FOI DADA A LARGADA


Foi dada a largada.

Uma Emenda Constitucional e uma Lei disputando a primazia de servir de respaldo à mudança de partido.

 

Sabem o que é crossing the floor?

Pois bem, trata-se de um fenômeno; um fenômeno próprio do ambiente doméstico brasileiro até o início de 2007. Colocava o eleitor diante de um espetáculo – o turismo interpartidário. Este retorna ao cenário eleitoral de 2016, tendo como fator de propulsão a lei. E mais que isto, uma Emenda Constitucional de curta duração, elaborada para produzir seus efeitos por  trinta dias. Até 19 de março de 2016.

 

Limitando no tempo a viabilidade de abandono da agremiação sob cuja legenda o parlamentar foi eleito, tanto a lei (a minirreforma de 2015 – Lei n. 13.165/2015) como a E.C. n. 91/2016, que acabou de ser promulgada, flexibilizam o rigor da célebre Resolução/TSE n. 26.610/2007, texto que estabeleceu como sanção, para o abandono do partido, a concreta perda do mandato eletivo.

 

Transcorridos nove anos de tensão diante do impacto da Resolução que inaugurou o instituto da fidelidade partidária sob a Constituição de 1988, eis que em setembro de 2015 a minirreforma eleitoral altera o diploma partidário para inserir uma “janela” para a troca de partido. A nova redação do art. 22-A, da Lei n. 9.096/95, acatando os princípios constitucionais da anterioridade e da anualidade (art. 16,CF), abre a oportunidade de passar de um para outro partido, sem a perda do mandato, “durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente”. De efeitos gerais e natureza permanente – para ser aplicada a cada novo processo eleitoral – o texto estipula o prazo para o “crossing the floor”. Para as eleições municipais de 2016, destarte, o parlamentar poderá mudar de partido, sem qualquer justificativa, até 1o. de março. A transposição, ademais, comporta o transporte do respectivo “status parlamentar”, compreendendo o tempo de antena e o Fundo Partidário.  Nada há no texto que vede esta passagem do detentor de mandato político acompanhado de seus atributos acessórios.

 

Surpreendente a E.C. n. 91, de 18 de fevereiro de 2016. Cuida do mesmo tema – possibilidade de ressuscitar os trânsfugas. Oferece, contudo,  tratamento diferente. Nos moldes do telegráfico diploma constitucional –  um único preceito – permite-se ao “detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à promulgação desta Emenda Constitucional, sem prejuízo do mandato, não sendo esta desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão.” Ora, neste formato, o parlamentar poderá mudar de partido em período alongado (de 19/02/2016 a 19/03/2016). Porém sem o acompanhamento do tempo de antena e dos recursos financeiros públicos.

 

Preconizada para produzir efeitos tão só no período de trinta dias contados do dia seguinte à sua promulgação, a “janela” do constituinte reformador, oferece ao estudioso um outro problema sério: a inobservância do art. 16 da Constituição, o desatendimento do cânone da anterioridade. Destarte, ela se aplica exclusivamente aos que pretendam mudar de partido sem perseguir candidatura no pleito municipal deste ano.

 

Dois diplomas. Uma superposição. Uma gama variada de interpretações possíveis. Uma certeza, contudo: abre-se a temporada para o turismo interpartidário com data marcada. Antecipe o agendamento.

 

Monica Herman Caggiano

Professora de Direito Constitucional

USP – UPM

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