ESTA É DEMAIS


Passaram-se cem anos. A frase de Silvio Romero permanece com validade plena. Este é um país onde a mais elevada prova de talento consiste em dizer a maior cópia de tolices nas mais retumbantes frases.

É o que se vê por ai. Um senador, investido de mandato representativo, prega um plebiscito para ouvir a sociedade sobre o fechamento do Congresso. Quer revisão dos procedimentos das duas casas.

Certo. Realmente, as duas casas – Câmara Federal e Senado da República – têm procedido de forma lamentável. O uso indevido da máquina administrativa para proveito próprio é regra.

Ora, no regime republicano, nada mais lamentável, que a utilização dos bens públicos em proveito particular. Empregadas domésticas remuneradas pelos cofres públicos. Aviões suportados pelo erário. Mordomias infinitas.

Ainda assim é melhor a existência de um parlamento a ser fiscalizado que o silêncio das ditaduras. No interior destas, os descalabros são muitos e ninguém pode elevar a voz.

O acontecimento – consulta popular para fechamento do Congresso – possui raízes mais profundas. Demonstra o desconforto existente na atualidade com as velhas fórmulas democráticas tradicionais.

Desde a Revolução Francesa, as democracias tornaram-se reféns do mandato popular concebido por Abade Sièyes. Retiraram do povo a possibilidade de agir de acordo com suas intenções e interesses.

O argumento é simples. As massas populares agem sem razão. Podem ser manipuladas com facilidade pelos impulsos de um líder carismático ou emoções de circunstanciais.

Há eventuais razões nos argumentos dos defensores do mandato representativo. No entanto, esquecem estes mesmos arautos das diferenças existentes entre o mundo dos anos novecentos e o Século XXI.

Hoje, a informática permite o conhecimento das vontades individuais de maneira singela e sem cargas emocionais. De sua casa, qualquer cidadão pode oferecer sua opinião sobre os mais diversos temas.

É verdade incontestável. Permanecem, contudo, os velhos temores gerados nas elites pelos acontecimentos de 1789. A luta fratricida ocorrida na França revolucionária marcou indelevelmente a alma do Ocidente.

A democracia direta, agora menos ruidosa e menos vulnerável à pregação de demagogos, continua afastada da prática política, apesar de expressa permissão constitucional.

Algumas experiências poderiam ser realizadas. Muitos assuntos de interesse coletivo deveriam ser lançados em consultas populares. Permitiriam conhecer a nação profunda.

Em todas as oportunidades que plebiscitos foram realizados, nada de anormal se verificou. A afirmativa em favor da república mostrou-se acertada. O apoio ao presidencialismo convincente.

Mais tarde, a consulta sobre o uso das armas mostrou resultado coincidente com a realidade. Afastou utópicas proposituras de grupos distantes da sociedade.

Errou quem pediu consulta sobre o eventual fechamento do Congresso. Esta idéia não pode passar pela mente de nenhum democrata. Pode-se e deve-se exigir compostura dos parlamentares.

Eles, no entanto, a par da democracia direta, apresentam-se como elementos inerentes à vida em uma verdadeira democracia. É maligno o pensamento em contrário.

Falta, neste momento, uma consulta sobre os limites de despesas permitidos aos parlamentares. A vida de um representante popular não é fácil. Deve ouvir seus representados e deslocar continuadamente.

Este sacrifício merecer ser registrado. Ele, todavia, não pode permitir os abusos indiscriminados. Estes ferem o princípio da moralidade e agridem a todos os cidadãos.

Um parlamentar exerce, além da representação, uma atividade pedagógica. Educa a sociedade para a prática de atos de civismo. O senador ou deputado que age de maneira diferente frauda valores éticos elementares.

A inoportuna e isolada opinião de um senador merece repúdio em sua desconformidade com a preservação da democracia. Vale, porém, como alerta a degradante ação de alguns parlamentares.

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