FALTA UMA PEC


Vive-se um momento de passar tudo a limpo. Nada parece de acordo com os interesses e as visões do mundo contemporâneo. Avançou-se muito em todos os campos.
Há uma verdadeira avalancha de novidades. Durante séculos, a estabilidade era a normalidade. Hoje, as mudanças indicam o sinal dos tempos.
As religiões passam por aggiornaménti. Os costumes por alterações profundas. As leis por mudanças. A Justiça por busca de aperfeiçoamentos. A medicina conhece avanços.
Se um dia na antiguidade o filósofo afirmou que nada é estático, hoje a afirmação tornou-se realidade. Tudo é dinâmico. Tudo se move. As alterações de todos os matizes mostram-se usuais.
Os princípios políticos gerados no correr dos séculos, um dia apontados com imutáveis, tornaram-se motivo de reflexão e crítica. Nada é intocável. Tudo pode ser aperfeiçoado.
Ensinaram os antigos – e isto se tornou uma verdade doutrinária – que os poderes devem ser separados. Cada função do Estado necessita ser concretizada por órgãos diversos e autônomos.
Só assim se atingiriam a eficiência administrativa e – o mais importante – a possibilidade de fiscalização mútua e, portanto, recíproca, entre os poderes do Estado.
A sábia visão surgiu com o inglês John Locke e se difundiu de maneira universal pela lição de Montesquieu. Hoje, nesta época de tantas mutações, ninguém debate a importância da divisão dos poderes do Estado.
Assim é. No entanto, aqui, em terras tropicais, ainda perdura um vício, originário de outras plagas, que indica invasão promíscua de um poder em outro poder.
Esta invasão torna o poder invadido presa fácil dos interesses e egoísmo do outro poder. Aí estão as famigeradas listas tríplices de indicação de magistrados para ocupar postos nas Cortes superiores pelo chamado quinto dos tribunais.
Toda vez que os tribunais enviam ao Executivo estas indicações, para que ocorra a escolha, verifica-se uma corrida diabólica em busca da nomeação. Movimentam-se políticos, amigos, correligionários e quem mais puder.
O chefe do Executivo, por sua vez, torna-se um poderoso senhor de engenho de cutelo. Decide sobre a vida de uma pessoa – muitas vezes por meros motivos subjetivos – e se imiscui em outro Poder.
Os créditos e débitos serão contabilizados e, através dos anos, o novo magistrado torna-se devedor moral por mais independente e honrado que possa ser.
O mesmo se dá no cenário do Ministério Público. Esta instituição, tão analisada nos últimos meses, vota livremente para a escolha de seu Procurador Geral. Contudo, após eleição interna e entre pares, lista tríplice segue para o Executivo.
Aqui, também, registra-se a interferência indevida no corpo do Ministério Público. Este deve ser independente de maneira plena para preservar suas atuais atribuições.
Quando o Executivo é quem escolhe, em lista tríplice, há clara interferência de um órgão – que deverá ser fiscalizado – no interior do agente fiscalizador.
Um equívoco que, aqui e ali, em determinados momentos, parece expresso no envolvimento do Chefe do Executivo em atos e atitudes de membros do parquet.
Os exemplos são muitos outros. As listas tríplices para escolha de reitores das universidades que sempre produzem mal estar. A própria indicação pelo Presidente da República dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Já é hora deste tema – interferência do Executivo em outros órgãos – ser examinado com profundidade. Como está não pode permanecer. Toda lista tríplice ou indicação gera uma tormenta política e moral.
Com tantas PECs – Proposta de Emenda Constitucional – em andamento, uma a mais não fará diferença. Trata-se da melhoria das práticas atinentes à moralidade administrativa, um princípio constitucional.
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