ESPETÁCULOS


O encantamento espalhou-se por toda a parte. Ver de perto – por meio do zoom das lentes na televisão, internet e na minúscula tela do celular – uma princesa de conto de fadas é algo além da mera imaginação das pessoas comuns.

Milhões de pessoas, nos mais variados fusos horários, se postaram perante os vídeos. Um sucesso de audiência. Um reality show de boa qualidade.

Apesar de seus antecedentes históricos, as monarquias ainda causam deslumbramentos de mulheres e homens de boa índole. Foi o que aconteceu na última sexta-feira. Muitos olhos lacrimejantes. Não acreditavam no que viam.

Uma plebéia desfilando pelas ruas ao encontro de um príncipe de carne e osso. Excelente roteiro, além da imaginação de qualquer novelista talentoso. Um êxito absoluto.

Como testemunhas presenciais da grande boda, monarcas absolutistas de países pobres dos mais diversos continentes. Todos exibindo vestes inimagináveis por seus súditos.

Tantas são as recordações que o episódio trás às mentes céticas. O mais significativo é a execução de Carlos I – à machadada – pelo republicano Cromwell, um reformador sem sensibilidade com reis e rainhas.

Corria o Século XVII e a Inglaterra conhece uma revolução que alteraria os velhos costumes da realeza. Os monarquistas daquele tempo tinham posições claras e precisas sobre a prevalência dos monarcas sobre a plebe.

Afirmavam sem qualquer acanhamento: “os homens não nascem livres, nem iguais, mas sim num estado de sujeição natural”. Ou no jargão popular pátrio: manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Era este pensamento da monarquia inglesa até a explosão da Gloriosa Revolução Inglesa ou a Revolta Puritana dos Ingleses. Muitos morreram nas lutas contra o exército popular concebido pelos revolucionários.

Grandes injustiças foram praticadas, particularmente contra os habitantes da Irlanda, que defendiam outros valores religiosos e buscavam proteger suas propriedades da sanha dos adeptos de Cromwell.

Restou da Gloriosa Revolução muito sofrimento e uma série de instituições elaboradas por figuras de vanguarda. Estas conceberam as liberdades civis tão respeitadas naquele espaço insular da Europa.

Oportuno, neste passo, é recordar a figura do poeta e panfletário John Milton – que escreveu o poema Paraíso Perdido -, autor de obra básica para se compreender a importância da liberdade de imprensa.

Areopagítica, palavra grega que recorda o tribunal ateniense, coloca-se como fundamental para o estudo da liberdade de expressar o pensamento, direito negado na Inglaterra setecentista.

Estes registros apenas buscam apontar para a efetiva realidade histórica. O conto de fadas, que encantou multidões, contém antecedentes extremamente violentos e indicam que reis e rainhas nem sempre foram unanimidade entre os ingleses.

Ainda na mesma Europa, agora continental, nesta semana finda, uma capacidade cênica própria de sua complexa História foi configurada. A monarquia – em exuberante exposição – encontrou similar em outra cerimônia.

Também patrocinada por Estado de configuração monárquica. O Vaticano levou a Roma milhares de pessoas para participarem da beatificação de João Paulo II.

Este pontífice teve papel decisivo na escalada que levou à derrocada do socialismo real implantado na antiga União Soviética e nos seus satélites espalhados por vários continentes.

Foi figura singular. Combateu os adeptos da Teologia da Libertação dispersos por diversos países, inclusive o Brasil, e conduziu o catolicismo para uma visão mística do mundo.

Praticou a difícil operação de retorno ao passado e fazer dele fonte de inspiração religiosa. O primeiro Papa não italiano, em cerca de quinhentos anos, mudou os rumos de sua gente e calou os antagonistas.

É conduzido aos altares pelo atual Papa e, aqui também, um espetáculo para mover as emoções de muitos pontos do planeta. Os dois acontecimentos demonstram como as mídias suplantaram os pundonores dos mais sensíveis.

O que vale é montar grandes espetáculos. As pessoas gostam do grandioso. Já disse um sábio popular brasileiro: quem gosta de pobreza é intelectual.

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