade do Largo de São Francisco*, de se inscrever como eleitora.

Não conseguiu seu intento, apesar de sua árdua luta judicial. Os homens, no exercício da judicatura, suportavam-se em interpretação literal do texto constitucional de 1891.

Apenas os cidadãos brasileiros possuíam direitos políticos. Ou seja, os do gênero masculino. As mulheres, pois, não se encontravam incluídas no dispositivo correspondente aos direitos políticos.

O Clube do Bolinha defendia-se. Com unhas e dentes. Nada de mulher eleitora. Muito menos o exercício de mandatos eletivos. Repletas de artimanhas e pecados, estes não condizem com a presença feminina.

O preconceito ia ainda mais distante. Em eleições estudantis, no interior do tradicional Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito, hoje integrada à Universidade de São Paulo, mulher votava em separado.

Quando da contagem de votos, os escrutinadores tendiam pela impugnação do voto feminino. As sobrecartas mereciam marca especial. Não podiam ser inseridas na urna. Ficavam à parte.

A discriminação correu longo caminho. Como todo preconceito, apresentou-se duro de ser desbaratado. Perdurou apesar dos muitos embates. Estes começaram com a República.

Nos trabalhos constituintes de 1890, os debates sobre o voto feminino mostraram-se acalorados. Os antagônicos ao direito da mulher votar contavam com um argumento básico.

Não se reconhecia à mulher capacidade social para o exercício do direito do voto. Ela devia se recolher ao recôncavo do lar. Criar filhos. Razão possuía Aristóteles.

Conforme constituinte da época, o filósofo grego fora taxativo. O homem é o único ente capaz de exercer a função política. Este argumento de autoridade foi brandido com exuberância.

Foram além os constituintes republicanos. Não tiveram censura em suas afirmações. Um lançou-se contra o voto feminino sem limites. As mulheres não possuíam atributos para o exercício da política.

Conceder-se às mulheres o direito ao voto seria pretender corrigir a obra da natureza. Amesquinharia muito o papel de mãe de família. Um ato indecente, finalizou um parlamentar.

Longos debates. Terminaram com uma sonora negativa. As mulheres tiveram que esperar muito. Só com o Tenentismo, o direito seria conquistado. Corria o ano de 1930.

Em partes, é verdade. Apenas as mulheres funcionárias públicas obtiveram o direito de votar, no primeiro passo. Somente com o Código Eleitoral de 1932 chegou-se a universalidade do voto feminino.

Parece mentira. Especialmente nesta véspera de eleições municipais. Tantas as mulheres candidatas. Maior o número de eleitoras. A luta das mulheres, no entanto, até 1930, foi incessante. Árdua e preconceituosa.

* Diva Nolf Nazario é autora do livro “O voto feminino e feminismo” – edição da autora – 1923 – suporte desta coluna (aviso aos candidatos: Até hoje, a feminista não é nome de rua).

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