ENFORCAMENTO, ONTEM COMO HOJE


Em fevereiro deste ano de 2016, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão, por maioria de votos, que levou a sociedade à perplexidade.

De acordo com jurisprudência consolidada, os condenados nas instâncias inferiores só podiam ser recolhidos às prisões após condenação final irrecorrível.

Fundamenta-se este posicionamento no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, cumulado com o artigo 283 do Código de Processo Penal.

Estes dispositivos proclamam o princípio da presunção de inocência. Ou seja, até sentença condenatória transitada em julgado, ninguém pode ser considerado culpado.

Assim era entendido. No acórdão proferido no habeas corpus n.126292/SP, alterou-se o posicionamento tradicional da Suprema Corte.

Passou-se a entender que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.

Com esta nova visão, alteraram-se velhos e assentados acórdãos e os réus condenados, após apelação, podem ser recolhidos ao sistema penitenciário.

Esta decisão teve efeitos apenas no caso singular, mas é claro que passou a servir de paradigma para outras situações semelhantes nos mais diversos foros.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados – demonstrando a inconformidade da categoria – nos dias finais de maio, ingressou com ação declaratória de constitucionalidade a respeito do artigo 283 do Código de Processo Penal.

Isto porque, declarado este vigente e, portanto, constitucional, não pode ser aplicada a interpretação elaborada pelo relator, sobre a presunção de inocência, e seguida por outros seis ministros.

O tema é fascinante e aponta para duas vertentes muito claras e sempre presentes nos embates doutrinários nacionais.

Trata-se da necessidade apontada, por muitos, de tornar as decisões judiciais efetivamente eficazes contra a visão antagônica suportada na importância da dignidade da pessoa humana, a ser preservada no seu espaço de liberdade.

Há muito se debate estas duas visões do mundo. Conta historiador dos acontecimentos paulistas – Dicionário de História de São Paulo, AntônioBarreto do Amaral – episódio verificado em São Paulo no longínquo ano de 1832.

Ocorrera em Santos um motim. Cinco amotinados foram condenados e executados naquela cidade.

Um sexto, o cabo José das Chagas, vulgo Chaguinhas, foi transferido para São Paulo para cumprimento da pena de enforcamento.

A sua execução foi repleta de crueldade. A corda encomendada pela Câmara Municipal rompeu-se.  Foi necessário recurso a laços de couro trazidos de um açougue situado próximo ao patíbulo.

Até aqui temos a barbárie própria de tempos onde  vigorava a pena de morte, agravada pelo uso de instrumento ultrajante: a forca.

Dramático – e ao mesmo tempo contemporâneo – o depoimento prestado pelo Padre Diogo Antônio Feijó na Câmara dos Deputados, em 22 de maio de 1832:

Senhor Presidente, o que eu entendo por atrocidade é, por exemplo, isto: mandar enforcar um homem, tendo ainda recurso legal contra a sentença …”

Prossegue o Padre Feijó. Expõe enforcamento com  pormenores. Estes não importam, apesar do horror extraído da exposição.

O importante, na fala do deputado liberal, é sua revolta contra o enforcamento de uma pessoa, quando ainda havia recurso judicial a ser apresentado.

As palavras de Feijó, proferidas há 184 anos, soam ainda como brado de alerta.

Ressoa na leitura do acórdão proferido em habeas corpus, coincidentemente de São Paulo, pelo Supremo Tribunal Federal.

As conquistas previstas na Constituição de 1988, recolhidas através dos séculos, já não valem nestes tempos estranhos.

Ensinamentos da História lançados ao esquecimento. Estranhos tempos.

 É lamentável.

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