DISCUSSÃO ABSURDA


Voltou-se à época das glosas. Das falas gongóricas. Daqueles que muito falavam e nada resolviam. Longas tertúlias acadêmicas sobre o sexo dos anjos. Os anjos, enquanto isto continuavam livremente pelos céus.

Foram longos os discursos vazios dos juristas medievais. Discutiram sobre tudo e sobre tudo lançavam notas – as glosas – às margens dos alfarrábios. O tempo corria sem sobressaltos.

Só depois do relógio, as pessoas passaram a compreender a importância de administrar este elemento imaterial que é o tempo. Os juízes da mais alta Corte do país ainda não entenderam esta realidade.

As longas sessões do Supremo Tribunal Federal, no caso do mensalão, demonstram que, aqui nos trópicos ou lá em Brasília, pouco importa os dias que passam e as penas que, em decorrência, prescrevem.

Mais vale para a maioria demonstrar erudição. Conhecimento de temas que, muitas vezes, não fazem parte do objeto principal da lide. Falar por falar é o costume.

Hoje, quando toda a sociedade espera o fim do processo 470, os magistrados maiores do Judiciário resolveram decidir se o Regimento do Supremo Tribunal Federal se encontra vigente.

Tiveram vinte e cinco anos para remeter ao Congresso Nacional um projeto de Regimento nos termos da Constituição de 1988. Não o fizeram. Não analisaram previamente a temática.

Agora, quando a cidadania aguarda o desfecho de caso tormentoso, decidiram por analisar a questão. O Supremo Tribunal Federal, tão zeloso em exigir respeito à Carta Magna, desrespeitou o documento maior.

É uma incongruência lamentável. É um desrespeito às normas constitucionais. É um caso flagrante de não cumprimento de suas atribuições superiores. É caso de mora.

Ora, qualquer que seja o desfecho do em julgamento, constata-se que há algo equivocado nos preceitos constitucionais atinente ao Supremo Tribunal Federal.

A mudança continua da composição da Corte leva à insegurança jurídica. O que ontem era direito passa a ser, no dia de amanhã, grave erro judicial. A mudança de ministros conduz a um caleidoscópio jurídico.

As Constituições nacionais, desde 1891, tiveram como fonte inspiradora a Constituição dos Estados Unidos da América. Lá, para evitar estas mudanças contínuas, os ministros são vitalícios.

Ficam em seus cargos até a morte ou vontade própria de aposentadoria. E, em casos graves, podem ser afastados por meio de processo de impedimento.

A Corte norte-americana pode eventualmente ser considerada – em razão da estabilidade de seus juízes – conservadora. Mas, seguramente não é este ambiente de “entra e sai” existente no Supremo Tribunal Federal.

O Poder Judiciário, entre nós, coloca-se como um organismo intocável. Infenso a análises. Conserva-se fechado em si mesmo, sem o necessário arejamento que vem da sociedade.

Todos os segmentos da sociedade democrática – administração pública, partidos políticos, personalidades eleitas – merecem severas críticas e admoestações por parte dos meios de comunicação.

O Judiciário, por temor ou reverência, é sempre poupado por maiores desatinos que cometam seus integrantes. Já é tempo do exercício de uma saudável autocrítica.

A sociedade – assistindo ao vivo as sessões do Supremo Tribunal Federal – se encontra atônita. Ouviu-se falar, sobretudo e inclusive sobre temas extra-autos.

Não se recolheu, entretanto, uma só censura para a situação de fragilidade demonstrada por uma Corte que não sabe se seu Regimento se encontra vigente.

É puro teatro do absurdo.

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